Se você não souber com exatidão onde procurar, jamais encontrará o novo laboratório antidoping do Rio de Janeiro. Isolado em um canteiro na ilha artificial do Fundão, perto do aeroporto internacional do Galeão, o prédio branco se encontra cercado de placas de ferro onduladas e mal está conectado a vias de acesso. Mantém um anonimato total.
No futuro, a instalação servirá de prédio de química para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e detectará possíveis irregularidades nos corpos atletas. Por ora, encontra-se isolada, como a arca antes da tempestade, nos preparativos para as Olimpíadas de 2016.
Videos by VICE
Depois dos relatos recentes de exames antidoping comprometidos naRússia e problemas contínuos de controle antidoping ao redor do mundo, não é de surpreender que o acesso à instalação seja controlado por senhas e identificação biométrica a cada porta.
Dentro do prédio labiríntico, há laboratórios de ponta, novinhos em folha, encarregados de detectar dez tipos de substâncias proibidas, listadas pela WADA (Agência Mundial Antidoping). Durante as Olimpíadas, esses laboratórios realizarão o equivalente a um ano de exames, com 6 mil amostras para leitura.
A instalação de 45 milhões de dólares virou motivo de orgulho durante os preparativos. Ela representa uma espécie de reviravolta: apenas dois anos atrás, o único laboratório do país credenciado pela WADA foisuspenso pela organização antidoping pois não atendia aos padrões, o que gerou um turbilhão de preocupações acerca da Copa do Mundo iminente e da capacidade do Rio de sediar as Olimpíadas.
Em 2013, Michel D’Hooghe, chefe do Comitê Médico da Fifa na época, contou à BBC que “é quase impossível acreditar nisso, que um país prestes a organizar um campeonato mundial, e que organizará os Jogos Olímpicos dois anos depois, não tem a capacidade de criar um laboratório atualizado, em conformidade com todos os critérios de controle antidoping.”
Fundado em 1989, o laboratório original ficava no velho Centro Tecnológico do campus da UFRJ.Antigamente, boa parte dos funcionários do laboratório vinha direto da universidade, passava por um treinamento e, como é de se esperar, após dois ou três anos, partia para o setor privado. “Era um problema. O laboratório nunca teve uma equipe bem treinada e permanente”, contou Henrique Pereira, que começou a trabalhar no laboratório enquanto estudante, em 1997, e hoje é vice diretor.
O laboratório foi credenciado pelo Comitê Olímpico em 2001. Por causa disso, ganhou certificação automática da WADA em 2004. “Na época, não era um problema para o COI, mas se tornou um problema para a nova agência antidoping porque a demanda analítica sempre cresce”, disse Pereira.
Em 2013, a WADA revogou a certificação do laboratório – cuja equipe se resumia a 20 pessoas – devido ao equipamento ultrapassado, incapaz de lidar com os novos parâmetros de sensibilidade a determinados tipos de substâncias proibidas.
“O laboratório não tinha recursos para adquirir novas tecnologias e conseguir atender ao padrão. Ficamos chateados, mas nunca reclamamos. Acho que foi justo. Acho que é importante tentar se manter a par dos meios, buscar recursos de ponta.”
Na Copa do Mundo de 2014, as amostras de doping tiveram que ser enviadas a Lausanne, na Suíça, um constrangimento que impulsionou o Brasil a construir uma nova instalação e convocar uma nova equipe técnica.
O Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD) repaginado conta com uma equipe expandida de cerca de 100 funcionários. Eles se mudaram para o prédio novo logo após a final da Copa do Mundo, ano passado. Após nove meses de avaliações por parte da WADA — incluindo quatro visitas ao local —, o laboratório foi reabilitado em maio.
A Wada declarou que estava contente com o progresso do laboratório e que continuaria a inspecioná-lo durante os preparativos para as Olimpíadas de 2016 na expectativa de que ainda seja ampliado.
“Dado o papel importante que o laboratório exercerá nos Jogos de 2016, esperamos que o laboratório amplie o quadro de funcionários e passe a compreender especialistas em antidoping e voluntários, ao passo que a hora dos Jogos se aproxima, para comportar o volume crescente de análises de amostras”, disse Ben Nichols, porta-voz da WADA.
“De qualquer forma, em caso de falhas, quaisquer problemas serão detectados pela avaliação contínua e rigorosa do laboratório, conduzida pela WADA. Essa avaliação, que inclui visitas ao laboratório, é vital para garantir que o laboratórios opere direito e esteja completamente preparado para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Estamos seguros de que dará tudo certo”, continuou.
A próxima visita da WADA deve ocorrer no início de 2016. Em maio, em uma declaração, o Ministro do Esporte George Hilton disse: “Ainda temos um caminho a trilhar para assegurar o nível de excelência necessário para garantir fair play em todos os esportes. A WADA comentou que a criação de um tribunal de recurso e a certificação da Agência Brasileira do Controle de Dopagem (ABCD) como a autoridade máxima de antidoping no Brasil são essenciais e estamos tomando as medidas necessárias para satisfazer esses requisitos”.
“A pressão está toda sobre o Brasil ante os Jogos de 2016”, disse Maria José Pesce, diretora do escritório regional da WADA da América Latina e do Caribe, no começo desse ano. “Está claro que o objetivo da WADA é assegurar um laboratório credenciado na cidade. Mas, em última instância, isso depende do desempenho do laboratório. Vontade não falta, mas ainda precisam trabalhar para passar todos os exames técnicos que são bem exigentes e seguem padrões internacionais.”
Enquanto isso, os escândalos recentes abalam a confiança em controle antidoping ao redor do mundo, o que significa que o Rio receberá atenção extra em prol de jogos limpos.
Entre os escândalos, emergiram revelações de doping patrocinado pelo governo russo. Segundo um relatório independente, encomendado pela WADA e publicado no mês passado:
● O principal laboratório russo antidoping, localizado em Moscou, estava envolvido na “cobertura generalizada de resultados positivos de doping”, incluindo a “destruição intencional e maliciosa” de 1.417 amostras que a WADA havia pedido para guardar.
● Atletas e treinadores russos subornaram autoridades antidoping para cobrir resultados positivos de exames, ao passo que oficiais do esporte extorquiram atletas sob investigação para fazerem o mesmo.
● A polícia secreta da Rússia se infiltrou em instalações antidoping em Moscou e Sochi e afetou “a imparcialidade, o julgamento e a integridade” dos exames.
Em novembro, a Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF) baniu, provisoriamente, velocistas russos de competições internacionais, o que significa que talvez não possam competir no Rio.
A equipe do LBCD, no Rio, tem acompanhado os desdobramentos da crise.
“Ficamos chocados”, disse Pereira. “Levamos um susto. Na verdade, gostaríamos de ter mais informações. Do nosso ponto de vista, está um pouco obscuro, não está claro. Sentimos muito pelos colegas russos. Evidentemente, para a comunidade, é uma preocupação. Mas, da perspectiva dos nossos preparativos, não teve impacto algum. Já temos pressões o bastante.”
As medidas de segurança do novo laboratório, uma das duas únicas instalações credenciadas pela WADA na América do Sul, tendem a se intensificar à medida que o Rio de aproxima do ano olímpico. Durante os Jogos, a equipe do LBCD será reforçada por 100 especialistas internacionais, bem como 60 voluntários brasileiros que já estão em treinamento.
“Em vinte dias, receberemos o volume de trabalho que costumamos tocar em um ano, então é bastante”, contou à VICE Sports a pesquisadora do LBCD Ana Carolina Dudenhoeffer Carneiro. “Mas estaremos preparados. A equipe vai crescer bastante — já cresceu.”
Ana Carolina contou que um dos exames realizados pelo novo laboratório é o exame antidoping de sangue. Ele identifica se um atleta passou por alguma transfusão para intensificar a oxigenação do sangue e a resistência física. A WADA também está desenvolvendo o Passaporte Biológico do Atleta para acompanhar os níveis químicos e hormonais do indivíduo ao longo do tempo e detectar alterações biológicas que podem aprimorar o desempenho.
“Quando alguém recebe sangue de outra pessoa, é muito difícil manter um perfil idêntico”, explicou Ana Carolina. “O efeito é o mesmo de outros tipos de doping. Os atletas ganham mais oxigenação; recebem mais células vermelhas e apresentam um desempenho melhor por conta desse aumento de células. Os atletas que mais fazem isso são os ciclistas, que dependem de uma oxigenação intensa.”
Ela descreveu parte do exame. “Inserimos uma solução repleta de células na máquina. Então, a máquina as separa, uma por uma, para conduzi-las por um detector”, contou. “Para detectarmos as moléculas, nós as marcamos com cores fluorescentes. A máquina identifica as moléculas fluorescentes. Até completar a análise, o processo todo leva três ou quatro horas.”
Ao passo que os preparativos tomam o Rio de Janeiro, a equipe já começou a analisar as amostras de atletas qualificados. O laboratório também está negociando com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o maior cliente da antiga instalação, para retomar o trabalho com o futebol.
Enquanto isso, a equipe do laboratório está segura de que dará conta da demanda anual de 2.500 análises para manter o credenciamento.
“Estamos motivados, queremos fazer o melhor trabalho possível”, disse Pereira. “O governo brasileiro e a universidade nos dão apoio total. Acho que deixará um legado muito importante para o Brasil e para a universidade.”