A A pedra rúnica de Rök, entalhada com mais de 700 caracteres e datada de cerda de 800 DC, é um dos artefatos culturais mais importantes da Suécia. O significado da inscrição enigmática tem gerado debate há mais de um século, mas há algum consenso de que ela foi entalhada ou encomendada por um homem chamado Varinn para homenagear seu filho falecido Vāmōðʀ.
Agora, 1.200 anos depois de seu entalhe, podemos ter descoberto mais sobre sua mensagem. A pedra pode ter sido esculpida com uma expressão de ansiedade com uma crise climática iminente, segundo um estudo publicado na quarta-feira no Futhark: International Journal of Runic Studies.
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Uma equipe interdisciplinar liderada por Per Holmberg, professor de sueco na Universidade de Gotemburgo, propôs que Varinn queria ligar a morte e a pós-vida do filho a uma preocupação mais ampla relacionada com o clima que havia sido passada pelas gerações anteriores.
“O principal objetivo de Varinn era colocar a morte do filho num contexto significativo de eventos escatológicos, através de um monumento que durasse para sempre”, Holmberg e seus colegas dizem no estudo. “A expectativa de uma batalha final contras poderes cósmicos destrutivos – de que o filho de Varinn devia participar – estava ligada a uma memória de crise climática e provavelmente da ansiedade sobre uma similar ocorrer.”
Essa interpretação destaca o fato de que mudanças climáticas têm sido uma grande preocupação para culturas passadas, muito antes dos humanos começarem a moldar o clima numa escala global.
“Pode ser bom para nós entender preocupações com o tempo e o clima de uma perspectiva histórica”, Holmberg disse por e-mail. “Tendemos a pensar que isso é uma coisa moderna. Pelo contrário, a coisa moderna pode ser não se preocupar com isso.”
Em particular, os pesquisadores destacam os eventos climáticos extremos de 536 DC, que foram descritos pelo historiador de Harvard Michael McCormick como provavelmente o “pior ano para se estar vivo” conhecido da história da humanidade, como possível fonte dos medos duradouros dos vikings sobre o clima.
Cientistas acham que essa crise climática provavelmente foi desencadeada por erupções vulcânicas que jogaram cinzas e poeira na atmosfera, causado resfriamento global. O clima imprevisível resultou na morte de plantações e fome que devastou civilizações pelo mundo. Evidências arqueológicas sugerem que a população humana da península escandinava foi reduzida pela metade pelo desastre.
Apesar da pedra de Rök ter sido entalhada uns 300 anos depois dessa crise, Holmberg e seus colegas sugerem que a lembrança dela estava sempre pairando nas memórias dos vikings. Por exemplo, Bo Gräslund, professor de arqueologia da Universidade Uppsala e coautor do estudo, antes tinha colocado a hipótese de que o impacto traumático da crise moldou o mito de Ragnarök. Essa famosa história nórdica descreve um apocalipse divino e inclui alusões aos sol se apagando e um inverno de três anos chamado Fimbulwinter.
“Os temas escatológicos de Ragnarök e a memória da crise de 536 DC, passados através dos séculos, podem ter sido reativados na época da morte de Vāmōðʀ”, especula a equipe no estudo.
Os pesquisadores também apontaram que três outros eventos celestes podem ter ocorrido durante a memória viva da inscrição da pedra: uma grande tempestade solar em 775 DC que deixou o céu vermelho, um verão muito frio no mesmo ano, e um eclipse solar quase total em 810 DC. Ansiedades latentes sobre o clima, absorvida pelas narrativas intergeracionais, podem ter sido ativadas ainda mais por essas estranhas anomalias cósmicas.
Como esse fundo em mente, a equipe sugere que algumas das alusões na inscrição podem ser relacionadas ao clima. Veja, por exemplo, essa passagem traduzida por Holmberg e seus colegas como: “Quem nove gerações atrás perdeu a vida nos Hraiðgutaʀ [ou seja, no leste]; mas ainda decide a questão?”
A equipe sugere que esse “quem” pode ser o sol, e sua morte temporária uma referência a crise de 536 DC. “Considerando a datação atual da inscrição em por volta de 800 DC e uma aproximação de cada geração de trinta anos, o evento aludido teria que ter acontecido no século seis”, os pesquisadores dizem no estudo.
“Portanto, a crise climática de 536 DC é uma candidata óbvia para a ‘morte’ do sol, quando ele não se levantou no leste”, eles acrescentaram. “Duzentos e setenta anos é muito tempo, mas a memória de nove gerações é razoável.”
Além disso, a equipe apontou que se Vāmōðʀ era o nono na sua linhagem desde a morte do sol, “sua morte poderia ter provocado a ideia de uma nova ameaça”. A batalha descrita na pedra, na qual Vāmōðʀ aparentemente estava destinado a ajudar no pós-vida, tinha um subtexto cósmico que prometia uma “Terra renovada – e um novo sol não ameaçado”, disse a equipe.
Holmberg e seus colegas destacaram que muitas outras passagens podem apoiar essa interpretação relacionada ao clima, apesar de dizerem que “não somos tão arrogantes para acredita que agora resolvemos todos os problemas do texto de Rök”.
Talvez as culturas escandinavas simplesmente tenham uma coisa com expressar mensagens ameaçadoras sobre desastres climáticos, algo que vai dos mitos de Ragnarök até os discursos potentes da ativista sueca Greta Thunberg hoje.
Mas no final das contas, muito da intenção original por trás da pedra de Rök provavelmente vai continuar cercado de mistério. “Pode ser o caso de que temos outros artefatos do mesmo período da Escandinávia que contam a mesma história”, disse Holmberg. “Mas essa é uma pergunta muito difícil que só pode ser respondida, acho, através de cooperação interdisciplinar.”
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