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Uma ode a Bruno Varela, a estrela silenciosa do Ajax campeão da Holanda

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Este artigo foi originalmente publicado na VICE Holanda.

Nesta temporada futebolística, foram inúmeros os artigos escritos em todo o Mundo sobre a forte época do Ajax. A época em que a equipa de Amesterdão se acaba de sagrar campeã e consegue assim a primeira dobradinha desde 2002, depois de já ter conquistado a Taça da Holanda. O foco é sempre o mesmo: Frenkie de Jong é o novo Johan Cruijff, Matthijs de Ligt é um veículo blindado no corpo de um jovem central e David Neres parece estar constantemente à beira de rebentar, mas enquanto isso vai driblando defesas como se estivesse a dançar salsa.

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No entanto, há um homem que parece ser permanentemente esquecido. Ele está sempre lá, mas ninguém sabe exactamente quem ele é e o que está a fazer. Uma figura quase enigmática, constantemente a vibrar e tantas vezes envolvida no sucesso que começamos a pensar que só pode ser a razão para esse sucesso. Está na hora de uma ode a esse homem. Uma ode a Bruno Varela, a estrela silenciosa deste Ajax.

Mas, regressemos ao dia 20 de Janeiro último, um domingo, muito antes de o Ajax ser uma equipa de topo a destroçar grandes clubes internacionais. É aqui que começa a história de Varela no Ajax, embora o próprio guarda-redes ainda não o saiba. O Ajax acaba de empatar em casa, 4-4, frente ao SC Heerenveen. Os adeptos estão furiosos e em particular com Kostas Lamprou, o guardião que teve de substituir o lesionado André Onana. Lamprou não causou uma impressão estrondosa para dizer o mínimo.

Lamprou não é apenas um atleta de nível inferior ao de Onana. É também bastante baixo. Pelo menos, relativamente baixo. Num país como a Bolívia, ele poderia facilmente safar-se com o seu 1,76 metro. A infelicidade desta situação é que ele não vive na Bolívia, mas na Holanda, onde pouco podia fazer pouco para melhorar a relação com os adeptos depois do jogo contra o Heerenveen. Chega até a ser ameaçado por alguns.

O director técnico do clube, Marc Overmars, sabe que algo tem de mudar. Consulta as suas chamadas “listas de reserva”, na esperança de encontrar um novo guarda-redes suplente adequado. Os requisitos, além da capacidade de defender, são claros: um gajo grande, mas discreto apesar da elevada estatura.

E depois havia o Bruno Varela.

Quando o guardião português foi apresentado no Ajax, a 29 de Janeiro de 2019, não se sabia muito sobre ele. Vinha do Benfica, onde naquele momento se sentava principalmente no banco. No ano anterior, todavia, Varela esteve quase sempre na equipa titular benfiquista, jogou na Liga dos Campeões e até foi chamado à selecção nacional portuguesa. Vários clubes ingleses estavam interessados nele no Verão passado, mas a transferência não chegou a acontecer. No mercado de Inverno, Varela parecia estar a caminho dos turcos do Kasimpasa, mas não passou nos exames médicos devido a uma lesão no ombro. Mesmo assim, Overmars decidiu que estava na altura de largar a cana de pesca e Bruno foi para Amesterdão.

A questão do dia passou a ser como é que, de repente, o Ajax acabou com um guarda-redes português, de quem a maioria dos adeptos nunca tinha ouvido falar. O treinador, Erik ten Hag, esclareceu prontamente: “Ele era conhecido do scouting do clube e também vem da minha própria rede”. Como é que esta rede funciona exactamente não se sabe bem – Ten Hag tem homens em todo o Mundo que estão prontos a qualquer hora do dia para substituir jogadores do Ajax? -, mas Varela aparentemente tinha feito o suficiente no passado para convencer o treinador.

No momento em que o guardião assinou o contrato, vestia um casaco preto e brilhante e uma camisa verde. Tinha dois brincos, aparelho nos dentes, um relógio de ouro no pulso e um modesto bigode que parecia estar ali pendurado acima nos lábios desde o início dos anos 80. Este homem não veio para brincar, este homem veio para captar a atenção dos holofotes.

Logo após a sua chegada, Varela deu algumas entrevistas, nas quais revelou algumas informações sobre si próprio. “Sou um pouco louco, como todos os guarda-redes são”, disse, por exemplo, ao mesmo tempo que garantia ser um grande fã de Edwin van der Sar (“Ele é alto, tal como eu”). Também mencionou as suas qualidades como guardião: “Sou ágil, ágil e rápido”.

Depois, durante algum tempo, fez-se silêncio em torno de Varela – como acontece normalmente aos guarda-redes suplentes. Avancemos para terça-feira, 5 de Março. O Ajax acaba de humilhar o Real Madrid com 1-4 e os jogadores estão a comemorar numa extensa festa com os adeptos deliciados. Quando todos os jogadores do Ajax regressam ao balneário, um pequeno grupo de decide aproximar-se dos adeptos: Matthijs de Ligt, André Onana, Donny van de Beek e… Bruno Varela.

Nas semanas seguintes, Varela começou a aparecer – invariavelmente com um grande sorriso – nos canais oficiais do Ajax e nas stories de Instagram dos seus companheiros de equipa. Ele não estava em campo, mas ainda assim estava em toda parte. Numa entrevista à Ajax TV, contou como vive em Amstelveen com a sua esposa, filho e cão e falou sobre a sua amizade com Onana. Deixou a impressão de ma pessoa calma e quase tímida.

No entanto, após a vitória frente à Juventus, Varela foi mais uma vez visto a saltar, a gritar e a aplaudir no balneário. Esse é o seu domínio. Para Varela, o trabalho real só começa depois do jogo, quando é preciso alguém que saiba fazer a festa. O guarda-redes suplente tem uma qualidade que dificilmente pode ser treinada: ser forte no balneário. Na verdade, “forte” é dizer pouco. O português é o rei absoluto da terceira parte.

Após a final da Taça da Holanda contra o Willem II, o guarda-redes fez mais uma vez um festão enquanto esperava impacientemente para ser fotografado com o troféu prateado. Na foto de equipa, ele era, intencionalmente ou não, a brilhante peça central. Varela é como um adepto que ganhou um passatempo e, portanto, pode andar com os jogadores durante toda a temporada. No regresso a Amesterdão, confirmou que levava o seu papel muito a sério – não fazia ideia do que os adeptos estavama cantar, mas isso era, naturalmente, uma questão secundária:

Varela pode, pois, parecer uma contratação valiosa, mas o que dizem realmente as estatísticas? Os factos até agora: o guarda-redes fez zero partidas oficiais no Ajax esta temporada, mas mesmo assim ganhou dois troféus. Desde a sua chegada, não se sentou no banco quatro vezes devido a lesões e o que é que aconteceu em dois desses jogos? O Ajax perdeu com o Real Madrid e o Heracles Almelo. Com isto, não quero afirmar que Varela é a chave para o sucesso do Ajax, mas também não quero dizer que não é.

Durante os minutos finais do jogo em casa contra o Tottenham Hotspur, Varela sentou-se no banco, e à espreita de mais uma festa. Talentoso como é, provavelmente tinha pendurado os balões no balneário e o seu telefone já estava no modo selfie. Mas, todos nós sabemos como a coisa acabou. Talvez por isso, depois de vencer o jogo em casa contra o FC Utrecht – em que o Ajax se tornou o iminente campeão – ele tenha permanecido relativamente na sombra. Além das habituais actualizações que foi postando no Instagram, é claro.

Após o último jogo da temporada, contra o De Graafschap, Varela foi capaz de, por fim, voltar a deixar-se levar pela celebração. E, como se não bastasse, o Benfica, clube a que ainda pertence por contrato, também pode tornar-se campeão este fim-de-semana. Ou seja, apesar de não ter jogado nenhum minuto em Portugal nesta época, Bruno pode também ser sagrado campeão. Três títulos sem jogar. Números de elite.

O empréstimo de Bruno Varela inclui uma opção de compra. Se o Ajax a vai accionar ainda não se sabe, portanto o futuro dirá se Varela fica ou não – como talismã, mascote e party animal, tudo em um. No entanto, para tornar o seu estatuto mítico ainda mais mítico, seria melhor se se fosse embora. Sairia com mais títulos do que minutos jogados e permaneceria um mistério para sempre.


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