Drogas

Segui um quilo de cocaína da plantação até as ruas

Captain Max Perez of Colombia’s anti-narcotic police

Co-caína. Dito em inglês, cocaine, o próprio nome ecoa Caim, Cain, e marcaria o negócio desde o começo, irmão matando irmão. Um comércio que corrompe países, distorce economias, emprega centenas de milhares, e transforma monstros em multibilionários. A vida na cocaína tem uma energia nervosa de um cassino onde todo mundo continua ganhando dinheiro, sexo está por toda parte, e a qualquer momento, alguém pode se levar e colocar uma bala na sua cabeça. Esse é o acordo com a cocaína e todo mundo sabe.

A droga do glamour. O champanhe dos narcóticos, a droga dos ricos. E daqueles que aspiram ser. Exclusiva e promíscua. Cocaína segue o dinheiro. Ela estava lá para os banqueiros de Nova York e Londres nos anos 1980, para os oligarcas russos dos 1990. Agora os traficantes colombianos se voltaram para os novos empreendedores da China.

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E tem mais da droga no mercado que nunca. Você sabe, dá pra sentir. Os EUA encontrou quase 20 toneladas de cocaína em apenas uma operação ano passado, um recorde. A Alemanha relatou o mesmo, a Costa Rica também. Nos Reino Unido, a polícia está apreendendo mais cocaína que nunca.

Como chegamos até aqui? Um processo de paz fracassado entre rebeldes e o governo colombiano levou plantações de coca – o material bruto da cocaína – a decolar. Agora a Colômbia produz mais coca que nunca, mais do que Pablo Escobar poderia sonhar. Então você poderia dizer que a Colômbia falhou com o mundo. E você estaria errado. O mundo falhou com a Colômbia. Nenhum país conseguiu reduzir seriamente sua demanda pela droga. Esse negócio funciona pela demanda dos países mais ricos.

A droga dos ricos, a carreira de glamour, um narcótico da luxúria. Um negócio de dinheiro, sexo e assassinato. Cocaína começa na sujeira. Montanhas intocáveis que nunca deveriam ter sido domesticadas e selvas tenebrosas. Este ônibus vai direto para as partes mais ermas da Colômbia.

A cada passo que damos, outra camada da sociedade fica pra trás. O último hospital, o último supermercado, a última biblioteca. Tudo cai enquanto dirigimos para dentro da selva. As estradas pavimentadas acabam. Agora vamos além de onde as estradas terminam. O último posto de controle do exército, soldados lançando olhares desconfiados. O último vislumbre do estado, o fim do governo. O país Cocaína. Esse é o fim. Esse é o começo do comércio da cocaína. É aqui que o quilo de cocaína nasce. Não há estado funcional, não há emprego fixo. Abandonados por seu governo, muitos agricultores não veem alternativa para as plantações de coca. Na ausência de tudo, você entende por que cocaína.

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Maria é parte de um exército de ‘raspachines’ que ganham $2,50 para cada 11 quilos de folhas colhidas que são transformadas em cocaína pura. Entre a sujeira e a pobreza, esse é o primeiro estágio de um negócio multibilionário. Foto: Nicoló Filippo Rosso
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Muitos dos que colhem coca reagem mal ao toque da folha, suas mãos incham e ficam com manchas vermelhas. E a coca corta. Depois de uma semana, as mãos dos trabalhadores estão cheias de calos, cicatrizes e machucados. Foto: Nicoló Filippo Rosso

Vinte e cinco trabalhadores andam pelo campo, colhendo coca. Maria sua sob o sol impiedoso, arrancando as folhas das moitas verdes que parecem comuns. É trabalho pesado, mas o único aqui para essa imigrante venezuelana. Maria lembra da vida na Venezuela, de ir dormir com fome, de acordar para ver a mãe chorando. Enquanto sua família perdia peso, ela estava literalmente morrendo de fome quando cruzou a pé a fronteira para a Colômbia. Ela continuou andando e pedindo trabalho até que um fazendeiro concordou e a mandou para o campo de coca. Ela ganha US$ 2,50 [R$ 13] para cada 11 quilos de folhas de coca que colhe. Ela carrega quarenta quilos por essa terra enlameada. Ela entra num “laboratório”, um termo grandioso para um barraco na selva. Pedro recebe as folhas de Maria. Ele vai transformá-las em pasta de coca, um passo antes da cocaína pura. “Isso ajuda a manter as pessoas vivas. Mas ninguém enriquece com isso”, ele diz, apontando para uma tonelada de folhas de coca.

Através dessas florestas tropicais marcham narcomilícias, homens e mulheres pesadamente armados, lutando e morrendo pelo controle da cocaína. Acima no céu, um piloto mantém o helicóptero Blackhawk da polícia bem no alto, para evitar franco-atiradores. Da janela, o capitão Max Perez observa os hectares de coca dessa terra sem lei. O helicóptero aterrissa rápido numa plantação de coca. Os policiais rezam antes de saltar do helicóptero. Rezas de guerra. Eles sabem o que está lá fora: as narcomilícias colocam minas terrestres nos campos de coca. Pegue minha coca e vou te fazer sangrar. A polícia está aqui para destruir a plantação e ir embora antes que a narcomilícia possa contra-atacar. Entre as moitas, Perez escaneia o rosto distorcido da selva, quando os tiros começam e temos que nos abaixar.

Uma cidade celebra outro final de semana de cocaína. Os agricultores venderam sua pasta de coca para as narcomilícias. Agora é hora de bebidas e mulheres. Um bêbado entra cambaleando num salão de sinuca, com uma cerveja na mão e sangue espirrado na camiseta.

“Eles me chamam de ‘Facão da Estrada’.”

Por quê? Pergunto.

“Muitas brigas. Na estrada. Com meu facão. Cortei fora o braço de um homem.”

Em seu quarto no bordel acima do salão de sinuca, Rosario pensa em todos os agricultores de coca bêbado com quem ela vai fazer sexo esta noite. Se conseguir oito, ela pode economizar mais para mandar para a filha na Venezuela. Lá fora espreitam as narcomilícias e a próxima troca de tiros nas ruas da cidadezinha é uma questão de dias, ou mesmo horas.

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Calmos vilarejos rurais se tornam turbulentas cidades da coca, com cenas de sexo e assassinato. A cocaína causa grandes ondas de migração pela Colômbia, com comerciantes e prostitutas viajando muito quilômetros, atraídos pelo cheiro inconfundível de agricultores de coca com dinheiro. Prostitutas alugam aviões para viajar para as cidades mais remoras no fundo da selva, sabendo que vão recuperar o dinheiro e muito mais com agricultores bêbados. Foto: Nicoló Filippo Rosso

“Estamos no apocalipse. Tem muito mal no mundo. Os inocentes são enganados, assassinados, estuprados. Países estão em guerra. Mais guerra. Coisas estranhas acontecem que você não pode explicar. É nosso mundo. É o que merecemos… Mas eu não mereço esta vida.”

E a vida passa pelo rosto dela, através de seu corpo. Essa mulher viu mais da humanidade nessa cela medonha que verei em várias vidas.

“Quantos anos você tem?”

“Dezenove.”

Quando narcomilícias colidem, assassinatos explodem como um gêiser. Aqui no município de Tibu no nordeste da Colômbia, o ano em que estive lá vai terminar com uma taxa de homicídio de 240 para cada 100 mil habitantes. Isso não é crime. É uma epidemia. Mas em crueldade e desespero, às vezes a loucura divina emerge e assassinato cria beleza.

No sudoeste, Puerto Berrio fica às margens do rio Magdalena, uma paisagem linda de lendas e mitos. Os antigos deuses andam por essas florestas. Quando a violência explode aqui, assassinos desovam os corpos no rio e eles passam boiando pela cidade. Alguém tomou uma decisão. Ninguém lembra quem, mas uma tradição nasceu. A cidade decidiu pescar os corpos flutuantes e devolvê-los pra terra. E aí – novamente, ninguém sabe quem, por quê, quando – as pessoas de Puerto Berrio coletivamente decidiram começar uma tradição de caridade e solidariedade. Os habitantes começaram a adotar as sepulturas individuais dos desaparecidos. Eles cuidavam das tumbas abandonadas. Em troca, eles rezavam para as almas dos desaparecidos, pedindo favores. E pequenos milagres começaram a acontecer.

Os quilos de cocaína são colocados num caminhão e levados para fora da loucura da selva. Depois de algumas horas, eles são entregues em Medelim e para os traficantes. Techno sombrio toca na boate. Garrafas de uísque caro são entregues de mão em mão, rostos drogados são iluminados pela luz estroboscópica da boate, e a poeira do narcótico mais puro do mundo paira no ar. Uma aura de violência reprimida pulsa aqui, uma mola comprimida, uma cobra pronta para dar o bote. Não há pessoas boas aqui hoje à noite. As namoradas dos traficantes usam vestidos caros colados a seus corpos definidos milimetricamente pelos melhores cirurgiões. As mulheres sorriem, os lábios curvados em sexo e crueldade. Pupilas dilatadas pelas drogas, elas parecem rainhas loucas. 2C-B é o narcótico preferido dos narcos colombianos. 2,5-dimetoxi-4-bromo-feniletilamina. Sintética, essa droga é chamada de “cocaína rosa”. Imagine o barato “Caralho, porra!” da cocaína misturado com uma leve psicodelia do LSD.

O baixo do techno fica mais pesado e os homens dançam como se estivessem trocando socos. A dança dos condenados. Todos sabem que o fim deles está próximo. Prisão, assassinato, extradição para os EUA. Está vindo. Curta a noite porque o amanhã nunca vai chegar: a filosofia de uma vida na cocaína.

Num restaurante chique, Alex senta numa mesa e planeja o futuro. A cocaína flui para o México e Europa. Ele é o que chamam de “Invisível”, um traficante de drogas de alto escalão, aqueles que se vestem como empresários internacionais. A era dos traficantes celebridades – Pablo Escobar, Gilberto Rodriguez Orejuela, Carlos Lehder – esses dias acabaram na Colômbia. Se sua cara aparece na primeira página do jornal, começa a contagem regressiva para o seu fim. Não, o tráfico acontece nas sombras e o dinheiro é lavado através da economia internacional legal. Alex desfruta das riquezas e luxos do tráfico de cocaína. Agora ele pondera com pode deixar a vida na cocaína sem se tornar comida para os lobos.

“Você não pode sair”, diz Alex. “Ninguém acredita que você não vai lidar com as autoridades ou os gringos.” Ele quer ver mais ordem no submundo. Ele tem um plano.

Uma mula de drogas estrangeira entra no aeroporto de Bogotá com quatro quilos de cocaína escondidos em sua pasta. Destino: Londres. A pessoa faz o check in e pega o assento 23C. E talvez um pensamento passe por sua mente: Posso dar meia volta. Ainda tenho tempo. Mas ela continua andando para o portão de embarque.

Homens e mulheres honestos construíram a estrada pela qual a cocaína agora flui. Última parada na Colômbia, a Costa do Pacífico. A pesca predatória deixou boa parte das águas na Colômbia mortas. Daqui, zarpam os famosos narcossubimarinos, embarcações que deslizam sob as ondas, fora os canos solitários que sugam oxigênio e expelem a exaustão. Elegantes e determinados como tubarões, esses narcossubs carregam toneladas de cocaína pura.

Luis é um pescador de 55 anos. Ele viu os peixes desaparecerem nas vastas águas escuras do Pacífico. Luis é analfabeto e não lembra o nome da doença que paralisou a esposa. O remédio é caro, então Luis pegou US$ 1.200 emprestado com agiotas. A condição da esposa melhorou. Agora Luis precisa pagar o empréstimo. Mas o dinheiro não está ali. Os agiotas mandam um lembrete: meia-noite, homens sem misericórdia chutam a porta de seu barraco e colocam uma arma na cabeça de sua mulher. Último aviso. Então, Luis pergunta pelo vilarejo se alguém precisa de uma pessoa para “viajar para o norte”. E sempre alguém precisa. Ele embarca na lancha com dois outros homens e duas toneladas de cocaína pura. Quando revendidas, elas valerão centenas de milhões de dólares.

Escondido a bordo, o quilo corre para o oeste através do Oceano Pacífico, perseguindo um pôr do sol interminável. Essas são as águas mais selvagens e solitárias do planeta, o leste do Oceano Pacífico. Esse é o mundo abaixo, uma paisagem infinita, pontuada por baleias, tubarões e golfinhos. Destino: a fronteira entre Guatemala e México. De lá, o quilo vai para o maior consumidor de cocaína do mundo: os EUA.

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A Guarda Costeira dos EUA queima o barco de um contrabandista que tinha toneladas de cocaína a bordo no meio do oeste do Pacífico. Foto: Toby Muse

O maior corredor de cocaína do planeta, o oeste do Pacífico parece o fim do mundo. Longe demais de qualquer terra firme, membros da Guarda Costeira americana se apoiam na beirada do navio e olham para o barco em chamas. Uma hora antes, eles descarregaram toneladas de cocaína do barco dos contrabandistas. O navio deles não tem capacidade para rebocar a embarcação e deixá-la pra trás, um navio fantasma flutuante, pode colocar em perigo o trânsito no oceano. Então eles incendeiam o barco, o mandando para o fundo do mar. O barco em chamas vai afundando, os amarelos e laranjas dançam contra o rico céu azul. Vinte pessoas da tripulação assistem a bela destruição. Nada agrada mais o olho humano que aniquilação. O barco está afundando, e logo será sugado para o fundo do Pacífico, assustando tubarões, baleias e lulas gigantes na descida. Um guarda costeiro estremece. Dá uma sensação ruim, ele diz, ver qualquer barco afundar. A Guarda Costeira está feliz com as toneladas de cocaína que apreenderam naquele dia. Mas todos sabem que tem muito mais por aí.

Há histórias de muitas vidas infundidas na grama de cocaína agora em carreiras na sua frente. Nessa linha branca fantasmagórica, você sente o cheio dos trópicos? O palpitar do sexo? Nesse pó branco morto, você consegue sentir a ganância e traição que atravessam continentes?

Esses homens e mulheres da cocaína? Alguns ainda estão nos campos destruindo coca e apreendendo cocaína em alto-mar. Outros estão em fuga, caçados por inimigos. Alguns estão mortos agora. São finais naturais para a vida na cocaína. E assim continua a guerra às drogas que mata, mutila, e mesmo assim nunca acaba.

Kilo: Inside the Deadliest Cocaine Cartels—from the Jungles to the Streets de Toby Muse saiu pela Harper Collins.

Matéria originalmente publicada na VICE Reino Unido.

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