Música

Trocamos uma Ideia com Ashley Beedle sobre Reggae, Música e Candomblé

Eu nunca pensei em colar no País de Gales, mas a oportunidade de ver em um único final de semana artistas como Bonobo, Todd Terje, Neneh Cherry, Beck, James Holden, Michael Mayer, Greg Wilson e, entre mais um monte de gente bacana, Ashley Beedle, foi o que me levou até o local. O destino era o Festival No6, que rola desde 2012 na baía de Portmeirion (pra ter uma ideia o lugar fica a aproximadamente quatro horas de trem de Londres). E além de ter vivenciado um festival incrível (que aconteceu no começo de setembro) em um lugar mágico (tenho certeza que os gnomos moram nas florestas de Gales), bati um papo no maior clima ostentação com um dos mestres da dance music britânica, Ashley Beedle.

Para os não familiarizados, não se exasperem. Vou contar um pouco sobre ele: Ashley começou a tocar ainda na década de 80, e passou a ganhar mais destaque no auge da acid house. Teve a mão em inúmeros projetos que viraram clássicos como a Black Science Orchestra, Ballistic Brothers, X-Press 2 sendo este último o responsável pelo house-hit Lazy,  com participação de David Byrne nos vocais. E você com quase toda certeza já deve ter ouvido esse som:

Videos by VICE

Mas o cara não mexe só com música eletrônica, uma de suas últimas incursões inclui a um remix para “Get Up Stand Up” a fim de ser um mashup com a “Welcome to Jamrock” de Damian Marley, o som faz parte da compilação Africa Unite: The Singles Collection. A versão de Beedle recebeu o nome de “Stand Up Jamrock”. Se não bastasse isso, o mezzo-britânico mezzo-barbadense, ainda é percussionista, vai vendo. E para dar uma contextualização local, ele figurou no line-up da festa que deu o pontapé inicial nos eventos que hoje são conhecidos como Green Sunsets, que rolam periodicamente do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. Foi no meio da Virada Cultural de 2010 que o inglês apresentou seu set-aula no jardim do museu. Trocamos ideia sobre tudo isso e mais um pouco na varanda de um castelo gaulês regado à champagne francesa. Mas não se deixe enganar pela situação ostentação, Ashley é gente como a gente. Se liga.

THUMP: Então, a primeira vez que eu vi você tocar foi em São Paulo, numa festa no meio de um evento que acontece na cidade que se chama Virada Cultural, em 2010. Você sabia que aquela foi a primeira vez do que hoje se tornou uma festa periódica?
Ashley:
Sim, um evento incrível em um museu incrível! Isso é muito interessante porque eu tenho um forte… É estranho, eu vou ao Brasil muito raramente como DJ, mas eu amo São Paulo e a Bahia também. Mas São Paulo tem um lugar especial no meu coração porque dois dos meus artistas preferidos, o Airto e a Flora Purim, artistas de jazz bem old school,  tocaram nesse festival e eu pude vê-los! E fazia dez anos que eles não tocavam em São Paulo, foi maluco! Foi um evento incrível e aquele final de semana inteiro só me deixou boas memórias.

Você sabe que no ano anterior, também na Virada Cultural, o Greg Wilson se apresentou lá. E eu lembro de ter pensado, depois de ter te visto discotecar, que seria muito interessante vê-los tocar numa mesma noite. E aqui no Festival Number 6 vocês se apresentam na mesma pista, na sequência. Vocês costumam dividir o mesmo line-up sempre?
Na verdade nem sempre. É que o Greg é o cara do funky, sabe? Então os promoters sempre pensam que “Ah, o Ashley também toca meio funky seria legal colocá-los juntos”. Mas você sabe que nossos estilos são levemente diferentes…

Sim.
Ambos temos a mesma paixão por black dance music, isso é um paralelo entre eu e o Greg. E aí os promoters veem isso e acham que é uma boa ideia colocar nós dois juntos…

…você acha que vocês dois têm as mesmas raízes sonoras?
Sim! Eu ia falar isso agora! Na realidade eu ia ver o Greg tocar. Ele começou a tocar uns dois ou três anos antes de mim. Então ele… Eu amo ele! (rindo muito). Ele é muito jovial no que faz. Tinha uma época que as pessoas não o conheciam. Você chegava e falava: “Como assim você não conhece o Greg Wilson?!”.

Sim!
Agora todo mundo conhece ele.

Você acha que vocês dois, de uma certa maneira tem uma parcela de responsabilidade com essa explosão da disco music que tem rolado, com artistas como Prins Thomas, Todd Terje? Por exemplo, esse festival tem muitos artistas que vão pra esse estilo de disco, funk…
Sim, sim. Na verdade eu vou ser bem cuidadoso com esse assunto porque não necessariamente o que todos esses caras tocam é disco. Às vezes tem um pouco de reggae, hip hop… Eu por exemplo, sempre costumo olhar pra pista e digo pra mim mesmo: “Ah, acho que eu vou mandar um reggae agora…” E eu coloco. Às vezes funciona, às vezes não. Mas sabe de uma coisa? Se for pra você ser DJ nesse mundo, você tem que arriscar. E essa coisa de nova onda de disco, tem o lado bom e o lado ruim. No sentido de que esses caras, o Todd Terje, o Prins Thomas, eu gosto do que eles fazem porque eles me levam pra novos lugares. Mas caras como Harvey que está aí desde o início, sabe? Eu amo ele porque ele leva a música do futuro pra tocar com ele. Não é só sobre tocar um monte de álbuns da  disco music velha e um monte de edits, sabe? Ele realmente se envolve com essa coisa de re-edit.

Dessa nova leva, você curte alguma coisa?
Sim, claro! Mas se você olhar primeiro para primeira onda disco, se você olhar pra caras como Walter Gibbons, Nicky Siano e até mesmo Larry Levan, os nomes clássicos, sabe? Esses caras não necessariamente tocavam… Eles mandavam “Whole Lotta Love” do Led Zeppelin na pista. Esse som era tocado como uma banda de rock branca, mas num contexto de disco negra. Ainda assim as pessoas ficam fritando de que você tem que fazer o que está rolando, elas gostam de enquadrar as coisas. Quando na verdade não precisa ser assim…

Você estava contando sobre mandar um reggae numa pista e ver como as pessoas reagem. E você fez aquela colaboração com o Damian Marley… como é sua relação com o reggae?
(RISOS) Tá… Bom, a minha casa é um templo de reggae. Meu pai tem a melhor coleção de discos de reggae do mundo. Meu pai era foda, Deus o tenha. Mas assim, eu não vou ficar ostentando, saca? Mas acho que herdei um legado tão imenso. E o fato de eu ter trabalhado com os Marleys… Eu fiz o remix de “Get Up Stand Up” e eu me sinto muito lisonjeado de poder ter trabalhado com os Marleys, de ter feito esse disco. Então pra mim o reggae é uma coisa muito forte. É muito forte na minha casa, na minha vida, na vida dos meus filhos, sabe? É tipo… Reggae é som pro povo, sabe? Do mesmo jeito que você vai pro Brasil e você ouve a bateria de uma escola de samba, é música do povo para o povo. Não é para os ricos, é para as pessoas que têm uma vida simples, essa é a nossa música.

Você está falando de samba, você teve a oportunidade de conhecer alguma escola de samba quando você foi ao Brasil?
Sim! E foi incrível porque eu sou percussionista também. E… foi extraordinário quando eu estive lá porque eu tive um encontro interessante com um pai de santo, de candomblé. Um cara muito bacana. Ele me mostrou os seus atabaques e nós tivemos um papo espiritual. Ele me disse, enquanto eu estava lá, que eu tenho uma parte minha no Brasil. Provavelmente de uma vida passada, algo assim. Ele disse que podia ver, pelo jeito que eu sou, pelo meu trabalho…

E você têm raízes caribenhas… Isso deve ter te inspirado na parte musical também…
Sim, sem dúvidas. Eu acho que tudo que te rodeia te inspira. O que você vê te inspira. Sabe? é o que você sente que te inspira. Nem tudo precisa ser acadêmico, claro, ler é parte do processo. Mas é muito mais de ouvir um disco tocando e pensar “Nossa, o que é isso!?” Isso te inspira.

Qual foi seu momento assim, que você ouviu um som e te fez parar e meio que te deu um grau?
Um é um disco de reggae do Big Youth, o Dreadlock’s Dread,  que é um disco sensacional, um álbum fantástico. E eu acho que não só pra mim, mas pra muita gente, o “Get Up I Feel Like Being a Sex Machine” do James Brown, a versão longa. A primeira vez que eu ouvi aquilo foi tipo: “UAU, o que que é isso!?” Um groove que nem é tudo isso mas que é cíclico, sabe? Quando eu ouvi pela primeira vez fiquei desnorteado. Foi tipo “UAU, dá pra dançar os 15 minutos!” (RISOS).

Para finalizar o papo, afinal ele tinha que ir tocar logo depois da entrevista, pedi para Ashley indicar quatro músicas que são discoteca obrigatória para todo mundo que curte música. As escolhidas de Ashley dizem muito sobre o DJ e produtor que é uma enciclopédia musical. Das quatro, duas reggaes e nenhuma eletrônica, boa para aumentar o repertório, saca só:

John Coltrane – “My Favourite Things”
Big Youth – “Marcus Garvey”
The Wailers – “Hypocrites”
The Byrds – “Eight Miles High”

Siga @biapattoli