Tudo que Sabemos Até Agora sobre o Incêndio no Clube Colectiv, que Matou 29 Pessoas em Bucareste

Vinte e nove pessoas morreram e 162 ficaram feridas na noite de sexta-feira no clube Colectiv, Bucareste, Romênia. As chamas começaram por causa de fogos de artifício presos numa viga perto do palco, que acabaram incendiando camadas da espuma à prova de som que insulava o clube. O fogo se espalhou em segundos. A maioria das vítimas morreu sufocada pela fumaça. Essa tragédia é o acidente mais grave a acontecer num clube noturno, nos últimos dois anos, no mundo. Três dias de luto nacional foram declarados na Romênia.

A banda de metal Goodbye to Gravity estava lançando seu novo disco e tinha anunciado que o show envolveria elementos pirotécnicos, apesar de não ter autorização do departamento de bombeiros, segundo o secretário de Estado Raed Arafat. O fato da tragédia ter acontecido numa festa de Halloween e de que o nome de uma das músicas da banda é “The Way We Die” tem alimentado conservadores religiosos e entusiastas de teoria da conspiração que, em vez de participar da campanha urgente de doação de sangue para as vítimas, preferem dizer que essa seria uma punição por celebrar “um festival da morte”.

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Os bombeiros demoraram a chegar e não havia espaço nos hospitais para os feridos. Em 2015.

Foto por Vlad Bușcă.

Várias testemunhas dizem que as equipes de resgate foram lentas. “Os bombeiros demoraram a chegar, eles só vieram depois de dez telefonemas”, disse Vlad Bușcă, que estava no show, à VICE. “Além disso, primeiro eles só usaram extintores portáteis, nenhum deles estava usando uma mangueira. Tirei essa foto às 22h32, e às 22h39 tive que ligar novamente para a emergência, porque ninguém tinha vindo.” Uma mulher que chegou à cena logo depois do início do incêndio disse no Facebook que não havia ambulâncias para todos os feridos. “Uma única ambulância chegou depois de 15 minutos, fiquei ligando para o número de emergência, pedi que todo mundo ligasse para os números de emergência.”

Foto por Alex Sanda.

Foto por Mircea Topoleanu.

Na sexta-feira, o Ministério de Assuntos Internos divulgou um comunicado à imprensa onde afirmava que a intervenção foi rápida: a primeira chamada veio às 22h36 e as primeiras equipes teriam chegado ao clube às 22h43. Segundo Raed Arafat, secretário do Ministério de Assuntos Internos, 11 caminhões dos bombeiros, 21 ambulâncias e 28 veículos de primeiros socorros, além de suas vans de tratamento intensivo, estavam no local.

Promotores federais iniciaram uma investigação para descobrir qual versão da tragédia é a verdadeira.

Se isso não fosse suficiente, não havia leitos nos hospitais de Bucareste duas horas depois do incêndio, mesmo depois de todos os médicos e funcionários terem sido convocados e do número de pessoas necessitando de atenção médica não passar de 200. O Ministério da Defesa anunciou que dois aviões e dois helicópteros estavam de prontidão caso vítimas precisassem ser transportadas para outros hospitais do país. A maioria das vítimas acabou no Floreasca Hospital (50), no Hospital de Queimados (27) e no Bagdasar Hospital (24).

O que vi na cena do acidente

Foto por Mircea Topoleanu.

Cheguei ao Colectiv aproximadamente uma hora depois do fogo ter começado. O ar estava sufocante. Os feridos já tinham sido transportados para o hospital, então não vi as pessoas queimadas nem os médicos que ficaram com bolhas nos braços por fazer massagem cardíaca, como apareceu na televisão. Mas a atmosfera estava muito pesada. A área estava fechada por dez equipes de resgate e tudo estava bloqueado com fita amarela. Atrás dela estava uma multidão de parentes e amigos de pessoas que estavam no show, além de jornalistas e voluntários dispostos a ajudar se necessário. Enquanto as ambulâncias iam e vinham, sentamos na calçada próxima nos sentindo impotentes. Não sabíamos exatamente o que tinha acontecido, então o clima era de incerteza. A polícia e os bombeiros não ajudaram muito, dizendo apenas que não tinham permissão para comentar.

No mar de pessoas, vi a mãe de um amigo. Ela estava no celular, como muitas outras pessoas, tentando ter notícias do filho. Ela estava perdida em seus próprios pensamentos. Ela não conseguiu me reconhecer, e eu não insisti. Mas comecei a me preocupar e imaginar o pior cenário possível, que algo ruim tinha acontecido com meu amigo. Felizmente, ele estava bem e até estava tentando ajudar. Mas ouvi muitas histórias de festas de aniversários que viveram velórios, com as pessoas chorando ao redor do bolo. No evento do Facebook, as pessoas estavam perguntando por amigos e parentes que estavam no show. Enquanto alguns estavam vivos e bem, eles não tinham muitas notícias dos outros. Quatrocentas pessoas estavam no clube Colectiv na noite de sexta e, segundo a mídia local, 27 morreram.

“As pessoas começaram a subir por cima umas das outras para tentar sair.”

Foto por Mircea Topoleanu.

“Os fogos de artifício eram inofensivos, mas algumas faíscas atingiram a espuma de isolamento, que pegou fogo imediatamente. Em cinco segundo, o teto se incendiou e as chamas se espalharam rapidamente. Isso é tudo que consigo me lembrar, depois eu só queria sair dali”, disse Vlad Bușcă, uma das pessoas que saiu do clube em segurança. Vlad também nos disse que muitas pessoas não perceberam a gravidade do que estava acontecendo imediatamente. “Não posso dizer que as pessoas perto da saída tiveram sorte. Nem todas perceberam o que estava acontecendo. Eu, por exemplo, estava do outro lado da sala, diagonalmente. Ainda assim fui uma das primeiras 50 ou 100 pessoas a chegarem até a porta”, explicou Vlad.

Outra pessoa presente no show disse a Digi24 que sobreviveu porque estava segurando uma garrafa de cerveja: “Eles acenderam fogos simples, do tipo que você usa em bolos de aniversário, dois de um lado e dois do outro […] Dois desses incendiaram o teto. O fogo desceu pela viga, e foi quando as pessoas começaram a entrar em pânico. Corremos para a saída, depois disso houve uma grande labareda, isso queimou todo o teto e pedaços dele começaram a cair. Senti o calor aumentar muito, me abaixei, tive sorte de estar com uma cerveja na mão, derramei a garrafa em mim mesmo é por isso estou vivo.”

Uma testemunha, citada pela Hotnews, disse que as pessoas não conseguiram sair do clube porque só havia uma saída: “Era como se houvesse uma rolha gigante na porta”.

Outro sobrevivente, citado pela Adevărul, disse: “Não tínhamos ar. Tudo cheirava a carne queimada. Tive que subir sobre os corpos para sair”.

“O vocalista da banda só teve tempo de fazer uma piada curta: ‘Isso não era parte do programa’. Segundo depois, ele pediu os extintores de incêndio, mas já era muito tarde. Em 30 segundos, o fogo já tinha alcançado todo o teto (…)”, escreveu Delia Țugui, que estava lá com o marido e o filho, os dois intoxicados pela fumaça, no Facebook. “As pessoas correram para a entrada, elas agiram relativamente rápido, mas a saída era muito estreita e elas começaram a entrar em pânico. Atrás de mim, as pessoas começaram a se pisotear e subir por cima umas das outras para sair. Depois que consegui sair, ouvi uma explosão abafada e senti uma onda de calor nas minhas costas. Meu cabelo pegou fogo. Coloquei a mão nele e me queimei. Eu não sabia onde estava indo. Agarrei a jaqueta de alguém na minha frente e foi me arrastando atrás dele. De outro jeito, eu não teria conseguido me afastar. Eu estava paralisada por causa do calor e do ar quente, tentei encher os pulmões, mas senti meu peito queimar.

“Olhei para trás e vi uma pilha gigante de pessoas caídas umas sobre as outras na porta. As pessoas que tinham saído estavam tentando puxá-las, mas elas estavam presas pelo peso. Alguém ficava gritando: ‘Tire as pessoas de cima primeiro’, mas o pânico era muito grande. Muitas pessoas estavam tentando ajudar, mas era o caos. As pessoas tentavam achar os amigos na pilha de caídos, chamando pelo nome e perguntando ‘Onde você está, não consigo te ver. Essa é a sua mão?’ Foi um pesadelo. Percebi imediatamente que as pessoas que tinha ficado lá dentro não sairiam vivas.”

Foto por Mircea Topoleanu.

Doação de sangue

O Ministério de Assuntos Internos está monitorando a situação através do Comitê Nacional de Emergência, convocado no sábado. O secretário Raed Arafat disse que só os gravemente feridos continuarão nos hospitais e que, até o final do sábado, “o número de pacientes nos hospitais vai se equilibrar, de acordo com as necessidades”. O presidente romeno Klaus Iohaniss pediu compaixão e solidariedade e o ministro da Saúde, Nicolae Bănicioiu, pediu que doações de sangue para os feridos fossem feitas em centros de coleta, não nos hospitais.

O país todo está em luto e principalmente choque. Se observarmos como os eventos se desdobraram depois dessa tragédia, podemos ver a morte dessas 29 pessoas como nosso próprio futuro.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.

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