Um rolê pela Vila Nova Palestina

Um homem fumando cigarro na beira da Estrada M’Boi Mirim nos recebe e indica onde ficam as lideranças do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Entramos na Vila Nova Palestina, uma ocupação imensa com cerca de 34 mil pessoas no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Na última sexta-feira, eles protestaram pela cidade e fecharam a Marginal Pinheiros.

Depois de subir uma ribanceira completamente enlameada, conhecemos Cláudia, militante do MTST há oito anos. Ela conta que o terreno foi ocupado no dia 29 de novembro e que os donos são advogados que já tentaram despejar os ocupas, mas tiveram sua ação negada. “Fizemos trabalho de base por dois meses antes de chegar aqui. Fomos até as comunidades, panfletamos. Além das oito mil famílias que habitam o local, temos uma lista de espera com quatro mil pessoas.”

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De shorts jeans, camiseta e chinelo, Cláudia nos guia pela ocupação e conta que há 40 anos o terreno é inutilizado. Os barracos, feitos de bambu e lona, têm tamanhos diferentes, que variam de acordo com a quantidade de pessoas que compõem a família. O chão é de terra batida. Formigas e pernilongos existem aos montes. Até de cobra ouvimos falar. Quando chove, goteja dentro de alguns barracos. O negócio é migrar para o barraco de algum vizinho que tenha uma lona mais resistente. No total, a ocupação é dividida em 21 grupos. Cada grupo conta com aproximadamente 1.200 barracos, tem sua cozinha coletiva e banheiro masculino e feminino. A água vem de um vizinho que divide a conta com o acampamento. A luz é de um gato com fios da rua. Mas a maioria não tem energia elétrica dentro de suas “casas”. A comida é doada pelos próprios moradores. Tudo é dividido. Cada um tem uma tarefa. Há quem limpe, cozinhe, carregue água, alimentos. Os coordenadores dos grupos têm listas de presença. Para estar ficar bem na fita e ter prioridade caso o local seja regulamentado, é preciso comparecer diariamente à ocupação. Quem mora de aluguel nos bairros adjacentes, reveza com outros familiares. “Tem que lutar com a gente. Não basta aparecer aqui uma vez”, conta Cláudia. “Durante toda a madrugada, fazemos rondas pelo acampamento para ver se está tudo bem, se tem briga de marido e mulher. Aqui não tem som alto nem drogas. É tudo muito organizado.”

O discurso de quem mora na Vila Nova Palestina não é diferente de outras ocupações que já visitei, como o Jardim da União. Todos querem moradia regulamentada, todos querem pagar um financiamento. Ninguém pede o terreno de graça. Porém, além de ser privada, a área da Vila Nova Palestina é de proteção ambiental. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, “Como se trata de uma Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável, a Lei de Zoneamento e o Plano Diretor não permitem construir habitação no local”. O projeto para o espaço é a construção de um parque, mas a reclamação constante dos ocupas é que exatamente em frente à Nova Palestina está o Parque Municipal M’Boi Mirim, com 190 mil metros quadrados. “Por que dois parques, um em frente ao outro?”, contestam.

Na hora do almoço, Cláudia e outros moradores grudaram em frente a uma televisão antiga para ver uma reportagem sobre eles na TV. Ficaram felizes. A âncora do jornal disse que o acampamento é muito organizado.

Conversei com alguns moradores para entender como andam suas vidas.

Raquel

VICE: Como você ficou sabendo da ocupação?
Raquel: Por uns amigos. Não posso pagar aluguel, tenho quatro filhos, sou separada. Se a gente vai na Caixa, não consegue financiar uma casa.

Você mora de aluguel?
Sim, no Parque do Lago.

Mas você fica aqui ou na sua casa?
Venho duas vezes por semana porque faço quimioterapia. Tive começo de câncer de útero.

Henrique

VICE: Com quem o senhor mora?
Henrique: Com minha mulher e meu filho de dois anos. Eu fico aqui no acampamento e ela fica em casa, aqui no Jardim Ângela mesmo. Pago aluguel lá. Meu filho tem problema com lactose. O leite dele custa R$5,75 a caixinha. O governo não dá o leite de graça.

O senhor não tem medo de dormir aqui sozinho?
Não. Aqui tem muita gente, não dá pra ter medo. Mas quando chove preciso procurar uma barraca mais segura pra ficar.

O senhor trabalha?
Sim, sou porteiro.

Regina

VICE: A senhora mora aqui?
Regina: Sim. Eu morava no Jardim São Luís, mas pediram minha casa de volta e não tive como alugar outra. Moro com minha filha e duas netas. Minhas netas dormem na cama [de solteiro] comigo e minha filha num outro colchonete.

O que a senhora faz aqui?
Sou cozinheira. Cozinho todos os dias, de domingo a domingo.

Seu barraco é muito organizado. Como foi feito?
Peguei coisas no lixão. Achei madeira de guarda-roupa, estante velha. Aí fiz o barraco.

O que vai ter de almoço hoje?
Arroz, feijão e picadinho de chuchu com batatinha.

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