Dois dias antes de fazer aniversário, o skatista Noel de Oliveira resolveu sair de casa para ir até o Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Lá, sentado nas arquibancadas de cimento, ele diz ter notado um grupo de seguranças proibindo algumas pessoas de andarem de skate. “Vi um dos caras indo pra cima dos moleques e fui na direção dele perguntar o que estava acontecendo e quem proibiu. Aí o cara pegou o cassetete e começou a vir pra cima de mim”, relembra Noel.
A suposta agressão virou caso de polícia. No dia seguinte, 28 de março deste ano, o skatista foi até o 16º D.P. registrar a ocorrência de lesão corporal e realizar o exame de corpo de delito. Noel ainda não sabe se irá entrar com uma ação contra a Albatroz, empresa de segurança terceirizada pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) responsável pela vigilância da parte interna do parque. “Se os caras saírem daqui, pra mim, já tá bom”, desabafa, se referindo aos quatro homens que teriam o agredido.
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Noel conta que, no momento da confusão, pediu ao segurança que mostrasse uma carta-ofício proibindo a prática do esporte no local. Ainda segundo ele, no momento, alguns moleques bateram com seus skates nos seguranças para defendê-lo. Mesmo estando nervoso, resolveu ouvir os amigos, que pediram para ele não revidar. Duas fotos mostram os hematomas: um roxo na barriga e um vergão no braço. “Tenho até uma cicatriz.”
Ainda que o parque seja referência para skatistas de todo o país, a SVMA justifica que, “de acordo com a portaria nº 69/2006-SVMA, é proibida a prática de patinação e skatismo, a não ser em áreas destinadas para tal finalidade”. Mas as tais áreas parecem não estar definidas. A pasta explica que “está em elaboração uma regulamentação que estabelecerá os locais destinados”. A discrepância de informações parece confundir tanto os skatistas quanto a própria companhia responsável pela segurança.
Inicialmente procurado pela reportagem da VICE, o advogado da Albatroz, Alberto Felício Junior, disse que, até então, não havia recebido nenhuma notificação sobre o boletim de ocorrência. Depois, confirmou o “entrevero”. “Os vigilantes foram advertir e falar com os skatistas que eles não poderiam andar de skate”, relatou por telefone. “Segundo informações do gestor do parque e de pessoas ouvidas – não só dos vigilantes –, os skatistas teriam partido pra cima dos profissionais.” A Albatroz informa que irá aguardar a apuração dos fatos para “adotar as providências que se fizerem necessárias”. De qualquer maneira, o advogado reitera que não tem “conhecimento de nenhum ato truculento dos vigilantes”.
No dia em que a equipe da VICE esteve no Parque da Independência, o skatista Juan Nunes contou que presenciou o “bate-boca” e viu Noel ser agredido. “Um guardinha se exaltou e começou a maior pancadaria. Pegaram o cassetete e começaram a dar várias. Durou uns 15 minutos.” Para Juan, a relação entre skatistas e vigilantes não é das mais saudáveis. “Tem uns que chegam na moral e conversam, falam que ‘não pode’. Tem outros que já chegam xingando, querendo bater.”
A treta entre skatistas e o espaço público paulistano não é nova. Em 1988, Jânio Quadros, então prefeito da cidade de São Paulo, proibiu o skate no Parque do Ibirapuera. Depois que alguns skatistas se reuniram em protesto, o político foi além: proibiu o skate em toda a cidade.
Nos últimos anos, o debate foi reacendido quando a revitalização da Praça Roosevelt, no centro da cidade, pariu um espaço totalmente cimentado e liso: um deleite para os amantes do carrinho. Não demorou muito para que a tradicional família brasileira achasse um absurdo ver o local tomado por skatistas e tentasse obliterar o acesso dos mesmos. Depois de muito debate, moradores e prefeitura acharam por bem liberar o espaço e adaptá-lo para receber a meninada – inclusive, baixando corrimãos (para tornar as manobras mais seguras).
Um dos motivos para acelerar o processo de liberação da Praça Roosevelt se deu no dia em que um policial (à paisana) da Guarda Civil Metropolitana deu uma gravata em um skatista. O vídeo caiu na internet e foi a gota d’água para resolver o imbróglio. O guarda foi punido e, por fim, os skatistas ganharam seu quinhão.
No ano passado, acompanhamos um point de skate na Avenida Faria Lima que virou espaço para food trucks e decepcionou a meninada que tinha construído obstáculos de cimento para andar por lá, uma viela esquecida na cidade.
Há 30 anos andando de skate no Parque da Independência e membro da associação Skate no Museu do Ipiranga, Tadeu Ferreira diz comparecer ao conselho gestor do parque desde 2010. Para ele, o bairro ainda carrega ares conservadores. “Precisamos nos integrar com a comunidade pra perdermos essa imagem de marginais”, destaca. Ex-funcionário do parque e constantemente envolvido com todas as questões que permeiam o local, Tadeu estava colocando um banner para alertar os esportistas sobre o uso de capacete no dia da reportagem. “Faço por amor ao skate.”
Skatista desde 1991, Alessandro McGregor reitera que atos violentos são corriqueiros no mundo das rodinhas. Há mais de dez anos, ele conta ter sofrido agressões por parte de seguranças do mesmo parque. “Eu estava andando de skate lá e não havia nenhum comunicado, nenhum informativo. Fui abordado e disseram que eu não podia andar de skate. Questionei, e ouvi um ‘Você não pode porque eu tô falando que você não pode’. Aí o cara começou a dar umas botinadas, me empurrar.” Para ele, há também um certo despreparo por parte dos profissionais que zelam pela segurança do local. “Os caras não estão capacitados pra dialogar. Aí eles vão e agridem”, fala.
Mesmo depois da suposta agressão, Noel continua frequentando o parque – que “faz parte da história do skate” – e relata que os seguranças envolvidos também permanecem por lá. Mesmo com certo receio, o amor pelo esporte fala mais alto. “O skate me ensinou muita coisa. O lance da rua, de cair, levantar, acreditar em você, estar com os amigos. As pessoas vivem na época da ditadura e acham que skatista é tudo marginal, vagabundo e não faz nada da vida.”
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