O skate na Georgia pós-soviética é uma mensagem de liberdade

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D.

Ao longo da história, não são muitas as subculturas que tenham conseguido tornar-se tão universais como o skate. Para lá dos anos, da geografia ou dos regimes políticos, encontras skaters em todo o lado. Livres ou amordaçados, mas com o seu espírito sempre intacto. When Earth Seems to Be Light é um documentário que capta a cena do skate na Georgia contemporânea.

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Realizado por Salome Machaidze, Tamuna Karumidze e David Meskhi, o filme segue um grupo de skaters pelas ruas de Tiflis, onde a modernidade e as ruínas do passado soviético se confrontam violentamente. Na Georgia, o Sol brilha tanto como na Califórnia, mas a situação política é bastante mais problemática: enquanto os skaters treinam os seus kick flips, as ruas enchem-se de manifestantes que desafiam a Igreja e o Governo conservador.

O documentário conquistou o prémio para melhor primeiro filme, no Festival IDFA , em Amesterdão, e já foi exibido nos festivais de cinema documental de Istambul, Bergamo, Estocolmo, Bruxelas e Sofía, para nomear apenas alguns. A obra demonstra, uma vez mais, que há algo no skate que o faz ir além do mero passatempo adolescente e mostrar-se como um meio para se atingir a liberdade.

Como surgiu a ideia de fazerem o filme?

Salome: Num primeiro momento, conhecemos os skaters porque o David estava a fotografá-los. Era uma coisa que já fazia há alguns anos e acabou por pendurar nas paredes de nossa casa as fotos que lhes tinha tirado num hipódromo abandonado. Ao vê-las, dei-me conta de que deveríamos fazer um documentário.

Como foi trabalhar com este grupo de skaters?

Salome: Quando cheguei à Georgia para conhecê-los antes de começarmos a gravar, dei-me conta de que eram completamente diferentes do que tinha imaginado. Pensei que fossem punks, porque na minha infância, os putos skaters eram todos punks. Mas é outra geração totalmente diferente. Há uma atitude menos rebelde e menos punk agora. Eles são bastante mais relaxados, conscientes e articulados.

David: No filme podes ver como entre eles são muito unidos e creio que o conseguimos captar bem.

No que respeita à natureza documental do filme, vocês dirigiram-nos de alguma forma, ou limitaram-se a observá-los?

Tamuna: Levávamo-los a um local e depois víamos o que acontecia, não lhes dizíamos o que tinham de fazer. Essas partes são puramente documentais. Mas no geral julgo que acaba por ser uma mistura das nossas ideias e das acções deles.

O actor e músico francês Lucas Ionesco, conhecido pela sua participação em “The Smell of Us”, de Larry Clark, aparece no filme. Como é que ele acabou por encontrar-se com estes miúdos na Georgia?

Tamuna: Já o conhecíamos e sempre o achámos uma pessoa interessante. Estávamos a planear que entrasse no filme e, entretanto, acabou por ir trabalhar com o Larry Clark. No entanto, passou-se alguma coisa que o fez sair dali e vir ter connosco. Para ele foi como um escape. É tal e qual como se vê: aparece e começa a andar com os putos e a descobrir o país enquanto se sente um pouco perdido.

A dinâmica entre Lukas e os skaters da Georgia é bastante interessante. Ele menciona a sensação de liberdade várias vezes. É uma coisa que já ouvi várias vezes de outras pessoas – essa sensação de liberdade que sentem pessoas de países ocidentais quando estão em países pós-soviéticos.

Tamuna: É um tema controverso, porque para os putos, a liberdade está, precisamente, no sítio de onde ele vem: em Paris e na Europa. Todos dizem o mesmo, que se querem ir embora, que querem ir para Paris. E ele diz que foi para a Georgia, porque é muito melhor que Paris. Porque é um sítio onde todos são livres.

Salome: Foi estranho para ele, porque a Georgia é um país muito corrupto, mas, no entanto, parece também que toda a gente se conhece e que não há tantas barreiras burocráticas, por exemplo, como no Ocidente.

Tamuna: Sim, essa ausência de barreiras dá-te muito espaço, pelo menos ao início.

David: Mas existem muitos outros problemas.

É óbvio que há skaters em todo o mundo. O que é que faz com que estes rapazes sejam diferentes?

Salome: O que pensei foi que, na Georgia de hoje, as coisas são um pouco como nos Estados Unidos dos anos 60. O skate é algo completamente clandestino.

Tamuna: No ocidente toda a gente tem uma tábua de skate, é algo de consumo massivo. Lá, se fazes isto, é algo bastante distintivo. Juntas 20 chavalos e eles sentem que estão a fazer uma coisa especial, que fazem parte de uma cena.

Acham que o vosso filme contribuirá de alguma forma para a cena do skate – e para a cultura juvenil no geral – na Georgia?

David: Todos os skaters de Tiflis, literalmente, aparecem no filme. Mas, é verdade que parece que agora estão a aparecer mais.

Salome: O que me deixou muito contente depois das filmagens, foi o facto de que se tenham tornado mais fortes e independentes na sua decisão de pertencerem a uma subcultura. Através do filme perceberam que não se trata apenas de de ter o cabelo comprido. Trata-se de ter uma mensagem e de como essa mensagem pode influenciar outros. Para a Georgia é muito importante que existam mais jovens como estes.