Ser negra no Dia da Consciência Negra e marchar

​A repórter Gislene Ramos

Andar pelas ruas de São Paulo e ter a sensação de que todos à sua volta são seus parentes. Ou simplesmente uma tranquilidade de estar entre semelhantes. Para você que não é negro deve ser uma normalidade quase imperceptível; mas sendo preta ou preto, as coisas são um pouco diferentes.

Na última terça (20), participei da marcha do Dia da Consciência Negra na capital paulista, que é marcada por uma série de eventos na data em homenagem a Zumbi dos Palmares, assim como outras cidades, como Salvador, onde só não é feriado.

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A Marcha do Dia da Consciência Negra 2018 em São Paulo. Foto: Débora Lopes/VICE

Confesso que há um lado meu que não gosta do mês e tem vontade de não sair de casa nem acessar as redes sociais no dia 20 de novembro. Mas um outro lado sabe da importância da data, do se fazer visível e compartilhar afeto. Encontrar tantos amigos pretos ao longo da marcha poderia ser óbvio, mas não foi. Para mim, era a confirmação constante de saber que não estava sozinha.

Marielle Franco, Mestre Moa e entre outros tantos homenageados. A cultura popular, religiosidade afrobrasileira, movimentos estudantis, lideranças de movimento negro, todos com bandeiras em uma causa comum. Mães, pais, casais e famílias pretas me diziam apenas por estarem ali que ser negra é motivo de orgulho, e se não deixarem você ter esse sentimento, é preciso lutar e resistir. Existir.

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A Marcha do Dia da Consciência Negra 2018 em São Paulo. Foto: Maria Paula Kemmer/VICE

Mas na altura do Teatro Municipal, no centro de SP, a marcha se encerrou e me perguntei: e agora? Acabou. A marcha havia encerrado e muitos voltaram para suas casas, outros seguiram para outros eventos pretos. E eu segui com uma reflexão em mente: e amanhã, dia 21 de novembro, ainda sou negra? A resposta veio em forma de versos:

“Sou negra
Ontem
Sou negra
Hoje
Sou negra
Sempre
Sou negra
Quando não podia soltar o cabelo na praia
Sou negra
Quando colocava toalha na cabeça e balançava
Sou negra
Quando só tinha uma boneca da minha cor
Sou negra
Quando questionou o lápis ‘cor de pele’
Sou negra
Quando dei relaxamento ou permanente ‘afro’ no cabelo
Sou negra
Quando nunca fui a mais bonita da sala
Sou negra
Quando não era escolhida para papéis delicados
Sou negra
Quando a porta do banco travava
Sou negra
Quando via o segurança da loja me seguir
Sou negra
Quando você quis tocar no meu black ou tranças
Sou negra
Quando você pensa que sou ‘boa de cama’
Sou negra
Quando já segurou a bolsa ao meu lado
Sou negra
Quando acha que sou a moça da limpeza ou vendedora
Sou negra
Quando não quis assumir relacionamento comigo
Sou negra
Quando me achou muito raivosa naquele debate
Sou negra
Quando era boa para a vaga mas selecionaram outro
Sou negra
Quando pensa que moro em república ou sou bolsista
Sou negra
Quando me preocupo em estar ‘bem apresentável’
Sou negra
Quando acha que sei sambar
Sou negra
Quando me acha inteligente para uma negra
Sou negra
Quando sinto vontade de sumir no dia 20 de novembro
Sou negra
Quando sinto que preciso lutar dia 20 de novembro
Sou negra
Quando chega o dia 20 de novembro e você resolve me perguntar: como é ser negra?
Sou negra
Quando chega o dia 21
E continuo
sendo negra”

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A Marcha do Dia da Consciência Negra 2018 em São Paulo. Foto: Débora Lopes/VICE

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