Tentei despertar emoções positivas com death metal em nome da ciência

foto larissa zaidan

Começou assim: o psicólogo William Forde Thompson, da Universidade Macquarie, na Austrália, analisou os efeitos psicoemocionais do death metal em seus ouvintes. Depois de um tempinho de exames, o cara descobriu que os fãs do gênero não curtem raiva; no meio de berros, pedais duplos e guitarras distorcidas, eles transcendem para emoções positivas como fortalecimento, paz e alegria.

Já tinha visto alguns estudos parecidos no passado, como um da Universidade Estadual de Humboldt, nos EUA, que falava que os jovens que ouviam metal nos anos 80 se tornaram adultos felizes e responsáveis, mas nenhum pareceu tão sério e completo quanto este novo.

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Foi aí então que eu, uma jovem fã de trap, ganhei a missão de, em nome da ciência, ver se meu humor melhorava um pouco. Não sei se andava parecendo muito triste para os editores, mas o fato é que eles fizeram uma lista com 52 músicas do estilo e pediram para eu ver o que sentia no decorrer da semana em variadas atividades.

Antes de dar o play, segui os passos descritos pelo professor australiano. Para entender o que fãs de metal sentem, Thompson aconselha ouvir o death metal pensando que realmente é só uma música, e não um som violento que de alguma forma aborda a violência, morte ou coisas do mal. Isso fornece uma certa distância do mundo real para “apreciar a música como uma forma de arte”.

Ele explica que a alta amplitude, o ritmo acelerado e uma confusa discordância entre os instrumentos estimulam a liberação de substâncias neuroquímicas que podem sustentar dois contrastes extremamente diferentes: sentimentos positivos de energia e poder ou tensão, medo e raiva. Aí está o segredo: é preciso se concentrar e usar o som como forma de catarse.

No estudo, ele envolveu 48 pessoas que são ouvintes fiéis do gênero, e 97 que não curtem esse ritmo. Dentro da pesquisa que só incluiu personagens na faixa dos 20 anos, ele aplicou testes de personalidade e como essas pessoas se relacionam em questões interpessoais.

E eu, que estou beirando aos 20 e nunca dei chance ao injustiçado som, decidi analisar os efeitos da música em mim durante três momentos distintos: no trabalho, no transporte público e arrumando a casa.

Fase 1: focando positividade no trabalho

Não costumava ouvir muitas músicas no trabalho porque me desconcentra bastante. Foi aí que encontrei na música clássica uma boa saída para me distanciar do que acontece em minha volta e focar no trampo que estou fazendo.

Imagino que tenho uma concentração maior porque a maioria das músicas que escuto nesse ambiente são instrumentais e, principalmente, não as conheço. Achei que, com o death metal, também me sentiria mais concentrada – e um pouco mais revoltada com tudo – por ter muito mais a presença de instrumentos e por eu não ter muita empatia com o som.

Na pesquisa, por exemplo, os participantes que não tinham familiaridade com o som e que possuíam menos empatia com as letras em si, foram os mais propensos a experimentar níveis mais elevados de poder e alegria do que aqueles que tinham uma preocupação com o conteúdo e os detalhes.

Comecei ouvindo Symbolic, do Death (tem uma banda com o nome do gênero, vai entender). E é uma música bem legal, confesso. O problema é que a ansiedade e o sentimento de revolta acordaram em mim logo na hora em que o ritmo aumenta e os instrumentos ficam mais bagunçados, sujos e dessincronizados. Senti bastante agonia, mas tentei me concentrar para seguir as dicas do pesquisador.

Na hora das batidas marcadas do baterista e os riffs de guitarra, senti um grande alívio, uma impressão totalmente contrária das partes aceleradas. Senti que as músicas são feitas de picos de ansiedade e alta tensão com sentimentos de alívio e organização.

O que me causou bastante estranheza foi na hora dos vocais, dependendo da maneira em que esses ruídos chegam. Não é como se eu não soubesse o que estava por vir, mas quando você está tentando meditar e vem um grito meio satânico em alto e bom som nos seus fones é inevitável você se assustar. Mas sempre na positividade, encontrei um tom vocal que me agradou.

Me concentrei muito em prol da felicidade, mas precisava trabalhar também. Por ser algo muito surpreendente e inédito aos meus ouvidos, não consegui me concentrar tanto nas partes mais agitadas por conta da ansiedade que batia.

Por isso peço desculpas a todos meus editores que estão lendo esse texto agora, porque na real eu não rendi muita coisa. Estava bastante concentrada nos picos das músicas que me fizeram passar da esperança à tristeza e vice-versa. Portanto, em prol do meu emprego, no expediente continuarei fiel ao meu piano instrumental ao vivo no YouTube.

Fase 2: administrando emoções ruins no transporte público

Na volta pra casa, pego um ônibus bem lotado em um percurso com bastante trânsito, o que me faz ficar mais de uma hora em pé. Ou seja, um ambiente perfeito para enxergar a positividade em meio ao caos urbano.

Comecei a ouvir novamente a playlist e adotei um outro sentimento em relação ao ritmo. Talvez por estar mais revoltada com tudo em um ambiente que florescia meu stress, consegui curtir bastante.

Os gritos aleatórios e sinceros, que não consegui identificar o conteúdo, e sim bastante sentimento, são bem pontuais. Quando me concentrei em depositar toda minha raiva, me senti contemplada pelos gritos de revolta.

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A paz de espírito de quem ouve uma britadeira. Foto: Larissa Zaidan/ VICE

Sei que parece viagem, mas até entendo os metaleiros. Nesse momento em que só queria chegar em casa, o death foi bem-vindo ao repor minha revolta em forma de música. Ao mesmo tempo, senti uma vontade absurda de correr sem parar pela rua gritando muito com minha maquiagem de lápis de olho e um delineador muito foda.

Ah, e não posso esquecer que diante todo esse mix em que incorporei totalmente o metaleiro urbano revoltado, as velhinhas do assento preferencial me olhavam estranho. Meu fone é ruim e estava alto demais. Além disso, acabei me empolgando na cara de gótica má.

O momento em que me senti mais contemplada foi o que me senti mais estressada e agressiva, e o som só me ajudou a depositar tudo isso em forma de catarse, como aconselhou Thompson. Usar transporte público em São Paulo tem tudo a ver com death metal.

Fase 3: relaxando (ou quase) na limpeza de casa

Para aproveitar o feriado como uma mulher workaholic, decidi substituir a Marília Mendonça por Cryptopsy. Fora dos fones de ouvido e em alto e bom som para quem quiser ou não quiser ouvir, experimentei dar aquela relaxada enquanto fazia a faxina da semana. Adicionei os meus vizinhos nesse experimento e, com todo o clima de rock pesado para contemplar o feriadão, não recebi nenhuma reclamação. Ponto para o death metal.

Na caixa amplificadora, a bateria que emana em viradas pontuais e um ritmo mais lento entra na canção, me contemplou da mesma maneira que os vídeos de ASMR com slime no Instagram.

Na limpeza, isso foi ótimo. Mas, como não sou fã de sons sujos e pesados e minha caixa também não é das boas, me incomodou bastante os momentos de alta intensidade.

Contaminada pela velocidade da música, fiz todas as coisas no gás. A real é que, nesse quesito, tenho que agradecer aos caras, pois, se estivesse ouvindo um sertanejo, além da dor e a sofrência, também demoraria uma hora a mais do que ouvindo death metal.

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Levemente desesperada para terminar logo. Foto: Larissa Zaidan/ VICE

Na concentração ajudou: o mood que eu estava no dia mudou completamente. O sentimento de revolta e tensão nos momentos mais agitados também se manifestou quando estava em casa. Antes estava me sentindo bem tranquila, mas, quando dei play, entrei na pilha do metal e fiquei super agitada, como aconteceu no trabalho.

No final, não é como se você estivesse ouvindo um Marley clássico enquanto encontra a sua mais profunda felicidade. Para um momento introspectivo em que você sente que está acumulando sentimentos de agonia, o metal deixa tudo mais à flor da pele, te permitindo lidar com essas questões de modo catártico.

Talvez o death metal tenha transcendido minhas emoções boas e ruins, e isso foi até que bom no final do dia. Mas vou voltar a ouvir meu trap.

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