Snoop Através dos Tempos

Fotos por Terry Richardson
Estilo: Annette Lamothe-Ramos
Assistentes de fotografia: Rafael Rios e David Swanson
Agradecimentos especiais: Milk Studios

Durante a última década, a moda e o estilo deixaram de ser ditados por grandes estilistas e editoriais de moda para serem pautados por blogueiros modernos, marcas acessíveis e, principalmente, pelos rappers.

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E, nos últimos 20 anos, um homem tem sido o precursor de um estilo autêntico e descarado adotado por quase todo mundo com menos de 40 anos. Esse homem é o Snoop Dogg – ou, melhor, era o Snoop Dogg. No ano passado, ele mudou seu nome para Snoop Lion depois de uma viagem para a Jamaica, onde gravou Reincarnated, seu novo disco com influências do reggae e do movimento, e um documentário sobre sua jornada em busca de Jah.

Um dos primeiros rappers a chocar o público com seu estilo de vida, Snoop ficou conhecido no início dos anos 1990 com os avassaladores The Chronic do Dr. Dre e seu Doggystyle. Esses discos serviram de parâmetro por mais de uma década para o hip hop extremo feito por artistas que viviam a vida que cantavam em suas letras – gangstas da periferia que não tinham problema nenhum em traficar, atirar, trepar, beber, fumar e tudo o que deixava os pais do mundo todo de cabelo em pé.

Os estilos variados do Snoop seguiram nessa mesma linha, numa sequência contínua de estilo que evoluiu para uma gloriosa mistura de jeans skinny, bonés de aba reta, blusas largas, sobreposições, tênis de edições limitadas, curiosidades vintage, serigrafias esquisitas e qualquer outra coisa que ficasse legal. Acabaram-se a regras, finalmente, porque tudo estava ficando previsível e um pé no saco.

Com isso em mente, para esta Edição de Moda Norte-Americana, achamos que seria apropriado revisitar os estilos do Snoop dos últimos anos e trocar uma ideia com ele sobre o assunto. O Snoop foi gente finíssima e até deixou a gente tirar peças preciosas de seu acervo pessoal. Basta dizer que vê-lo em seu casaco roxo de cafetão pela primeira vez em anos e se arrumar diante do espelho, com certeza, é algo que eu teria riscado da minha lista de coisas a fazer antes de morrer se não achasse que ter uma lista dessas fosse uma babaquice.

O Snoop é um homem muito ocupado e que não tem tempo a perder. Ele nos concedeu essa entrevista enquanto uma manicure pintava suas unhas estilo francesinha.

VICE: Fiquei com medo de você não topar posar com suas roupas antigas para esta matéria pelo fato de você ter se reinventado como Snoop Lion. Mas você pareceu totalmente à vontade durante a sessão de fotos. Sua atitude mudava de acordo com cada estilo.
Snoop Lion: 
Nada foi embora. Sempre incorporo um pouco de qualquer coisa e de tudo. Sempre olho para o ontem, e é bom poder me encontrar completamente naquele momento, naquela época, com aquela cabeça, e poder captar isso.

Você definiu muito da moda sendo simplesmente você mesmo, usando as roupas de que gosta e que te deixam confortável. No entanto, selecionamos umas peças bem específicas para as fotos, como o traje da Crips. De onde ele surgiu? Foi ideia sua? 
A primeira vez que vi esse traje foi no Coolio e num bando de caras chamado 40 Thevz, um grupo de rap que estava fazendo vocal de apoio para ele. Ele vestia o traje e eu gostei. Então, ele me apresentou para Perry White, o cara que fazia, e comecei a usar também. De repente, ele se tornou parte de meu estilo porque representava muito quem eu era. Foi meu primeiro statement no mundo da moda; mostrou que eu tinha sim um estilo e que manjava de estilo, mesmo sendo gângster e da costa oeste dos EUA.

Naquela época você se identificava com algum estilista em particular?
Tinha mais a ver com o que ficava legal, tá ligado? Se algum estilista… Por exemplo, se o Tommy Hilfiger tivesse uma camiseta legal, eu comprava a camiseta do Tommy Hilfiger e um sapato Capezio ou talvez uma calça Girbaud e um moletom da Guess. A moda que eu seguia era qualquer moda que meu dinheiro pudesse pagar e, ao mesmo tempo, qualquer coisa que ficasse bem em mim. Não era ditada por um estilista ou marca, era mais uma questão de estilo, e algumas marcas tinham estilos diferentes que ficavam bem em mim, então, eu pegava e me apropriava.

Mas você se manteve fiel a certas marcas ao longo dos anos, como por exemplo, Polo e Adidas. Por que você usou essas marcas por tantos anos? 
Elas se mantêm fiéis ao que fazem e me atraem porque não mudam. Elas fazem o que fazem, e sou assim: gosto de usar roupas e coisas que representem as mesmas coisas que represento, e essas duas marcas, a Polo e a Adidas, se mantiveram fieis às ruas. Elas se mantêm fiéis ao estilo delas e fazem roupas que ficam bem no verdadeiro malandro.

As pessoas sempre usaram camisa de futebol americano e outros esportes, mas você foi provavelmente o primeiro rapper — na verdade o primeiro músico ou pessoa famosa — a usar camisas de hockey com frequência de um jeito estiloso. De onde veio isso? Você é muito fã de hockey? 
Sabe o que foi? Eu tinha uma estilista na época chamada Toi Crawford. Ela comprou camisas de hockey porque eu curtia os moletons de universidades afro-americanas que se usava na época — aqueles de faculdade de negros. Aí ela disse: “Experimenta essa camisa de hockey”. Tinha um índio nela ou coisa assim. E outra tinha uma folha, tipo uma folha de maconha. Eu curtia aquela camisa. Tinha outra preta e amarela do Pittsburgh Penguins. Tinha muita coisa nessas camisas que eu achava legal. Eu curtia a aparência delas e elas eram grandonas. Foi um lance: “Ninguém usa essa parada. Isso sou eu, esse é o meu estilo”. Eu me sentia bem com elas.

Mais ou menos na mesma época, você usava flanela com frequência e, agora, todo mundo usa — o que não rolava em meados dos anos 1990. Hoje em dia, Terry Richardson e a flanela, por exemplo, são como pão com manteiga. Você se sente parcialmente responsável por essa tendência? 
Fizeram parecer que era uma afirmação de estilo, mas era a única coisa que a gente podia comprar na época na costa oeste. A gente ia nas lojas de surfe e comprava umas dez ou 15 blusas dessas por um preço bom, tá ligado? Era uma roupa quente e representava quem a gente era e o que a gente desejava. Era nosso dress code.

Além de utilitárias e funcionais, elas eram estilosas. Depois disso, você passou a se vestir feito cafetão, o que surpreendeu as pessoas. Você estava se vestindo de acordo com a vida que estava levando. Era um estilo bem mais pomposo.
Era pomposo e excêntrico. O lance daquele estilo é que representava você, suas meninas, o carro que você dirigia, o mundo do cafetão. Representava o cafetão. Se a paleta de cores dele fosse verde e amarela, ele vestia verde e amarelo, o carro dele era verde e amarelo, o apartamento era verde e amarelo, as meninas vestiam roupas verdes e amarelas, e tudo tinha aquelas cores específicas. Tudo combinava, de cima a baixo. Tinha a ver com charme, glamour e pompa, e tudo isso vem da era em que cresci. Fiquei encantado quando vi isso de fora. A maioria dos meus tios se aventurou na cafetinagem, e o pai da minha mulher era um dos maiores cafetões da região. Para mim, era fascinante ver aquele estilo, adotar aquela moda e afirmar que eu fazia parte daquele mundo. A sensação era maravilhosa, porque sei o significado da moda: é uma verdadeira afirmação de estilo. Sou um malandro de verdade, mesmo enquanto faço as unhas no estilo francesinha. O cara ordinário não se imagina pintando as unhas, mas não sou um cara ordinário.

Onde você comprou o casaco de pele roxo que usou no ensaio? Foi feito sob medida? Nunca vi nada igual.
[risos] Esse aí saiu do acervo do cafetão. Tenho muitas peles de animais: castor, chinchila, carneiro, cavalo…

Cavalo?
É, tenho de cavalo também. Tenho de tudo, cara. Tudo. Tá ligado? Quando eu fazia parte do mundo da cafetinagem, fazia compras no mundo todo e a gente sempre tentava encontrar coisas que ninguém tinha, porque quando você vai numa festa com os maiores malandros do mundo, eles estão usando as roupas mais magníficas que você pode imaginar. Então, você tenta ofuscar. Lembro que uma vez usei um sombreiro preto e dourado enorme cheio de diamantes e strass amarrado no pescoço. Todas as minhas meninas foram vestidas de mexicana, foi demais. Lá, eu era o verdadeiro jefe.

Você tinha um personal stylist que ia atrás dessas coisas?
Tive vários personal stylits, e também encontrava coisas diferentes. Gostei daquele sombreiro porque já tinha visto vários malandros usando chapéus, mas ninguém nunca tinha usado um daqueles. Já tinha visto o Bispo Don “Magic” Juan com um desses, parecia Louis Vuitton. Quando você usa um terno bacana e um sombreiro, isso sim é moda de verdade.

Você comprava várias joias naquela época?
Sim. Ainda tenho algumas, mas a maioria é coisa do passado. Elas se foram com o tempo.

Sua evolução seguinte em termos de estilo foi, por falta de termo melhor, o “visual executivo”. Isso aconteceu mais ou menos na época em que você foi nomeado diretor criativo da Priority Records da EMI. Imagino que isso tenha servido de inspiração.
Era uma questão de me transformar, de artista a chefe, e tentar ser mais eficiente nos negócios não só na parte criativa, mas também entender que, criativamente, sou o chefe porque estou criando tudo que as pessoas querem comprar e ver — então, por que não ter o controle disso? Tenho que despedir pessoas e ter mais controle sobre o que faço e digo. Eu precisava de um estilo que combinasse com isso. Você precisa parecer o personagem para interpretá-lo. Ninguém me levaria a sério se eu chegasse usando uma roupa esportiva. Pensariam que eu estava indo malhar. Então, eu tinha que colocar um terno para saberem que eu estava fazendo negócios. O negócio que eu faço tem que ser divertido. Quando passa a ser divertido, ele se torna um grande empreendimento, porque se for divertido, vamos adorar trabalhar e vamos fazer isso o tempo todo.

Isso nos leva à sua recente viagem a Jamaica e seu novo disco com influências do reggae, que também resultou num novo visual. Imagino que abraçar o rastafarianismo tenha mudado seus hábitos consumistas. Onde você compra suas roupas hoje em dia, como as batas de linho branco que você tem exibido por aí?  
Tem uma loja onde eu compro, tá ligado? Coisa rastafári. Não quero dizer onde é porque não quero muita gente parecendo comigo. Tá ligado, quando eu menos esperar, você vai estar me entrevistando com uma roupa igual à minha. [risos]

Acho que não, eu não ia segurar o look. Mas é um look invejável, confortável e classudo, mas também é imponente.
É isso que eu procuro. Queremos estar confortáveis e despojados, mas também, elegantes, porque gostamos de ter uma boa aparência, queremos ter uma boa aparência. Na costa oeste estamos sempre preocupados em ter uma boa aparência. Tentamos superar nossos amigos para pegar uma menina. As mulheres gostam de um homem elegante que leve a sério o que faz. Isso fez com que eu tivesse uma consciência sobre moda desde muito cedo, quando comecei a querer ter namoradas e impressionar — para arranjar um emprego, fazer coisas no mundo, para subir de nível e me estabelecer.

Seu cabelo mudou drasticamente ao longo de sua carreira, acompanhou seus diversos estilos. Mudar o visual do cabelo é uma coisa que pode dar muito certo ou muito errado — muitas figuras públicas já tentaram e, muitas vezes, acaba sendo um desastre constrangedor. Mas você nunca deu um passo em falso nesse sentido. O que o cabelo de um homem diz sobre ele?
É sua viagem. É isso. Com certeza, esse é o meu estilo desde o começo, meu cabelo sempre foi meu foco principal. Sempre me certifico de que está tudo bem com meu cabelo e, se assumo um estilo novo, alguma coisa que combine comigo e que seja diferente. Mesmo quando eu usava maria-chiquinha ou fazia permanente igual à Shirley Temple, o que quer que fosse, era sempre ousado. Era tipo: “Uau, ficou legal”. Mas era sempre diferente, então, mesmo agora que estou prendendo o cachorro, sou eu sendo eu mesmo. Meu cabelo sempre contou uma história e essa é minha jornada neste momento.

O disco Reincarnated já está à venda e o documentário poderá ser encontrado em breve no Netflix.

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