Houve tempos em que a música portuguesa parecia amorfa e sem genica. Com o advento da Internet (mais concretamente, quando se normalizou entre os cidadãos em Portugal) as coisas mudaram. E como mudaram. A partir de certa altura, tudo fazia sentido e uma majestosa frase resumia a saúde mental do som dentro do rectângulo e ilhas: “A música portuguesa a gostar dela própria“.
A auto-estima dava sinais de franca recuperação, surgindo incentivos à coragem e criatividade de muita alma que acreditava no seu potencial (com a grande ajuda de pequenas editoras e espaços para concertos). A magia “do it yourself” foi bastante responsável por essa mudança.
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Vê: “O rock de ginga na anca dos The Twist Connection“
Em 2018, entre consagrados e menos conhecidos, essa criatividade revelou álbuns audazes, regressos de saudar e um conjunto de canções com substância para as querermos ouvir vezes sem conta.
A seguir, fazemos a contagem de trinta temas que ajudaram a engrandecer a música lusa. Outros tantos ficaram de fora e, claramente, muitos desses podiam constar nesta lista. Aos músicos aqui assinalados, o nosso agradecimento.
30. “Sendo assim” – Sam The Kid
Post-it: O rap em Portugal confunde-se com o seu nome. Os seus pares respeitam-no e há quem tenha feito um tema em seu tributo – autoria de Valete. Seja novamente bem-vindo (em nome próprio num LP com várias colaborações), sr. Mira!
Álbum: Mechelas (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Obrigado bacanos, pelo convite. Aqui vai o primeiro. Pera lá, eu conheço este puto…Sou fã, claro!”.
29. “Amor e saudade” – Miguel Xavier
Post-it: O fado encontrou aqui o seu João Félix, o Diogo Leite ou, se preferires, o seu Jovane. Deixem este vimarenense crescer. Ser fadista é como o vinho. Quanto mais velho…
Álbum: Miguel Xavier (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Epá, ouvir um faduncho sem vinho tinto não é a mesma coisa…”.
28. “Meio caminho andado” – Anaquim
Post-it: Quando o que está em causa é encontrar alguém que nos preencha o lado esquerdo do peito, todas as tentativas servem para cimentar a esperança. Os Anaquim descrevem esse e outros territórios do quotidiano de maneira honesta e eficaz.
Álbum: O Quarto de Anaquim (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Isto é um pouco paradote para o meu Ipod. Tanto, que ainda vou a meio…”.
27. “Canção de Natal” (cover de Tiago Guillul) – B Fachada
Post-it: Desde que B Fachada começou a marcar pontos há uns anos a esta parte, não faltam marmelos a ambicionar “a mesma onda”. O que desconhecem é que nem todos os “Natais” trazem prendas aceitáveis.
Álbum: IV, de Tiago Guillul (reedição com CD triplo e vários músicos convidados; 2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Que maradice! Vou pôr esta na ceia natalícia e, às tantas, o bezerro (e bezano) do meu primo vai acordar”.
26. “Aquarius” – Beautify Junkyards
Post-it: Os Beatles e Steve Jobs andaram por lá e foi o que foi. O trilho percorrido por ambos abriu-se ao espiritualismo local, numa experiência enriquecida por poções hipnóticas. Agora, é fechar os olhos, dispensar as gotas de LSD que te querem impingir e levitar no “aquário indiano” dos Beautify Junkyards.
Álbum: The Invisible World of Beautify Junkyards (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Pessoal, esta cena é mais psicadélica do que ter a Sara Moreno na minha casa”.
25. “Ferrugem” – Samuel Úria
Post-it: Não precisas de ser “aeromoço”, teimoso ou um indivíduo que sofra de repressão, para gostares disto. Ao contrário de outros, a escrita de Úria não enferruja no intervalo entre as suas edições discográficas.
Mini-Álbum: Marcha Atroz (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Uma vez joguei à bola com este tipo e, por causa de uma carga d’ombro que lhe dei, ameaçou furar-me os pneus da motorbike. Passo…”.
24. “Numb” – The Parkinsons
Post-it: Rock para não ficares entorpecido e entretido com o que não interessa. Os históricos The Parkinsons estão em grande forma e não é surpresa se algum fulano afirmar que “Coimbra tem mais encanto tendo Londres como referência”.
Álbum: The Shape of Nothing to Come (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Sendo eu supersticioso, é mais uma para dizer niente. Tenho nóia de apanhar a doença do Miguel J. Fox.”.
23. “Azáfama” – Danças Ocultas
Post-it: A pergunta tem de ser feita: onde estavas no 25 de Dezembro de 1998? Nesse dia (pelo menos, é o que diz a web), foi lançado, em Portugal, o filme Gato Preto, Gato Branco, de Emir Kusturika. Esta faixa das Danças Ocultas faz match com o dito cujo.
Álbum: Dentro Desse Mar (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Sejam honestos comigo… Esta formação tem ligações com alguma ciência oculta? Sabem, a tal seguida pelo Tom Cruzeiro?”.
22. “Tempestade” – Márcia
Post-it: Há uma delicadeza pueril na música de Márcia, um toque de dança contemporânea no teledisco, uma composição que faz o ouvinte não ter receio de falhar. Anota o novo mandamento: depois da tempestade vem a aprendizagem.
Álbum: Vai e Vem (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Malta, o vermelho fica top a esta bebé!”.
21. “Motorcycle boy” – The Legendary Tigerman
Post-it: Japão quero-te muito e não é por ter visto um episódio de Parts Unknown, do inconfundível Anthony Bourdain. Quando isso for uma realidade, quem sabe o Paulo Furtado me dê umas dicas e arranje os contactos dos motoqueiros. Vroom, vroom blues n’ roll!
Álbum: Misfit (2017).
Comentário fictício de João Nunes: “Bacanos, até ver, esta é a minha favorita. Posso trocar tudo na vida, de moto (a que eu chamo de ‘preciosa’) é que não. Vou postar no face”.
20. “Signal hill” – Sunflowers
Post-it: Mesmo que sejas uma florzinha no que à pista de dança diz respeito, as tuas ancas têm de aquecer quando esta for lançada. Este “sol” nortenho já merece actuar num castelo cheio de rockers (talvez, já o tenha feito…).
Álbum: Castle Spell (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Tenho que usar esta malha enquanto faço step ou levanto uns pesos para fortalecer os meus queridos músculos”.
19. “What do you wanna know” – Lince
Post-it: Depois do homem-tigre, apanhamos a boleia de Lince (a.k.a. Sofia Ribeiro). Isto é electrónica a remeter para o universo dos Chromatics e da editora Italians Do It Better. É caso para afirmar “Portuguese Also Know How To Do It”.
Álbum: Hold to Gold (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Acho que vou ter de apagar um número, caso consiga o contacto desta gata… miauuuu”.
18. “True love will find you in the end” (Cover de Daniel Johnston) – Captain Boy & Surma
Post-it: Fresco, exclusivo e merecedor de constar neste countdown. Nesta segunda-feira, 19 de Novembro, a VICE deu a conhecer uma nova versão do esbelto “True love will…”. Trocado por miúdos, descrevemo-la como “Dolente, directa e intensa como a original”. O artigo completo aqui.
Álbum: (O segundo longa-duração de Captain Boy está agendado para a próxima Primavera).
Comentário fictício de João Nunes: “Vou citar o ‘Boys don’t cry’, dos The Cure, por causa da lágrima no canto do olho. A última vez que me emocionei, foi quando contei à Sara o episódio em que o meu pai partiu uma cadeira nas minhas costas… várias vezes”.
17. “Across the woods of how” – Birds Are Indie
Post-it: “Num Mundo perfeito, [por causa das seus temas pop] os Birds Are Indie seriam uma banda adorada por milhares”, podes ler na VICE. Nem mais e acrescento: em “Across the woods…”, o patamar do trio é elevado ao universo reflectivo de Bill Callahan.
Álbum: Local Affairs (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Se calhar, não tenho arcaboiço intelectual para entender este andamento…”
16. “Deus me dê grana” – Dead Combo
Post-it: Quando se fizer o rescaldo das duas primeiras décadas do milénio, a dupla Paulo Gonçalves e Tó Trips merecerá um lugar especial. E não precisamos que nos paguem ou de um “telefonema” de Deus, para que assim seja.
Álbum: Odeon Hotel (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Nos segundos iniciais, parecia estar ligado aos brazucas Sepultura e a Chaos A.D., disco que me foi apresentado por um amigo metaleiro”.
15. “Sem palavras” – António Zambujo
Post-it: Um dos cantautores que mais subiu na bolsa de valores nos últimos dez anos, parece que anda a ouvir Supertramp (seguir as indicações dadas pelo piano), mostra que sofrer por amor pode aleijar imenso e até dá uns passinhos de dança no clip acima.
Álbum: Do Avesso (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Só por ser benfiquista, já tem o meu ok!”.
14. “Honey bun” – Sequin
Post-it: Com este doce pop-electrónico, Ana Miró, artista por detrás de Sequin, antecipou o Verão da VICE e, sem supresas, faz mossa fofinha à playlist outonal da Antena 3. O good mood, com pinceladas pink, acontece de cada vez que carregamos no play.
Álbum: Born Backwards (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Ando com saudades de ‘sunsetes’ e de oferecer uns Bailey’s…”.
13. “Fartar vilanagem parte 1” – Môrus
Post-it: Vai não vai, o País parece de pantanas, com tanto ladrão (de milhões) livre que nem um passarinho. Nos entretantos, os lisboetas Môrus – discípulos das boas cartilhas de Zeca Afonso – mostram-se assertivamente certeiros.
EP: Môrus (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Putos, estão a falar de política, correcto?”.
12. “Remocei” – Cavalheiro (com Graciela Coelho)
Post-it: São indiscutíveis os méritos do #MeToo. Porém, existem homens com medo de serem cavalheiros, não vá o diabo tecê-las e alguém confundir um gesto clássico (como deixá-la passar primeiro) por galanteio sexista. Enquanto pensas no que foi aqui descrito, delicia-te com esta canção que faz lembrar o Azembla’s Quartet. Curiosamente, dois dos seus membros surgem na posição onze…
Álbum: Falsa Fé (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Acho que um familiar meu, cota e ainda do tempo do vinil, vai gramar esta”.
11. “Nine million rainy days” (Cover dos The Jesus & Mary Chain) – Raquel Ralha & Pedro Renato
Post-it: As canções dos Pixies, The Doors, Nick Cave and The Bad Seeds ou dos Siouxsie & The Banshees, são bem reconstruídas pela voz destemida de Raquel Ralha. Mas, quando chega “a chuva” dos Jesus, conquista-nos por completo.
Álbum: The Devil’s Choice Vol. 1 (2017).
Comentário fictício de João Nunes: “Já sei como bater o couro a uma colega que venera bandas alternativas”.
10. “Cafeína” – DJ Dadda feat. Plutonio
Post-it: O rei das visualizações no YouTube e do streaming no Spotify, é o primeiro de dois êxitos em que somos apanhados pelo furacão Plutonio. O luso-moçambicano que canta “Ye lê lê, ye lê lê”, é um nome a ter debaixo do ouvido. Acreditamos que DJ Dadda aprova esta mensagem.
Álbum: (Edição prevista até final do ano).
Comentário fictício de João Nunes: “Manos, finalmente uma malha para eu fazer ‘tuerk’ e meter umas fotos no meu insta”.
09. “Gravidade” – Linda Martini
Post-it: Barcelona foi onde os Linda gravaram o seu mais recente disco de originais, o lugar ideal para sentir a atmosfera de uma Europa tumultuosa. É a puta da realidade (e um conjunto de anseios) onde “nem tudo é preto e branco”.
Álbum: Linda Martini (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Vou aproveitar para beber um drink e meter this one bem loud, caso a chata da vizinha volte a bater à porta”.
08. “Fado cyborg” – Júlio Resende
Post-it: A arte da minúcia está ao alcance de poucos. O pianista que habitualmente colabora nos trabalhos de Salvador Sobral, é um desses privilegiados. Ao juntar o classicismo a elementos electrónicos, abre a janela para imaginários fantasiosos e galáxias desconhecidas.
Álbum: Cinderella Cyborg (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “O piano não é a minha praia. Eu sou mais Avici e, quando estou nas calmas, refugio-me nos ferrinhos”.
07. “Aula de natação” – Cristina Branco
Post-it: Não me esqueço o dia em que vi uma multidão rendida ao concerto de Cristina Branco. Realmente, foi como se um poema se agigantasse em palco. Os anos passaram e os atributos vocais continuam lá. Nademos, então.
Álbum: Cristina (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “A Cristina é uma morena top! Lembra-me o hit ‘Baby on Fire’, de Superpitcher. Conhecem?”.
06. “Sempre bem” – Capitão Fausto
Post-it: Há um grupo norte-americano chamado Metric, que musicalmente está separado do quinteto de Alvalade. Só o aludimos, para expressar o emocionante jogo de métricas usadas pelos autores do LP, Capitão Fausto Têm os Dias Contados (2016). Até parece fácil.
Álbum: A Invenção do Dia Claro (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Na mouche! Hoje, é o aniversário da minha irmã!”.
05. “Moderno” – Glockenwise
Post-it: Já fizeram montes de gajos e gajas curtir o seu pop-rock em inglês, mas o novo rumo pode trazer-lhes mais felicidade. Com a língua materna e uma nova editora, entram na fase pós-modernos. Sábios, estes rapazes de Barcelos.
Álbum: Plástico (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Ainda pensei que o vídeo incluía o people que foi lá a casa pintar as paredes”.
04. “Grão da mesma mó” – Sérgio Godinho
Post-it: É uma honra saber que um dos grandes do cancioneiro luso, está para as curvas. Com música de David Fonseca, é ouvir e moer o nosso cérebro por mais. Uma vez poeta instintivo, para sempre um poeta interventivo.
Álbum: Nação Valente (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Boa, VICE! Quando nos encontramos no café perto dos estúdios onde gravo, o Sérgio dá-me altos conselhos. E eu nem tenho dois metros…”.
03. “Malhão 3.0” – Diabo Na Cruz
Post-it: A trupe liderada por Jorge Cruz “organiza festas” com pés e cabeça, demonstrando uma gentileza lírica de quem tem noção e perspicácia do País onde vive. Cuidado, há demasiadas raposas à solta por aí…
Álbum: Lebre (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Querem ver que o clássico popular, ‘ó malhão, malhão’, vai voltar a estar na moda?”.
02. “Iminente” – Papillon feat. Plutonio
Post-it: Oxalá que tenhas uma cerveja por perto, oxalá tenhas uns colegas porreiros que te acompanhem. Vem daí celebrar o cosmopolitismo com genes de África, numa toada de iminente loucura. Bora lá mexer o esqueleto (outra vez com Plutonio)?
Álbum: Deepak Looper (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Estive num festão em que a discoteca quase ia abaixo, quando o DJ passou esta. Brutal!”.
01. “Leva-me a dançar” – Joana Espadinha
Post-it: Há 20 anos, “Borrow” meteu os Silence 4 nas bocas do Mundo. Em 2014, Capicua arrasou a concorrência com “Vayorken”. Desde o primeiro trimestre de 2018, o tema criado por Joana Espadinha (com o auxílio precioso de Benjamin) encomendou as faixas de winner e tornou a pop nacional bem mais interessante. Um hino que toca em rádios “indiependentes” ou “mainstream”, numa composição envolvente até para os cépticos em assuntos do coração. Lindo.
Álbum: O Material Tem Sempre Razão (2018).
Comentário fictício de João Nunes: “Eu e a babe, que conheci na semana passada, já baptizamos esta como ‘a nossa canção’. Acham que pode ser o início de uma longa relação poliamorosa? Eu desejo que sim”.
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