Tribos Beduínas do Iêmen Estão Cansadas dos Ataques de Drones Norte-Americanos

Destroços de um ataque de drone nas proximidades de Jism, Iêmen.

O comboio do casamento estava viajando pela paisagem montanhosas de al-Baydha quando um dos veículos quebrou. Era meio da tarde, a cerca de 300 quilômetros de Sana, a capital do Iêmen, e o comboio — chamado tradicionalmente de zafa — estava indo para o vilarejo de Jism, a casa do noivo. Eram cerca de 70 pessoas espremidas em 11 veículos, a maioria parentes.

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Assim que os vários carros e picapes pararam, alguns homens da comitiva notaram um drone voando sobre suas cabeças. O zumbido das máquinas já se tornou um som familiar e eles acharam que era só um procedimento de vigilância de costume.

O flash de um míssil lançado provou o contrário. 

Dois foguetes acertaram uma das picapes, mandando estilhaços nos outros carros e em seus ocupantes. Outros dois mísseis acertaram o chão perto do comboio. Aqueles que conseguiram, fugiram a pé. 

Dependendo da reportagem que você ler, entre 12 e 17 pessoas morreram no ataque em 12 de dezembro de 2013. A pessoa mais jovem tinha 20 anos, a mais velha 65. Agora, os familiares querem respostas. E, nessa esquina esquecida da Primavera Árabe, o governo está sentindo uma pressão crescente para fornecê-las.

Ahmed al-Shafi’i (direita) com seu filho Zabanallah e as sete crianças de Aref, seu filho falecido. 

Não há água corrente ou eletricidade em Jism, bem como escolas, clínicas médicas ou estradas pavimentadas. A tribo Al-Abu Surayma, que povoa o vilarejo, é seminômade; seus membros se locomovem pela área para encontrar melhores pastos para suas cabras. O edifício de pedra simples, construído a esmo, onde conversei com Ahmed e Zabanallah al-Shafi’i, pode ser rapidamente desmontado e reconstruído. 

O filho de Ahmed, Aref, tinha 30 anos, mulher e sete filhos quando foi morto num ataque de míssil. 

“Nós o encontramos com outro corpo no carro”, disse o pai dele, de 70 anos, sua voz subindo de tom subitamente. “Os outros estavam jogados — um aqui, outro ali. Do jeito que o drone os tinham deixado: despedaçados.”

Os aldeões trouxeram o corpo de Aref de volta a Jism, onde o deitaram juntamente com os outros corpos na mesquita. “As mulheres começaram a gritar quando viram o que tinha acontecido”, Ahmed me disse. “Eles estavam zumbindo de um lado para o outro no vale. Se você tivesse ouvido, isso teria te perturbado.”

Relatórios iniciais do governo do Iêmen dizem que mais de cinco dos homens mortos no ataque eram militantes. No entanto, quando ouviram-se rumores de que vários civis inocentes também tinham sido mortos, o governo mandou mediadores até as famílias das vítimas. Mantendo os costumes tribais, dinheiro e rifles foram oferecidos às famílias, como um tipo de arranjo não oficial por suas perdas.

Apesar de o governo do Iêmen não ter divulgado nenhum comunicado oficial, o governador da província al-Bayda se desculpou pelo ataque numa reunião com os homens da tribo e Hooria Mashhour, a ministra dos Direitos Humanos, condenou o ataque. Depois disso, uma votação unânime no parlamento pediu a proibição dos drones.

Mas havia mesmo algum membro da Al-Qaeda entre os mortos? O grupo militante iemenita Al-Qaeda na Península Árabe (AQAP em inglês), sem dúvida, é ativo na área. Em Rada, uma cidade a 72 quilômetros de Jism, a bandeira negra da AQAP está pendurada em vários muros e os moradores nos contaram que o grupo entrou na cidade, logo após o ataque do drone, para capitalizar sobre a indignação e atrair alguns recrutas.

Salem, o irmão de Ahmed al-Taysi, morreu no ataque; aqui, vemos ele com os filhos do irmão.

A estrada para Sana foi bloqueada todas as noites na semana seguinte ao ataque e os moradores de Rada começaram a se acostumar com o som do AQAP enfrentando o exército. Semana passada, 12 soldados teriam sido mortos durante um ataque da Al-Qaeda em al-Bayda.

Mesmo que os moradores de Rada e Jism tenham negado que as pessoas mortas fossem membros da AQAP, há indícios de que pelo menos um dos homens presentes no comboio do casamento era um militante. Oficiais dos Estados Unidos e Iêmen revelaram que o alvo do ataque era Shawqi Ali Ahmad al-Badani, um agente do AQAP que estaria por trás de um plano que acabou resultando no fechamento de 19 embaixadas norte-americanas pelo mundo no verão passado. No entanto, o nome que alguns moradores locais mencionam é o de Nasr al-Hutaim, um membro menor do AQAP, preso pelo governo do Iêmen no começo de 2013, e que depois retornou à região. Os moradores dizem que foi a caminhonete dele que dois dos mísseis acertaram, mas acredita-se que al-Hutaim não estava dentro do veículo na hora da explosão.

Zabanallah al-Shafi’i, outro dos filhos de Ahmed, negou que seu irmão mais novo, Aref — ou qualquer outra vítima do ataque — estivesse associado à AQAP. “Terroristas? As pessoas aqui são beduínas”, ele disse. “Os drones estão atrás de um bando de pastores de cabra. Não há acampamentos de treinamento aqui. Não conhecemos a Al-Qaeda.”

Nasser al-Sanea — um jornalista local que foi o primeiro repórter a chegar à cena depois do ataque — acredita que os drones vão causar mais mal que bem aos norte-americanos. “Toda vez que os drones atacam, a simpatia pela Al-Qaeda aumenta”, ele explicou. “Vocês acertaram quatro? Bom, eles acabaram de recrutar doze.”

Abdullah al-Taysi, que ficou ferido e perdeu seu filho, Ali, no ataque.

A indignação na região quanto aos ataques de drones está ligada a um profundo ressentimento contra o governo iemenita. Em 2011, o país viu um número sem precedentes de pessoas saírem às ruas, num protesto da Primavera Árabe contra o governo de 33 anos do presidente Ali Abdullah Saleh. Acampamentos foram montados nas maiores cidades do Iêmen e, depois de meses de protestos pacíficos, Saleh renunciou em favor de seu vice, Abd-Rabbuh Mansur Hadi.

Ahmed al-Tayseu, que perdeu o irmão Salem no ataque, agora precisa sustentar a esposa e os seis filhos de Salem, além de suas quatro crianças. Ele se agachou perto de uma pedra e falou sobre seu desdém pelo governo iemenita enquanto as crianças olhavam caladas para o horizonte. 

“O estado não fez nada”, ele disse. “Nada. Não há nada aqui.”

“O principal responsável é nosso presidente — o homem que elegemos”, disse o xeique Al-Salmani, um líder tribal local. “Demos a esse homem a legitimidade para governar sobre nós, mas ele não se importa se seu povo é pobre, ele não se importa se as pessoas têm fome, ele não se importa se as pessoas estão sendo atacadas por drones norte-americanos.”

Salmani continuou: “Esperávamos um país com um futuro brilhante, mas nada mudou no Iêmen. Vivemos em condições terríveis. Mas vá até as vilas dos oficiais e você vai encontrar milhões de dólares do dinheiro das pessoas”.

E mesmo que esse dinheiro esteja sendo oferecido de volta para essas pessoas, nem todo mundo em Jims quer aceitar isso. Abdullah al-Taysi sobreviveu ao ataque; seu filho, Ali, não. Enquanto conversava com a gente, al-Taysu abriu sua camisa para nos mostrar as cicatrizes dos estilhaços. “Não queremos isso”, ele disse sobre as ofertas financeiras do governo. “O que isso vai fazer por mim? Mesmo se eles me dessem a América e tudo mais, eu não teria meu filho de volta.”

O que al-Taysi e outros como ele querem é que os culpados pelo ataque sejam responsabilizados, uma mudança na regulamentação de drones no país e um governo que responda às necessidades das pessoas.

E se isso não acontecer? “Todas as tribos vão se juntar à Al-Qaeda.”

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