Michael Osterholm sempre usa uma máscara de tecido quando sai de casa. Ele apoia o uso de máscaras e acredita que elas ajudam a desacelerar a onda de coronavírus. Mas sua organização, o Centro de Pesquisa de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, ou CIDRAP, recebeu uma enxurrada de mensagens de ódio recentemente de pessoas que não acreditam neles o suficiente. Alguns até acusaram Osterholm e outros de contribuir com a “morte de milhares de humanos” — algo que ele realmente não consegue entender.
“Sou parte de uma equipe trabalhando numa máscara N95 lavável que pode ser usada até 300 vezes. O CIDRAP está terminando um estudo mostrando que 26% das pessoas não estão cobrindo o nariz quando usam máscaras e as encorajando a fazer isso. Eu sempre uso máscara quando saio de casa”, disse Osterholm. “Não entendo como isso pode ser anti-máscara.”
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A questão-chave é que as visões científicas de Osterholm não se encaixam exatamente em um dos principais debates atuais: Máscaras são boas ou ruins? No começo, acreditava-se que o COVID-19 era transmitido principalmente através de gotículas relativamente grandes de tosse e espirro, o que máscaras de tecido conseguem deter. Mas muitos cientistas acreditam agora que partículas menores conhecidas como aerossóis também têm um papel significativo na transmissão de SARS-CoV-2, o vírus que causa o COVID-19. Osterholm e outros do CIDRAP estudam quão bem diferentes tipos de máscaras filtram esses aerossóis, que são emitidos quando as pessoas exalam, seja respirando, falando ou cantando. E enquanto Osterholm acredita que máscaras de tecido podem reduzir a propagação do coronavírus, ele teme que algumas pessoas estejam superestimando a capacidade delas de fazer isso.
Isso coloca Osterholm e o CIDRAP no centro de um debate que cada vez mais não é mais um debate. “Parece que estamos no meio da questão”, ele disse, “mas de algum jeito isso é considerado uma posição extrema”.
Como epidemiologista, Osterholm passou décadas pesquisando doenças infecciosas, atuando de 2001 a 2005 como consultor especial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, incluindo em questões como segurança de saúde pública. Agora um defensor fervoroso do distanciamento social na era do COVID-19, ele teme que uma fé grande demais nas máscaras de tecido pode levar a acreditar que essas máscaras são como um escudo fortificado.
“Parece que estamos no meio da questão, mas de algum jeito isso é considerado uma posição extrema.”
Enquanto os EUA continua reabrindo no meio de uma pandemia mortal, para muitas pessoas máscaras oferecem o que parece ser um jeito responsável de voltar para algo que lembra o normal. Vários estudos descobriram uma correlação entre o uso amplo de máscaras e uma taxa de morte mais baixa por COVID-19, e em parte isso levou a uma mudança de ênfase do distanciamento social para o uso de máscaras. Em julho, o diretor do CDC Robert Redfield disse numa entrevista coletiva que “se todo mundo usar uma máscara pelas próximas quatro ou seis semanas, podemos aplainar a epidemia”. Enquanto a sugestão pode parecer melhor que os pronunciamentos do próprio Trump, isso também retrata as máscaras como uma solução final para o COVID-19, em vez do que Osterholm e outros acreditam que elas deveriam ser: parte de um plano de ação mais amplo que inclui distanciamento social e evitar contatos prolongados fora de casa.
Versões da ideia de Redfield se tornaram lugar comum na internet. Um meme recente circulando pela internet mostra duas pessoas, um delas sendo “portadora de COVID-19”, e outra em “risco de contágio”. O risco de contágio vai de alto para baixo em quem está usando máscara. O risco é mais alto quando apenas o “risco de contágio” usa uma máscara e mais baixo quando as duas pessoas estão usando. O gráfico simplista não diz que tipo de máscara está sendo usada, tempo de contato entre as pessoas, ou se elas estão num lugar fechado ou a céu aberto — fatores importantes quando estamos falando sobre transmissão por aerossóis.
Joshua Santarpia, microbiologista que estuda aerossóis biológicos na Escola de Medicina da Universidade de Nebraska, acredita que esses memes são equivocados. “Se duas pessoas estão numa sala conversando, usando máscaras feitas de camiseta, e uma dessas pessoas tem o vírus, a outra pessoa tem muita chance de contrair se ficar na sala por tempo suficiente”, ele explica. “Essa transmissão é bem menos possível se as pessoas estiverem ao ar livre, mesmo se não estiverem usando máscara.”
“Se duas pessoas estão numa sala conversando, usando máscaras feitas de camiseta, e uma dessas pessoas tem o vírus, a outra pessoa tem muita chance de contrair se ficar na sala por tempo suficiente.”
Pesquisa científica geralmente apresenta informações cheias de nuances e que até se contradizem, especialmente quando lidando com um vírus novo. Essa realidade científica colide com as atitudes num país cada vez mais polarizado. O problema se tornou especialmente difícil para cientistas trabalhando em tempo real para abordar a crise de saúde pública. Perguntas como que máscaras funcionam, e quão bem funcionam, continuam imprescindíveis para proteger a população.
No começo de abril, Osterholm se reuniu com especialistas em doenças infecciosas na National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine, enquanto eles se preparavam para uma “consulta rápida com especialistas” sobre “a eficácia de máscaras de tecido caseiras usadas pelo público para proteger outras pessoas”. Eles revisaram estudos de filtragem de até 12 anos e descobriram que não havia evidência suficiente sobre aerossóis e máscaras de tecido para dizer conclusivamente uma coisa ou outra, reconhecendo que a eficácia provavelmente depende de “como as máscaras são feitas e usadas”.
“Essa não é uma discussão pró ou anti-máscaras.”
Lã, lenços e bandanas, por exemplo, não são muito bons para deter aerossóis. Máscaras feitas inteiramente de algodão de camisetas são melhores, mas não tão eficientes quanto várias camadas de algodão 100% e seda. Melhores ainda são camadas de 100% algodão, seda e tecido de polipropileno. Ajuste também é crucial: se há vãos dos lados das máscaras, os aerossóis vão achar um caminho para entrar, não importando o material.
“Essa não é uma discussão pró ou anti-máscaras”, disse Osterholm. “É uma questão do que a ciência diz sobre a eficácia de máscaras de tecido, e o tamanho do papel delas em desacelerar a transmissão.”
Em julho, 239 cientistas do mundo assinaram uma carta aberta para a Organização Mundial de Saúde (OMS), escrevendo que era hora “de abordar transmissões de COVID-19 pelo ar”. No começo da pandemia, a OMS disse que o vírus era transmitido principalmente por gotículas, partículas relativamente maiores emitidas quando pessoas tossem ou espirram e que rapidamente caem no chão. Na época, máscaras de tecido de qualquer tipo começaram a parecer uma ferramenta eficaz, já que bloqueiam essas gotículas. Mas aerossóis são um tipo de partícula menor — partículas emitidas quando alguém tosse ou espirra, mas também quando respiramos, falamos ou cantamos. Como são menores, aerossóis ficam no ar por mais tempo, permitindo que eles viagem mais longe e se infiltrem com mais facilidade pela máscara de alguém. Se tanto aerossóis como gotículas transmitem o vírus, então o cálculo sobre as máscaras precisa mudar.
Há evidências sugerindo que até máscaras básicas feitas de camisetas podem limitar o número de aerossóis virais emitidos num ambiente por uma pessoa infectada. Mas segundo William Ristenpart, professor de engenharia química da UC Davis, “ainda é uma pergunta em aberto qual a porcentagem exata de partículas aerossóis bloqueadas por uma máscara de algodão”. Pessoas como Osterholm e Ristenpart estão trabalhando para encontrar a resposta, mas não há um consenso sobre quanto exatamente máscaras de tecido desaceleram a transmissão. O trabalho de Ristenpart, que está passando por revisão de pares, sugere que máscaras de algodão são razoavelmente eficazes em impedir emissão de partículas. Mas sua equipe também descobriu que algumas máscaras de tecido emitem pequenas fibras em si, confundindo as medições.
Como pessoas virulentas anti-máscaras politizaram a questão — dando barraco em mercados e gritando com estranhos — mesmo sugerir limitações em potencial de máscaras de tecido pode ser visto como negacionismo.
Mesmo especialistas mais céticos com a eficiência das máscaras dizem que as pessoas devem usá-las, desde que não descartem outras práticas, como distanciamento social. Qualquer ferramenta que fornece a possibilidade de desacelerar transmissões deve ser usada pelo máximo possível de pessoas. Osterholm e Lisa Brosseau, sua colega do CIDRAP e especialista em proteção respiratória e doenças infecciosas, disse que concordam com isso, até certo ponto.
Mas como pessoas virulentas anti-máscaras politizaram a questão — dando barraco em mercados e gritando com estranhos — mesmo sugerir limitações em potencial de máscaras de tecido pode ser visto como negacionismo. E quando tentamos abordar fatores e nuances desconhecidos numa discussão polarizada, há o risco de pessoas mal intencionadas deliberadamente deturparem as falas dos especialistas, e de pessoas bem intencionadas entenderem os especialistas errado. Ristenpart disse que sua equipe está muito preocupada que as pessoas vão tirar a parte do estudo sobre máscaras emitindo fibras em pequena escala e dizer “‘Tá vendo? Máscaras são ruins!’ Não é isso que estamos dizendo”, disse Ristenpart. “Estamos dizendo algo muito diferente disso.”
Osterholm e Brosseau estão encarando críticas por algumas de suas declarações sobre máscaras. Algumas vezes, seus comentários foram explicitamente tirados do contexto; outras vezes seus comentários podem ser vistos razoavelmente como vagos demais para pessoas bem intencionadas tentando entender a questão. De qualquer maneira, suas preocupações com a confiança exagerada das pessoas nas máscaras de tecido levou a elogios e raiva dos dois lados da questão.
Osterholm admite que sua mensagem nem sempre é perfeita. Em março, ele foi ao podcast de Joe Rogan para discutir o COVID-19 e outras doenças infecciosas. Rogan perguntou se o público geral usar máscaras e luvas era “nonsense”, e Osterholm respondeu “em grande parte, sim”. Ele continuou explicando sua crença de que o principal meio de transmissão era os aerossóis, para os quais o ideal é usar uma N95. (Essa mensagem pode não ter sido entendida por Rogan, que em junho chamou pessoas que usam máscaras de “bitches”.)
Aí, em 3 de abril, numa entrevista para a WCCO, uma rádio de Minneapolis, Osterholm disse que as pessoas deveriam usar máscaras se quisessem, mas que nem ele nem os colegas achavam que isso poderia ter “um grande impacto positivo”. Comentários assim levaram a acusações de que o CIDRAP estava “usando sua plataforma para promover desinformação para o público”. Osterholm não vê a coisa assim, dizendo que estava tentando ser honesto com o público sobre as limitações das máscaras de tecido. “No começo, achei que estávamos tentando dizer ‘Tenha cuidado. Você está exagerando o que sabemos sobre a eficiência das máscaras de tecido’”, disse Osterholm. Agora, ele admite que deveria ter sido mais “astuto” para passar sua mensagem. “Não estou tentando impedir as pessoas de usar sua única proteção disponível.”
“Se você não quer engravidar, o jeito mais eficiente de evitar isso é ficar em casa sozinha. Máscaras são profiláticas. Eles não são 100% universalmente eficazes.”
Desde então, a questão cercando as máscaras se estendeu do campo científico para o mundo político. Essa politização, alimentada por políticos e teóricos da conspiração, levou a uma falta de paciência para entender nuances. Osterholm disse que ouviu de amigos da mídia que eles não queriam ele em seus programas porque ele parece ser “anti-máscara”. Num perfil de julho de Osterholm na Mpls. St. Paul Magazine, o autor escreveu: “Percebi que Osterholm não é mais a voz da razão quando mais de um amigo sintetizou a mensagem dele como sendo do ‘cara anti-máscara’”.
A polêmica lembrou a Osterholm o que ele descreve como “a época mais difícil da minha carreira”. Em 2011, ele publicou um artigo questionando a eficácia declarada da vacina de gripe sazonal. Na época, a eficácia declarada da vacina era de 70 a 90%. Ele revisou 12 testes controlados de vacina e descobriu que a eficácia era, na melhor das hipóteses, de cerca de 50% para a população geral, e extremamente baixa para maiores de 65 anos.
“Muitas pessoas ficaram dogmaticamente bravas comigo”, disse Osterholm. “Como se eu estivesse dizendo que vacinas causam autismo ou algo assim.” Mas o CDC fez seu próprio estudo que corroborou as descobertas dele, e agora “temos mais ações para conseguir uma vacina de gripe universal do que nos últimos 40 anos”. Em 2019, o FDA também aprovou uma vacina de gripe específica para idosos. Sem um retrato mais correto da eficácia da vacina anterior, não haveria razão para investir em criar uma vacina melhor.
De sua parte, os comentários de Brosseau vêm sendo usados fora de contexto por publicações de direita para argumentar uma posição que ela não defende. Em abril, algumas semanas depois de Osterholm falar no programa de rádio, Brosseau disse ao Infection Control Today a mesma coisa: que máscaras de tecido são OK, mas que não acrescentam “muita coisa positiva”, então “Devemos continuar fazendo distanciamento social o máximo possível”. A publicação conservadora The New American citou a primeira parte da declaração de Brosseau, mas não incluiu a recomendação dela de continuar com o distanciamento social. Em vez disso, o autor aludiu a uma teoria da conspiração da direita sobre “vacinas feitas por globalistas como Bill Gates”, e argumentou que “obrigar americanos de bem a usar qualquer coisa é abuso de autoridade do governo”.
Brosseau disse a VICE News que não acha que obrigatoriedade de máscaras é abuso de autoridade do governo. Se o mundo tivesse um suprimento ilimitado das máscaras certas, ela ficaria muito feliz com máscaras serem obrigatórias. “Se todo mundo tivesse máscaras N95 bem colocadas?”, ela pergunta. “Seria sensacional.”
Exagerar a segurança de máscaras de tecido pode ser especialmente perigoso para os trabalhadores, disse Brosseau. Ela passou muito tempo de sua carreira pesquisando como proteger trabalhadores de aerossóis prejudiciais no local de trabalho, e disse que é possível que máscaras de tecido possam evitar a transmissão por curtos períodos, mas não sabemos o tempo exato.
Para ilustrar, Brosseau apontou um incidente recente em um salão de cabeleireiro em Missouri. Durante nove dias, clientes do salão cortaram o cabelo por de 15 a 45 minutos com uma cabeleireira que testou positivo para coronavírus. Os funcionários e clientes estavam usando diferentes tipos de máscaras, incluindo máscaras de tecido, e nenhum cliente foi infectado pelo vírus. Para Brosseau, isso sugere que máscaras são eficazes em ambientes fechados por um tempo limitado.
Mas ela também acredita que máscaras de tecido provavelmente não vão proteger trabalhadores num espaço fechado por horas e horas, uma teoria que também veio do salão de Missouri, onde a cabeleireira infectou outra funcionária porque elas estavam no mesmo espaço fechado por várias horas. “Não sei se a proteção dura 30 minutos ou duas horas, mas quanto mais tempo você passa numa sala com alguém com o vírus, mais oportunidades de transmissão você terá”, disse Santarpia. Há evidência apoiando isso também. Em julho, Amanda Wilson, uma doutoranda de ciência de saúde ambiental da Universidade do Arizona, publicou um estudo que descobriu que “quanto mais tempo uma pessoa passa num ambiente onde o vírus está presente, menos eficazes as máscaras se tornam”.
“Temo que estamos dando uma facada nas costas dos trabalhadores.”
Mas em matérias sobre o salão, pouca coisa foi dita sobre a cabeleireira que foi infectada. A manchete do Washington Post dizia: “O surto que não aconteceu: Máscaras levam o crédito por evitar que o coronavírus se espalhasse dentro de um salão de cabeleireiro em Missouri”. Brosseau teme que esse tipo de matéria seja usada para empurrar os trabalhadores de volta a locais de trabalho inseguros, e que é importante destacar a diferença entre o que aconteceu com os clientes e as funcionárias. “Temo que estamos dando uma facada nas costas dos trabalhadores.”
Na mídia, o foco nas máscaras geralmente encobre outros fatores mais significativos da transmissão do COVID-19, como se alguém participou de um grande evento num local fechado. Depois que Herman Cain morreu mês passado de COVID-19, que muitos suspeitam que ele contraiu num comício de Trump em Tulsa, Oklahoma, o New York Times perguntou: “A morte de Herman Cain vai mudar a visão dos republicanos sobre o vírus e máscaras?” Dezenas de outras manchetes sobre a morte de Cain mencionavam sua posição anti-máscara. As matérias parecem sugerir que o maior fator de risco era a falta de máscaras no evento, não o fato de que ele ficou num espaço fechado com 6 mil pessoas falando e gritando por pelo menos duas horas.
“Se você não quer engravidar, o jeito mais eficiente de evitar isso é ficar em casa sozinha”, disse Santarpia. “Máscaras são profiláticas. Elas não são 100% eficientes universalmente.” Para as pessoas que estavam no comício, o risco pode ter sido aumentado pela falta de máscaras, mas a falta de máscaras não foi o que criou o risco.
Antes do comício em Tulsa, enquanto os casos em Oklahoma atingiam um pico, Brian Williams da MSNBC perguntou a Osterholm se o evento era “uma negligência de saúde pública”. Depois de meses vendo suas palavras serem distorcidas, ele temeu que qualquer coisa que dissesse sobre o comício de Trump pudesse ser deturpada e politizada. Em vez disso, Osterholm ofereceu uma resposta teórica.
“Se todos os Beatle voltassem para tocar uma noite numa grande área fechada em um lugar como Tulsa, eu não iria. Eu não ia querer que nenhum dos meus entes queridos fosse”, ele respondeu. “É assim que entendemos essa situação.”
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