Quando era mais novo eu tinha a ilusão de que quem curtia música erudita era sem dúvida uma pessoa muito bem equilibrada, centrada, respeitosa e douta nos mais diversos assuntos da vida. Como se aquela música ajeitasse a mente das pessoas, como se o naipe de metais tivesse o poder de entrar em seus cérebros e ensinasse boas maneiras à mesa, como se os primeiros violinos hipnotizassem e fizessem essas pessoas recusar água do filtro e beber só vinho Bordeaux. O som das madeiras colocaria nelas um certo nojinho da cerveja mais barata do buteco, de suas bocas nunca sairiam xingamentos. Em contrapartida, eu achava que só entendia aquilo tudo quem também já tinha uma pré-disposição ao sublime e etc.
Acontece que, ao longo do tempo, eu fui ver que as coisas não funcionam assim (ainda bem). Tem muita gente bagaceira p’ra cacete ouvindo e fazendo música erudita, o que é bom no sentido de não ter só almofadinhas nesse meio. Mas é um lance meio maluco na questão de ter uma galera meio truculenta das ideias que contraditoriamente são os que mais gostam de delimitar que existe uma fronteira entre erudito e popular. E o melhor lugar p’ra encontrar esse segundo grupo asséptico é (DIVINHA) o YouTube, onde eles curtem fazer uns comentários um pouco ríspidos quando as músicas não estão de acordo com seus padrões de beleza.
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O pianista Friedrich Gulda é alvo constante de críticas dos mais puristas por tocar tanto música erudita quanto jazz.
Estilo de execução robótico e nada inspirado como se você urgentemente precisasse ir ao banheiro
Lang Lang, pianista chinês, é sempre motivo de deixar uma galera puta da vida por conta de seu estilo extravagante de fazer umas caretas enquanto toca.
Os 20 minutos mais horríveis da minha vida. Ele não entende nada de Lizst. Ele não tem nenhuma profundidade ou seriedade. Só porque esse pianista cuzão faz essas caras e essa bosta meio artística não significa que ele é um grande pianista porque ele ainda tem que granjear respeito entre a elite intelectual do mundo do piano. Ele é uma desgraça para a profissão com os seus.
Aliás a questão da nacionalidade muitas vezes é motivo de descontentamento também. No exemplo abaixo o violinista Daishin Kashimoto é criticado por ser asiático e estar tocando com a Filarmônica de Berlim, e talvez o crítico ache que por conta disso ele esteja errando os tempos da música, desconsiderando totalmente uma coisa chamada agógica.
eu realmente não gosto do solista! por que tem um japonês numa orquestra alemã? de qualquer maneira, ele tocou meio fora de tempo e foi um pouco desajeitado
O brasileiro é um dos únicos povos do mundo que quando vê uma música de seu país no YouTube corre p’ro Google Translate e tece um comentário comemorando a música como se fosse um gol. Mas nesse caso aqui não teve muito amor: a moça reclama da influência de Debussy e Beethoven numa obra de Villa-Lobos que foi feita antes de sua ida à França, onde disseram p’ra ele que seria muito mais legal que compusesse coisas mais abrasileiradas.
Glenn Gould! O praticamente Doutor Dolittle dos pianos, que a galera se divide entre amar e odiar porque ele exigia o mais profundo silêncio da plateia, enquanto ele mesmo ficava murmurando as melodias das fugas Bach enquanto tocava. Como se já não bastasse isso, ainda tem a galera que não curte ele por conta de sua excentricidade gestual.
um monte de atuação, quase nada de execução. Tente ouvir sem ver o vídeo, é uma bosta
É! Tente colocar um travesseiro nos ouvidos e assistir a Monty Python
A meticulosa escolha de timbres e alturas de Boulez já tem idade o suficiente p’ra não serem mais contemporâneas, mas ainda deixa muita gente horrorizada com a “novidade”.
eu sinto que se eu continuar ouvindo isso vai reprogramar meu cérebro e vou sair por aí realizando tiroteios em massa
Glenn Gould realmente é um cara que, mesmo depois de morto, paga o preço por ser uma pessoa um pouco esquisita.
como uma doença pode entrar na música? Eu vou deletar essa merda logo. desculpa
Tocar Bach usando um corte de cabelo moderninho e uma camisa cheia de bagulhinho brilhando com certeza já ia deixar uns puristas meio desgraçados da cabeça. Aliada a isso, a performance virtuosa e flamboyant de Cameron Carpenter causou uma imensa guerra no YouTube.
Galera, vocês estão ouvindo à tentativa desesperada de ouvir Bach numa versão moderna executada por um idiota. Pobre Bach!!!!
A chinesa Yuja Wang ultimamente tem sido criticada por usar umas roupas muito curtas, mas como aqui ela tava com um vestido tradicional o cara resolveu pegar no pé só por conta da nacionalidade. Outra vez.
é interessante como os pianistas chineses são tão bem treinados até para fingir a expressão dos seus sentimentos
E por falar em roupa, tem um maluco reclamando da blusa de alcinha da violoncelista Jing Zhao, sendo que nem é uma filmagem, é só uma foto paradinha enquanto a música vai rolando.
A música do violoncelo é atrativa o suficiente. A musicista precisa realmente estar vestindo uma blusinha de alça fina?
O atonalismo livre pré-dodecafonismo de Schoenberg não agrada muita gente até hoje.
Isso soa como um movimento intestinal prolongado
Não é que se deva botar esse tipo de música num patamar livre de críticas, mas no fim das contas vimos aqui que essa galera não curte muitas novidades estruturais na música, a mistura entre popular e erudito lhes causa ojeriza, são tarados em querer que as coisas sejam tocadas exatamente como na partitura, e são um bocado xenófobos.
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