Música

Tudo que Você Sempre Quis Saber Sobre Remixes mas Tinha Vergonha de Perguntar

O DJ e produtor MartyParty já ouviu muita desinformação ser propagada por todo lado em suas viagens, e agora ele está aqui para deixar as coisas claras. Nesta coluna ele revela os bastidores e processos do universo da produção musical. É Tudo que Você Sempre Quis Saber Sobre EDM, mas tinha vergonha de perguntar.

Ouça aqui.

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“O que é um remix?” tem sido um dos tópicos de discussão mais confusos, ao lado de — “que gênero é esse?” — desde que eu comecei a produzir EDM em 2006. Decidi seguir adiante e divulgar minha filosofia sobre o assunto — ou melhor, como eu vejo as coisas enquanto relevante produtor que sou. Na era da internet, tudo é um jogo rolando, então essa é a minha tarefa de hoje em diante e eu posso facilmente mudar de opinião… mas aqui vai.

Vamos começar com o que constitui uma faixa de dance music. Atualmente você pode baixar um arquivo mp3, que é, na verdade, uma “reconstrução” de múltiplos canais de camadas de áudio (chamadas “stems” na produção musical moderna) agrupadas. Normalmente, as faixas são divididas entre bateria, sub-baixo, sintetizador melódico, synth pads ou acordes, gravações analógicas de instrumentos, vocais gravados e assim por diante.

Quando um produtor está pronto para criar o arquivo final, todas as faixas são “mixadas” juntas dentro de um arquivo de áudio. Mixar envolve modificar, analisar e configurar o volume de cada camada, assim como colocar cada som específico no campo de audição (por exemplo, esqueda, direita, na frente, atrás). Uma vez pronta, a coisa toda é comprimida em um arquivo digital (mp3, wav, aiff) e transforma-se naquilo que você baixa e escuta e, esperançosamente, te faz pular e dançar. Imagine só as milhares de combinações diferentes possíveis que podemos fazer com as camadas. E atualmente existem centenas de plug-ins facilmente baixáveis para modificar os sons das camadas — adicionam reverb, compressão, posição do som (panning), controle de brilho, distorção –, a mistura final se torna muito subjetiva e depende do gosto da pessoa que está mixando a faixa.

Aqui vemos uma faixa e todas as suas camadas no ambiente de produção:

Aqui vemos todas as camadas representadas no modo “mix”, com todos os seus variados níveis e configurações:

NOTA: “Mixagem” é uma arte própria. Assim como produção, é uma disciplina isolada. Algumas pessoas nasceram para mixar. Outras nasceram para criar. Algumas são boas em ambas as coisas. Nem todas as pessoas que produzem faixas mixam, e vice-versa.

OK! Agora a questão dos remixes. Vamos começar pelo básico…

O Que É um Remix?
Agora que você já sabe o que é uma mix, você pode perceber que diferentes pessoas ajustam as camadas de acordo com o seu gosto. Num remix tradicional, o artista da faixa original tem um outro mixador ou produtor que rearranja as camadas de áudio como ele quiser. O resultado pode variar de uma faixa que soe levemente diferente a algo totalmente diferente. Camadas podem ser adicionadas, removidas, manipuladas, ter o volume aumentado ou diminuído. Um fator importante é que o remixador tenha sido convidado ou autorizado a fazer o remix. Em outras palavras, os stems originais — os arquivos brutos — tenham sido fornecidos ao remixador pelo artista. Esses são normalmente chamados de remixes oficiais, especialmente quando há grandes artistas pop envolvidos.

Em muitos dos remixes mais modernos, o vocal principal (o “gancho”) é normalmente a parte da faixa que continua igual. Muito frequentemente, as melodias principais ou as linhas de baixo são mantidas e reutilizadas paralelamente, mas as demais camadas são descartadas. O termo “remix” tipicamente implica que o remixador escolheu os elementos da faixa que ele mais gostou e jogou fora o resto. Agora o remixador segue adiante e adiciona seu próprio conjunto de camadas, com novas batidas, normalmente em tempos diferentes, e acaba com uma faixa nova em mãos, mas com algumas similaridades vocais ou melódicas.

O Que É um A Capella?
Os stems são altamente protegidos, especialmente os vocais sem batidas por baixo, conhecidos como “a capellas”. Os stems de uma faixa nova não saem do estúdio ou ambiente de produção. Eles fazem parte da valiosa “metadata” da faixa, e o artista guarda isso a sete chaves pra que ninguém roube sua linha de baixo — ou no caso de alguém como a Beyoncé — o vocal.

NOTA: Nos anos 1980 ou 1990, a capellas de faixas famosas eram mais facilmente disponibilizadas — muitas prensagens de vinis de hip hop, R&B e house vinham com uma faixa acapella e instrumental. Eles ainda estão por aí em CDs de samples, à venda no Beatport, e prontamente disponíveis por toda a internet em torrents e sites tipo o Acapellas 4 U.

Com a grande quantidade de produtores, o compartilhamento viral e a pirataria de vocais, os artistas raramente disponibilizam a capellas puras hoje em dia, de forma a garantir que nenhum remix bootleg (sem autorização) seja feito. Por outro lado, vocalistas emergentes e pouco conhecidos soltam propositalmente suas a capellas, na esperança que produtores utilizem seus vocais e os abram caminhos para o reconhecimento. Resumo: artistas famosos de pop não disponibilizam seus stems de a capella, somente aos remixadores autorizados para remixes oficiais. Mas, se você conhece as pessoas certas ou é um bom investigador de internet, você consegue encontrá-los. Ou você pode fazer o seu próprio (veja abaixo).

O Que É um Bootleg?
A maioria dos remixes que você ouviu, baixou, ou criou, são bootlegs — ou seja, utilizando camadas de áudio de qualquer canção sem aprovação expressa do artista. Normalmente um bootleg é constituído pelo vocal a capella de uma faixa conhecida e um pedaço da melodia original. O desafio é encontrar aquele momento em que as batidas e componentes musicais vazam por um instante ou as melodias principais estão isoladas — normalmente na introdução, final, ou ponte.

Aqui o bootlegger pegou um trecho do áudio da a capella e o está duplicando de maneira sincopada para criar uma nova experiência; isso é comum na fórmula do trap.

Com um pouco de habilidade e um pouco de conhecimento de produção, você também pode fazer suas próprias a capellas.

Alguns exemplos de bootlegs clássicos que eu fiz:

O Que É um Remake?
O remake é minha variável preferida de um remix — uma versão “cover”, se preferir. Quando um produtor quer remixar uma faixa que ele adora, mas não tem acesso ao artista ou a nenhum dos stems, ele pode refazer a canção inteira, adicionado seu próprio sabor. Isso envolve mais do que a habildiade de simplesmente editar trechos de áudio — requer um profundo conhecimento de design de som e síntese. Minha abordagem favorita é remixar uma faixa que eu curto, mas ampliar as partes melódicas com instrumentos e patches mais intensos e penetrantes, geralmente aumentando a quantidade de camadas melódicas e estruturas de notas através das escalas, e adicionando harmonias pra verdadeiramente atingir o clímax do lance.

O remaking necessita de muita habilidade técnica e conhecimento de como o som original foi criado, para então reproduzi-lo nota por nota, tom por tom. Todos os remakes são tipicamente bootlegs, e normalmente feitos como forma de homenagem à faixa original num outro gênero musical, tempo, estilo ou direcionamento.

Exemplo de um remake:

Eu adorava essa faixa de hip hop, mas achava que ela poderia ganhar uma pegada mais dançante. Tudo que consegui do original foram os ganchos vocais nas pontes, todo o resto foi refeito com sintetizadores de software e camadas de samples de bateria.

Serei Processado?
Para lançar uma faixa como original e vendê-la numa loja online ou licenciá-la para uso comercial, todos os samples reutilizados precisam ser liberados — isto é, aprovados para o uso pelo artista, por escrito, e dependendo do sample, ser pago. Samples não liberados costumam aparecer em milhares de faixas de EDM. Covers melódicos não liberados estão sempre aí. À medida em que os advogados e especialistas em propriedade amadurecem e têm mais conhecimento do mundo da EDM, eles colocam mais restrições e estão mais propensos a processar por cópias e covers. Mas não me leve a sério —  vá lá e tente lançar um bootleg ou remake numa plataforma grande como YouTube ou Soundcloud. Você vai receber um aviso desagradável ou um erro dizendo que alguém detém os direitos deste vocal ou melodia. O software está cada dia mais esperto!

Acredito que tudo isso force a produção de um conteúdo mais original e proteja os direitos dos artistas. E você ainda consegue ter mais músicas grátis! Quando artistas não podem legalmente vender essas versões, eles normalmente as dão de graça. É uma boa maneira de construir sua carreira e conquistar seus fãs, contanto que não pise nos calos errados.

Em suma, existem remixes oficiais, não-oficiais (bootlegs), e remakes, então não se engane (e não erre o nome). Te vejo no mês que vem!

Nota do Tradutor: stem pode ser traduzido como haste, mas na produção eletrônica trata-se o termo pela palavra em inglês.