Para comemorar a grande inauguração da nova Target num bairro comercial de Nova York no mês passado, a megaloja prestou homenagem ao CBGC, o icônico (e falecido) bar de música punk. Isso veio na forma da empresa erguendo sua réplica do lugar histórico, chamado TRGT. Naturalmente, o gesto provocou ultraje naqueles de luto pela gentrificação sem fim e concentração de riqueza que consomem Nova York (e o mundo). “Foi uma ideia escrota demais”, escreveu meu colega Alex Robert Ross da Noisey. Numa entrevista para a Fox 5, o diretor executivo do East Village Community Coalition chamou o golpe publicitário de “de muito mau gosto”. A jornalista do Jezebel Kelly Faircloth mandou a gigante do varejo “se foder!”
Desde então, a Target disse estar arrependida por errar o alvo com a homenagem corporativa: “Nos desculpamos sinceramente com as pessoas que sentiram que essa não foi a melhor maneira de capturar o espírito do bairro”, a empresa disse numa declaração.
Videos by VICE
Mas tendo crescido a menos de dois quarteirões da nova loja, em vez de deixar o golpe publicitário tosco deles morrer, decidi que a melhor maneira de lamentar esse estado bizarro das coisas era fazer compras lá – com a minha mãe, Ruth. Ela mora em East Village há quase 40 anos, e frequentava o CBGB. Vi isso como uma oportunidade para ela reviver seus dias de glória – e meditar sobre como a Cidade Americana do Século 21 se tornou tão hostil à cultura alternativa que uma vez floresceu em lugares como o CBGB.
Entrando com a minha mãe na loja quinta passada, fomos recebidas por um mural, as palavras “East Village” pintadas numa parede nas cores vermelha e branca da marca. A cabeça de um cachorro sorridente, usando um boné e óculos de sol, ficava entre o “G” e o “E”, junto com a famosa imagem do letreiro do “Theatre of St. Marks”, e uma fatia de pizza flutuando no abismo. “O East Village não é mais legal”, minha mãe observou ironicamente.
Andando pelos corredores bem iluminados da nova megaloja do seu bairro, minha mãe explicou que ficou “horrorizada” quando viu o letreiro falso do CBGB no final de semana. “A Target acha mesmo que eles estão capturando a vibe de East Village? Me senti deprimida com a comercialização de algo tão icônico”, ela disse. “Fiquei triste porque quando me mudei pra cá, havia uma contracultura.”
Minha mãe veio para Nova York de Sydney, Austrália, em 1978, e se mudou para East Village em 1980, a um quarteirão de onde eles tinham filmado Taxi Driver alguns anos antes. O aluguel era de $300 por mês, ela lembra. Ela era uma artista e tocou em várias bandas no-wave, ocasionalmente se apresentando no próprio CBGB.
E apesar das críticas da minha mãe para sua nova megaloja local, quando ela passou pela Target semana passada – antes da polêmica do CBGB – ela sorriu. “A Target vai finalmente abrir”, ela disse, empolgada. “Tenho que dar uma passada lá!” Por mais punk que minha mãe tenha sido, ela não resiste a uma boa promoção, e estava ansiosa para ver os descontos que a nova loja tinha a oferecer. Ela me levou até a estação do metrô, e no caminho de volta pra casa, parou lá para comprar umas lixas de unha e grampos de cabelo.
“O CBGB fazia uma declaração contra os valores do mainstream e as pessoas cuja motivação era só o lucro”, ela explicou enquanto examinava as opções de hidratante da loja. “Uh, Aveeno está na promoção!”, ela exclamou de repente, antes de continuar relembrando os bons velhos tempos de East Village. “Algumas noites o CBGB ficava vazio, outras o público lotava até a calçada. Era um lugar sujo e quente, e o banheiro, que agora é icônico, fedia demais. Nossa banda tocou lá, outros nomes grandes tocaram lá.”
Podemos dizer que East Village deixou de ser um berço de jovens artistas experimentais muito antes da Target abrir. Mas ainda tem um pouco de romance no jeito como minha mãe descreve a área nos anos 80. “Párias do mundo inteiro vinham para Nova York, e sentiam como se tivessem encontrado um lar”, ela disse. “Quando topava com um amigo na rua, você não perguntava ‘Tudo bem?’, você dizia ‘No que você está trabalhando?’, porque todo mundo fazia algo criativo.” Ela trabalhava 20 horas por semana para pagar o aluguel, ela disse, no resto do tempo ela fazia arte e tocava em bandas.
“Fui uma das primeiras gentrificadoras”, ela admitiu. “Meu [primeiro apartamento em East Village] era num prédio com principalmente famílias hispânicas em apartamentos de aluguel controlado.” A comunidade de artistas tão idealizada estava, claro, deslocando os moradores de East Village que vieram antes dela.
Nasci em 1993, então nunca experimentei East Village no auge. Na infância, testemunhei o bairro perder o que restava de sua personalidade, se tornando cheio de Starbucks, Duane Reades e várias lojas pagando aluguéis caríssimos. East Village passou por tanto desenvolvimento comercial que, quando passo por algum novo bar ou loja hype, geralmente não consigo lembrar o que ficava ali antes. Mas na 14th Street entre as avenidas A e B, lar da Target e prédios de apartamentos de luxo, lembro que ficava uma pizzaria (com o belo nome Pete’s-A-Place), uma locadora de vídeo Crossbay e uma vendinha. Mais pra frente no quarteirão, tinha uma loja de descontos chamada Bargain Bazaar, que cheirava a naftalina, uma farmácia e um boteco cubano que vendia frango frito baratinho.
Quando eu estava no colegial, um incêndio destruiu metade do quarteirão, e desde então a área estava num limbo, continuamente sob construção. Então a animação inicial da minha mãe com a abertura da Target era, de certo modo, justificada – pelo menos ia ter alguma coisa ali agora.
Afinal de contas, neste ponto, East Village já está num estado de pós-gentrificação. Faz tanto tempo que o bairro foi um farol viável da cultura alternativa que a Target não é tipo uma profecia de decadência da vizinhança, mais uma característica natural de sua paisagem de capitalismo tardio.
Na minha infância, o prédio de classe média onde a gente morava foi transformado num condomínio de luxo, uma tendência por todo East Village, com os proprietários expulsando quantos inquilinos de apartamentos de aluguel controlado quanto fosse possível. “Quando os senhorios ficaram gananciosos e aumentaram os aluguéis, assinamos uma petição tentando impedi-los”, disse minha mãe. “Mas nada disso teve muito efeito, já que eles não estavam fazendo nada ilegal.” A cidade não fazia muito para proteger os inquilinos, e os aluguéis continuaram subindo.
Uma entidade corporativa como a Target tentando cooptar um emblema da contracultura como o CBGB recebe tantas críticas porque nos lembra exatamente disso. O CBGB, que ajudou a lançar a carreira de iconoclastas como os Ramones e o Talking Heads, agora só existe como uma marca que marcas maiores querem explorar – e como um restaurante no Aeroporto de Newark. Seu espírito se perdeu, e a gente ficou com uma megaloja que, se não fosse pelo mural do East Village, poderia ser em qualquer cidade dos EUA.
Mais amplamente, às vezes parece que uma contracultura de verdade é quase impossível de criar nessa era de globalização hiperdigitalizada, memes fritos e aluguéis exorbitantes. Qualquer traço autêntico de expressão criativa é quase instantaneamente absorvido na cultura de massa, talvez na forma de uma conta “edgy” de uma marca no Twitter ou na última coleção da Urban Outfitters.
Enquanto minha mãe e eu nos preparávamos para ir embora da Target, não pude deixar de notar a seleção de velas perfumadas baratas deles. Uma peneira de farinha por $10? Eu estava precisando de uma dessas. Tenho minhas desconfianças com o capitalismo como qualquer bom millennial, mas mesmo assim acabei gastando $50 em quinquilharias que jurei que precisava.
Se não pode vencê-los, junte-se a eles.
Matéria originalmente publicada na VICE US.
Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.