Tecnología

Vacina contra a dengue provou ser 100% eficaz no primeiro teste

Faz muitos anos que a dengue é uma tormenta no Brasil e em outras nações tropicais e subtropicais do planeta. É de se comemorar, então, que um teste preliminar de uma vacina contra a dengue — com voluntários deliberadamente expostos ao vírus — apresentou 100% de eficácia, segundo um estudo publicado na quarta-feira. Os resultados, dizem os cientistas, oferecem um caminho possível para agilizar o desenvolvimento de uma vacina para zika.

A dengue — um vírus transmitido por mosquitos que dá as caras em forma de quatro sorotipos diferentes — é a infecção viral difundida por mosquitos com mais de 390 milhões de casos por ano. Embora, assim como a zika, muitos casos de contágio da dengue não produzam sintomas ou causem apenas uma febre leve, a doença pode ser severa, ocasionando hemorragias internas, falência dos órgãos e, às vezes, até mesmo a morte. De acordo com os médicos, indivíduos que já contraíram um tipo de dengue e contraem um tipo diferente são os pacientes com mais risco de apresentar essas reações severas.

Videos by VICE

Os testes da vacina apresentados nessa semana, publicados na revista acadêmica Science Translational Medicine, foram 100% eficazes contra um dos quatro sorotipos, a do tipo 2, considerado o mais difícil de prever com vacinas. No estudo, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês) revela que a vacina contra a dengue desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan dá proteção completa contra o vírus.

Para avaliar a vacina, uma equipe utilizou o modelo de desafio humano: método em que um grupo de voluntários toma a vacina ou um placebo e então contrai o vírus propositalmente para ver se a vacina funciona. É uma prática um tanto controversa que demanda muita atenção e cuidado por parte dos pesquisadores.

Nesse estudo, 48 voluntários que jamais haviam contraído a dengue participaram da primeira rodada em que metade do grupo tomou a vacina, e metade tomou uma injeção de placebo, sem saberem de que grupo faziam parte. Os participantes foram observados durante seis meses para ver se a vacina surtiria efeitos colaterais (surtiu um: uma leve irritação cutânea). Quarenta e uma pessoas permaneceram até o fim da pesquisa, e todas foram deliberadamente expostas a um dos tipos de vírus da dengue.

Acreditamos que um estudo sobre a zika com modelo de desafio seria muito benéfico, não só para o desenvolvimento de uma vacina, mas também para aprendermos mais sobre a própria doença.

A vacina foi criada para prevenir os quatro sorotipos, mas os estudos só podem ser realizados com um tipo por vez (além do quê, ninguém contrai os quatro ao mesmo tempo na vida real). Portanto, os pesquisadores escolheram o tipo que se mostrou mais resistente a vacinas no passado. Nenhum dos participantes vacinados desenvolveu infecções: vírus no sangue, manchas na pele, alterações na contagem de glóbulos brancos, nada. Já o grupo do placebo… Todos as vinte pessoas apresentaram o vírus no sangue.

“O que isso nos oferece, enquanto desenvolvedores de vacinas, é uma indicação preliminar de que a vacina será um sucesso”, disse a Dra. Beth Kirkpatrick, especialista em doenças contagiosas da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e coautora do estudo. “De outro modo, levaríamos muito mais tempo para obter essa informação. Demandaria testes prolongados em campo, de três a dez anos de duração, em áreas marcadas pela doença, e provavelmente custaria milhões de dólares.”

Hoje há em curso outro experimento para estudar a vacina contra os outro sorotipos de dengue — cujos resultados devem sair no segundo semestre —, bem como um amplo teste clínico. O teste clínico, que começou no final de fevereiro, ainda recrutará 17 mil pessoas de áreas tomadas pela dengue para vaciná-las, observá-las durante as próximas duas temporadas da doença e avaliar a eficácia do tratamento. É uma pesquisa muito mais longa e intensiva, mas é um passo importante para avaliar a efetividade da vacina.

Tanto a dengue quanto a zika despontam nas regiões tropicais e subtropicais da Ásia e das Américas, mas ao passo que as mudanças climáticas colaboram com temperaturas mais elevadas, o mosquito transmissor já foi encontrado na cidade de Washington, no norte dos Estados Unidos. Com o aumento de viagens internacionais e um maior número de mosquitos, os vírus estão se tornando risco maior para cada vez mais pessoas, e vacinas eficazes viram urgência.

Se a vacina não tivesse apresentado resultados promissores no primeiro experimento, os pesquisadores provavelmente não dariam cabo ao teste mais amplo. O método do desafio humano oferece um bom custo-benefício e uma forma rápida de peneirar as candidatas a vacinas para então avaliarem quais valem a pena e quais não são muito potentes.

Os pesquisadores crêem que uma estratégia similar pode ser usada para testar as vacinas contra a zika, hoje em desenvolvimento.

“Ainda sabemos pouco sobre a zika”, disse a Dra. Anna Durbin, outra coautora do estudo e epidemiologista da Escola Johns Hopkins Bloomberg de Saúde Pública, nos Estados Unidos. “Por exemplo, não sabemos por quanto tempo o vírus da zika permanece no sangue, em que estágio da doença ele pode ser expelido na urina e no sêmen e quais são os sintomas clínicos que a zika de fato provoca. Acreditamos que um estudo sobre a zika com modelo de desafio seria muito benéfico, não só para o desenvolvimento de uma vacina, mas também para aprendermos mais sobre a própria doença.”

Tradução: Stephanie Fernandes