Um Conhecido Jornalista Canadense Está Sendo Acusado de Inventar suas Histórias Explosivas

Foto via Wikimedia Commons.

Um conhecido jornalista de Quebec, que escreveu sobre sua entrevista com o filho de Muammar Gaddafi, contando como foi andar com franco-atiradores sérvios e testemunhar a execução brutal de um torturador, teria inventado tudo, segundo uma reportagem investigativa de um jornal de Montreal.

François Bugingo, que já colaborou com a Radio-Canada, 98,5 fm, TVA e o Journal de Montréal durante mais de dez anos de carreira no Quebec, foi suspenso por, pelo menos, três meios de comunicação depois de as revelações surgirem no sábado. Anunciando que vai se retirar da esfera pública, ele afirmou que estava “chocado com o ataque” e que vai confrontar as alegações “em seu devido tempo”.

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Isabelle Hachey, do La Presse, escreveu a história depois de quase um mês de pesquisa. Após haver notado uma inconsistência numa coluna sobre a Líbia, Hachey acabou encontrando vários problemas nas reportagens internacionais de Bugingo. Ela falou com várias fontes mencionadas por ele que disseram nunca ter trabalhado com o repórter.

As supostas falsificações se estendem por mais de 20 anos até a época em que ele teria trabalhado como repórter em Ruanda.

Em fevereiro, Bugingo escreveu para seu blog do Journal de Montréal que um torturador, empregado de Muammar Gaddafi, havia dito a ele “Odeio o homem ruim que o Guia me fez ser” antes de sua execução em Misrata. Isso não poderia ter acontecido, de acordo com Hachey, porque Bugingo nem estava na cidade líbia na época. Confrontado com as alegações, Bugingo respondeu a Hachey que “não tinha ido a Misrata” e que ele “devia ter lido sobre isso em algum lugar”. Hachey disse à VICE que gravou essas admissões em fita durante uma entrevista de quase duas horas com Bugingo em 15 de maio.

Ela também descobriu buracos em suas reportagens em várias zonas de conflito, incluindo Ruanda, Somália, Iraque e Bósnia. Em uma vez, enquanto participava de um programa de TV matinal do Quebec, Bugingo falou sobre o tempo que passou com dois jornalistas em Sarajevo. Ele descreveu como um franco-atirador sérvio teria compartilhado uma garrafa de bebida alcoólica com ele e tocado violão para eles. Mas os jornalistas que ele mencionou contaram ao La Presse que nunca estiveram com Bugingo.

Na segunda-feira, Hachey publicou outra matéria sobre o suposto encontro de Bugingo e Saif Gaddafi, filho do ex-ditador da Líbia Muammar Gaddafi, enquanto ele estava preso por forças rebeldes. Bugingo mencionou o encontro em sua coluna mais de dois anos e meio depois do fato, mas carcereiros de Gaddafi falaram a Hachey que ele não se encontrou com nenhum jornalista ocidental na época citada por Bugingo.

Hachey relatou à VICE que suspeitava das reportagens de Bugingo há muito tempo, mas que só mergulhou na história após ter lido a matéria sobre o encontro com Gaddafi. O jornalista postou um itinerário de sua viagem de mais de 3 mil quilômetros no Twitter que parecia incompatível com o tempo que ele precisava para escrever seus artigos. Bugingo também afirmava que tinha falado com Gaddafi com dificuldade através de um intérprete árabe, mas o filho do ditador, ex-estudante da London School of Economics, falava inglês fluentemente.

“Depois disso, tirei um tempo para realmente pesquisar todos os blogs e colunas”, ela explicou.

Hachey disse à VICE que Bugingo foi “educado e cortês” enquanto ela o confrontava com as inconsistências de suas reportagens “ponto a ponto”.

“Ele não pareceu surpreso ou indignado, mas certamente estava na defensiva”, ela continuou. “Ele deu a impressão de que estava passando por uma inquisição.”

Bugingo respondeu algumas das perguntas de Hachey dizendo que estava trabalhando num livro sobre suas matérias e que tinha de manter alguns detalhes em segredo até que ele fosse publicado.

“Ele disse várias vezes: ‘Vou escrever sobre isso no meu livro’.”, ela frisou.

Bugingo fez duas declarações desde as revelações. A primeira, publicada em sua página do Facebook, dizia que seu jornalismo sempre foi “verificado” e “sólido”. Ele atestou que defenderia sua integridade “no momento oportuno, incluindo as questões em causa”. Mas Bugingo não negou diretamente as admissões atribuídas a ele na matéria de Hachey; além disso, não ofereceu explicações para as inconsistências que ela encontrou em suas reportagens. Numa segunda mensagem, liberada através de seu advogado, ele comentou que iria se retirar temporariamente da esfera pública para preservar “a paz da minha família e [dos] amigos.

“Prometo defender minha integridade e provar meu profissionalismo”, ele garantiu. “No entanto, vou tirar o tempo necessário para responder a essas alegações.”

Ele não respondeu os pedidos da VICE para comentar o caso.

A Federação de Jornalistas Profissionais do Quebec declarou no sábado que está “muito preocupada” com as supostas falsificações, que poderiam “manchar a credibilidade da profissão de jornalista”. A organização disse que convidaria Bugingo para se explicar antes de decidir pela suspensão dele. Ele já foi suspenso de seu trabalho na TVA, no Journal de Montréal e na estação de rádio de Montreal 98,5 fm.

Hachey destacou que não deveria ser trabalho dela investigar as reportagens de Bugingo.

“Isso deveria ter sido feito por seus empregadores”, ela disse à VICE. “A cultura de conferir os fatos que você vê nas redações americanas não existe realmente no Quebec. Há uma relação de confiança entre o repórter e o editor. Talvez isso mude essas práticas.”

Ela acredita que o episódio certamente vai ferir a imagem do jornalismo no Quebec, mas enfatiza que também foi o jornalismo que desvendou a questão.

Apesar da escassez de cobertura em inglês no Canadá, o escândalo abalou Quebec. A hashtag #bugingo foi usada mais de 14 mil vezes no Twitter desde sábado, com uma estiva de 94% de menções canadenses vindo do Quebec.

Se as alegações se provarem verdadeiras, Bugingo vai se juntar aos infames Jayson Blair e Stephen Glass, ex-jornalistas respeitados que também costumavam jogar com os fatos.

A grande ironia do episódio pode ser que Bugingo, que já foi vice-presidente do Repórteres Sem Fronteiras e presidente do extinto ramo do grupo no Canadá, já tinha criticado jornalistas por fazerem exatamente o mesmo.

“Profissionais da mídia têm o dever de denunciar a decadência da Fox News e [de] outros canais de propaganda”, ele escreveu em seu blog. “Primeiro, porque é nosso dever profissional e ético. Segundo, porque isso pode afetar nossa credibilidade diante do público.

“Em guerras e outras tragédias, a verdade geralmente é a primeira vítima”, ele concluía. “Seria trágico que aqueles chamados defensores da verdade… contribuíssem para enterrá-la.”

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Tradução: Marina Schnoor