Conhecido pelo aproveitamento total das potencialidades da Ilha e pela missão de unir a música e não só à paisagem natural, o Festival Tremor leva este ano a São Miguel mais de 40 concertos, experiências artísticas, palestras e outras actividades.
Apesar do maior foco na música, o que marca o Tremor é a iniciativa de colaboração entre artistas, entre cultura e Natureza, entre gente de todo o lado que vem viver a Ilha de uma forma quase mágica. Junta-se música, fotografia, cinema e artes visuais, ao mesmo tempo que se desafia a normalidade na escolha dos espaços para as performances. Seja no teatro, no Coliseu, na igreja, no Solar, em restaurantes, bares e cafés, o Tremor é uma autêntica viagem por São Miguel e a melhor maneira de conhecer a Ilha açoriana – através da cultura.
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De 20 a 24 de Março, bandas nacionais como Dead Combo, Três Tristes Tigres e Ermo, apresentam-se a par de nomes internacionais como Boogarins, Mykki Blanco ou Liima. O cartaz é extenso e tem muito mais para oferecer, num saltitar entre palcos à descoberta da terra, sempre ao som da música e muito ao ritmo da envolvência natural.
Falámos com António Pedro Lopes, co-director e programador do Festival, para ficarmos a saber o que há de tão especial neste evento que faz tremer São Miguel.
VICE: Como é que surgiu a ideia para a criação do Tremor?
António Pedro Lopes: A nossa primeira edição foi em 2014, começou a ser pensado em 2013. Veio de uma conversa com o Luís Banzeres sobre um desejo de movimento em Ponta Delgada, numa altura em que a cidade estava em crise. A ideia era a de dar força a quem persistia, a de ocupar a cidade, de lhe trazer uma nova vida.
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Qual é o impacto do Festival nos Açores?
O Festival já não dura apenas um dia como há cinco anos quando começámos, mas sim cinco dias. O impacto é a experiência da arte, o criar de cruzamentos dentro do território, novas formas de o viver e, claro, estimular a música açoriana. Ao longo deste tempo já tivemos em cartaz 40 bandas açorianas, estamos muito interessados em promover a música local. Depois, há também o impacto económico concreto, nos restaurantes, hotéis, num centro histórico que se enche. Acho que o impacto é positivo em várias frentes.
Quais são as maiores dificuldades que vocês enfrentam na organização de um evento destes em São Miguel? De onde vem a motivação para continuar?
A grande dificuldade é a situação geográfica, o posicionamento periférico da Ilha, mas, felizmente, há cada vez mais ofertas para o contornarmos. Os obstáculos são sempre muitos, mas vão surgindo e sendo resolvidos. Diria que o maior obstáculo está sempre na cabeça das pessoas (a quem propomos as ideias). Quando pensamos “’Bora lá fazer isso”, mas às vezes o “isso” não é evidente. É um diálogo inacabado, constantemente em mudança, em conversa sobre o que pode ou não ser feito. Fora isso é a guerra habitual de todos os festivais, conseguir apoios e etc. Quanto ao que nos motiva, é a nossa missão. Continuamos, porque é um Festival com uma missão, com pensamento, quer em relação aos artistas quer com a Ilha, com as pessoas e com o público. A missão de unir tudo isto.
Um compromisso utópico, de cinco anos cheios de realizações positivas. É um Festival de curadoria de risco, experimental, mas de uma grande adrenalina no que diz respeito a encontrar novas formas de reinventar como se vive um lugar. Como é que a arte e a cultura nos ajudam a estarmos juntos, a habitar os lugares, a viver. Não é fácil, mas há um entusiasmo muito grande. Estamos vivos e queremos contribuir para a história.
Uma das iniciativas programadas para esta edição de 2018, Woman Soon, destina-se a debater e a olhar o papel das mulheres, tanto em Portugal como nos EUA. Isto surgiu devido aos casos polémicos que marcaram 2017, com a exposição de casos de assédio sexual e o ganhar de força dos movimentos feministas?
Para nós não foi só isso, foi também um trabalho de continuidade com a Fundação Luso-Americana para desenvolver relações culturais entre Portugal e os Estados Unidos. Bater nessa tecla da actualidade. Se bem que o Tremor é reinventado de ano para ano e, de facto, na maioria dos festivais há um desequilíbrio de géneros.
Queremos reforçar esse espaço de trabalho feminino, assim como trazer artistas que vão para além das fronteiras de género, daquilo que é ser homem ou mulher, a ponto de que não importe essa identidade de género, mas sim o que diz a arte em si. É, ecfetivamente, um passo político, depois de o ano passado ter sido marcado por tanta exposição de assédio e desigualdade. Mas, queremos, principalmente, criar espaço.
Qual é, na tua opinião, o maior salto da edição de 2017 para a de 2018?
Mantivemos o género de programa e tipologia de actividades. O ano passado ficou marcado por uma maior adesão de público, tivemos muita procura, por isso para este ano adaptámo-nos melhor a essa circunstância. Como o propósito do Festival é a descoberta da Ilha através da arte, adaptámos as coisas para que fossem mais confortáveis para a quantidade de pessoas que esperamos. Queremos que conheçam a terra, que se conheçam uns aos outros, que sejamos quase como uma grande família.
Há espaço e vontade de crescer ainda mais, ou o tamanho e estrutura do Festival estão bem como estão?
Para já, estamos bem como estamos. No sentido em que a Ilha é o nosso recinto, um recinto que tem lotação limitada. Variamos na forma de intercepção e, de ano para ano, vamos vendo como é que queremos crescer – não tanto em tamanho, mas sim em missão, na relação entre lugar e arte.
Quais os sonhos para o futuro e quais os já concretizados?
Todos os artistas que trazemos é porque, em algum momento, sonhámos em tê-los. Nós, os quatro programadores, somos ecléticos e estamos interessados em todo o tipo de música.
Cada ano inspira o próximo, por isso veremos o que este ano nos trará em termos de sonhos e planos para o que aí vem.
Quem é o António Pedro Lopes programador do Tremor e quem é o António Pedro Lopes encenador, escritor e criador de conteúdos?
Essa é uma pergunta mais difícil, por ser pessoal. Acho que o Tremor é um grande espetáculo, de uma dimensão conceptual e de produção gigantescas. No entanto, não é assim tão diferente do que faço enquanto encenador e criador – é só uma versão gigante da coisa e que requer muitas ajudas. Mas, isso é algo que me interessa bastante, o trabalho em colaboração, fazer em conversa e pensar como é que um projecto pode criar espaço para outro.
O Tremor é muito isso: criar espaço. Mais do que fazer diferente é fazer algo comum, um artista dar espaço a outro artista, dar visibilidade, trabalhar em cooperação. Acredito mesmo que a cultura pode servir para melhorar a nossa experiência e vivência do Mundo. Portanto, vejo muitas coisas em comum com o que faço fora e dentro do Tremor. A maior diferença é mesmo a dimensão da produção – mas também é das que mais me interessa. Requer muita gente, muito envolvimento, muita ajuda… e isso sente-se.
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