Música

Thom Yorke, o Melancólico Original


Todas as fotos por Vincent Arbelet

Quando Thom Yorke lançou Tomorrow’s Modern Boxes, em agosto do ano passado, seu primeiro trabalho solo em oito anos, foi meio que um nascimento prematuro. Sem qualquer anúncio, o lançamento veio com tanta expectativa quanto um drinque derramado. Apesar de virar um quase fenômeno, com mais de 4,5 milhões de downloads em menos de seis meses, no setor da crítica o disco se arrastou ao som de notas 3/5s e 7/10s. O próprio pessoal do Pitchfork, que é anfitrião do festival de música em Paris onde estou prestes a ver um show de Yorke, avaliou o disco com um morno 6,8.

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Elas talvez pareçam triviais às vezes, mas há um valor poderoso nas entrevistas longas no contexto do jornalismo de música, e no seu papel em fornecer contexto emocional para uma obra de arte, de modo que as pessoas possam compreender e se relacionar com ela em um nível além da sua simples musicalidade. Como, por exemplo, ouvir o novo disco da irmã espiritual de Yorke, Björk, foi uma experiência edificante e esmagadora depois de ler sua conversa com Jessica Hopper sobre o pano de fundo psicológico das origens do disco. Ou como o Multi-Love, da Unknown Mortal Orchestra, lentamente exalou uma história real sobre as consequências do poliamorismo. Tomorrow’s Modern Boxes TMB a partir de agora – não veio só sem qualquer pompa, circunstância ou entrevistas; veio com uma firme inacessibilidade; era o leitor solitário no pub que evita o ambiente, sem olhar em volta uma vez sequer até a hora de sair.

As palavras que acompanharam o lançamento não ajudaram; eram mais como uma abordagem de venda instrucional do que uma história que se desdobrava. “É um experimento para ver se as mecânicas do sistema são algo que o público geral consegue compreender”, dizia a declaração desprovida de charme, aludindo ao método BitTorrent através do qual o disco seria distribuído. O único contexto que veio com o disco foram os três parágrafos em seu site, mas nem um único desses descrevia qualquer coisa sobre seus temas, sobre de onde veio, do que trata, quando foi composto, nem mesmo como foi composto. Em vez disso, eles descreveram exaustivamente a embalagem, com uma quantidade de detalhes quase cômica. O detalhe mais íntimo e poético que Yorke revelou sobre TMB foi que a bolsa em que vem o disco “é impressa com verde neon nas laterias, e tem um lacre que pode ser fechado novamente”.

Não era de espantar, portanto, que, com o anúncio sugerindo que o show desta noite seria composto exclusivamente de músicas de TMB, o público à sua espera reflita como um lago calmo o isolamento de Yorke. Alguns ingleses perto de mim resmungam sobre o Latitude Festival em agosto, quando milhares migraram cedo do Portishead para invadir o show secreto de Yorke, trepando em árvores só para conseguir ver alguma coisa. Mas o que viram naquela ocasião foi um experimento ainda despreparado, que deu errado de modo bem discreto, ou, como descreveu o The Guardian: “avacalhado”.

Há alguns fãs de Yorke – yorkies? – aqui no Grande Halle de la Villette, com certeza, parecendo plácidos mas ainda assim empolgados, mas a maioria dos rostos sem expressão que estou vendo esperam mansamente por algo que inevitavelmente será um pouco introspectivo e miojento; um pouco insondavelmente eletrônico e hiper-antisocial; um pouco decepcionante e tal; um pouco acho que vou voltar lá no bar, quer mais uma cerveja? Ele não vai tocar “Karma Police”? Porém, cá estão eles, às pencas, mesmo assim, perfazendo o maior público que vi no Pitchfork Festival Paris. Seja lá qual for sua opinião sobre Yorke, o homem-coque de Oxfordshire, seu status como alma aflita e experimentalista melancólico é do nível superstar. Ele traz fascínio, uma bizarrice; ele é o garoto tristonho original.

Os técnicos de som deslizam pelo palco como drones barbados, construindo três púlpitos Kraftwerkianos de cor branca, e mal tiveram chance de sair quando Yorke aparece direto no palco, tranquilão, e é recebido por aplausos; pontual e claramente pilhado. Com uma mescla de rígidos solavancos excêntricos e mãos que fatiam estruturas no ar, como um maestro psicótico aposentado que rege uma orquestra que não está mais lá, ele chama as batidas leves e rápidas de uma música antiga; “The Clock”, de The Eraser. E então vem “Brain in a Bottle”, a primeira faixa de TMB, com sintetizadores que o mundo grime chamaria de “gelados”, sua voz delicada tão entrelaçada aos sons eletrônicos em volta que soa como o mais belo plugin Logic que você nunca ouviu.

O lance de TMB é que, 15 meses e incontáveis audições depois, acho que talvez seja, na verdade, um dos discos mais subestimados de toda a produção artística de Yorke. Na superfície, de fato, parece um pouco com uma porta trancada: paisagens sonoras impenetráveis, batidas infinitamente repetidas, letras crípticas, músicas com títulos como “Guess Again!”, que parecem provocar diretamente o ouvinte confuso, e um conceito revolucionário de vendas que ofuscou por completo o seu conteúdo propriamente dito.

Mas, com um pequeno ato de fé, as batidas monótonas se tornaram hipnóticas, as paisagens invernais de som digital se tornaram dolorosamente belas, e as letras de Yorke por fim abriram a tal porta, revelando uma sala perigosa e confessional, cheia de paranoia, ansiedade, neurose e solidão; uma vida como um cara, como um pai, como um artista, como um saco de carne humana que está envelhecendo e tudo o mais.

Muitos estarão pensando: “Thom Yorke cantando coisas tristes? Nossa, que novidade.” Mas há uma diferença entre o Thom Yorke triste e conceitual (Radiohead), o Thom Yorke triste e político (Atoms for Peace) e o Thom Yorke triste e também, aliás, aqui está a minha alma condensada e o ponto da vida em que ela se encontra no momento, para vocês todos darem uma olhada, se é que se importam (Tomorrow’s Modern Boxes). Esse disco é essencialmente um 808 & Heartbreaks para os que têm mais de 25 anos. E quando a separação entre Yorke e sua parceira de 23 anos foi anunciada, há três meses, como algo de que muitos já sabiam há algum tempo, um disco frio, com pouquíssimo contexto e zero entrevistas finalmente pareceu receber sua chave-mestra.

Talvez TMB tenha sido escrito desde as profundezas de sua separação iminente, ou talvez uma coisa não tenha nada a ver com a outra – nunca saberemos, se Thom nunca nos contar, e quando você leva em conta que duas de suas últimas entrevistas mais longas antes do lançamento desse disco foram com o premiado escritor Will Self e com o Bond boy Daniel Craig, pode presumir seguramente que ele não tem muito respeito pelos inquéritos enxeridos do jornalista de música médio. Mas, de qualquer forma, por trás da porta trancada, há um quê cativante de homem-gritando-sozinho-num-quarto-escuro nesse disco.

É uma noção que, em termos visuais, se harmoniza com o que vemos no palco esta noite. Yorke é acompanhado por duas pessoas, Nigel Godrich à esquerda e o artista visual Tarrik Barri à direita, mas não há dúvidas de que ele está se apresentando sozinho. Os rostos de seus dois colegas mal chegam a se voltar para a frente uma única vez; inclinados para baixo, banhados pelo brilho de seus MacBooks, como dois passageiros anônimos demasiado absortos em suas telas para perceber a presença do pregador no ônibus noturno, gritando pelos corredores.

A batida estilo cascavel e os acordes de piano ao estilo Angelo Badalamenti de “Guess Again” ascendem até um breve otimismo, que dura apenas um segundo, antes de despencarem novamente para uma escuridão de floresta. A própria música, uma órfã distante de “Pyramid Song”, do Radiohead, traz a imagem de um homem agachado em volta de seus filhos, tentando protegê-los dos perigos que espreitam lá fora. “All of my nightmares/Are in the garden” (“Todos os meus pesadelos / Estão no jardim”), ele canta, seus vocais ao vivo tornando visceral a imagem – você consegue ver a família paralisada no canto da sala de estar enquanto a fera bate à janela. O fato de que a parte vocal foi escrita logo abaixo do registro natural de Yorke só faz aumentar a sensação de insegurança.

E há algo de incrivelmente dramático e comovente durante “Truth Ray”, ao se ouvir um verso tão pesado, direto e inquietante como “I’ve lost everything” (“Eu perdi tudo”) circulando como um espectro pela batida. Não dá para ser muito menos críptico do que dizer “eu perdi tudo”.

Mas nem tudo é pesado-pesado. Quando Yorke & companhia estão sintonizados entre si, o que claramente não aconteceu no Latitude Festival, TMB se presta muito a ser tocado ao vivo. Com uma duração total de meros 38 minutos, o disco é basicamente um diagrama digital, um exercício de ligue-os-pontos, e eles se deleitam em demolir e reconstruir certas músicas, mas com uma vibe rítmica com fluxo, um ~funk~ visceral, uma palavra que eu certamente não esperava que me fosse ocorrer nessa noite. A versão ao vivo de “Mother Lode”, por exemplo, ergue-se das cinzas de como é na faixa, e a mutação é uma atmosférica fera britânica de garagem.

Contudo, quando olho em volta, os muitos rostos daqueles que pareciam mansos e desinteressados no início ainda têm basicamente a mesma expressão. Essa apresentação não converteu as massas, apesar de sua fluidez. Yorke volta para um bis e toca “Default”, o monstruoso e dançável primeiro single de seu projeto Atoms for Peace, e o público como um todo agora começa a curtir e a se mexer. Mas a música parece quase uma brincadeira em comparação com as confissões que a antecederam, como o comediante que se protege da vergonha ao fechar revelações emocionais com uma frase engraçada, esperta, que conclui o assunto.

Quando você fatia e esquarteja os membros de TMB: seu desorientante furor de distribuição, a difícil primeira audição, e sua total falta de contexto, é possível entender por que eles existem. São muros de segurança, erguidos em torno do que é um lugar escuro. Sem essas divisórias no palco, o disco se revela por completo, e o motivo de elas existirem se torna compreensível.

Aqui temos Thom Yorke, o purista – mas talvez puro demais para alguns.

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