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VICE Sports

O melhor jeito para você parecer o Neymar no futebol da firma é com meditação

Psicólogos atestam que um programinha para expandir a capacidade de concentração é a chave para melhorar seu desempenho esportivo.
Atletas praticando meditação para melhorar desempenho esportivo
Foto: Tom Werner/Getty Images

Você já viu essa cena: está lá confiante jogando futebol, basquete ou bilhar com seus amigos. Tudo vai bem. Podemos dizer que você, olha, tá mandando bem pra caramba. E acerta mais uma bola. Então, uma voz na sua cabeça começa a falar, "VOCÊ NÃO CONSEGUE FAZER ESSE TIPO DE COISA! VOCÊ É UM BOSTA!".

Ou então outro cenário: você está correndo em uma maratona de 5 km. Segue no que acredita ser um ritmo muito bom, até que, subitamente, outro corredor o ultrapassa. E aí a voz ressurge, dizendo, "VOCÊ TÁ MUITO DEVAGAR. TÁ FORA DE FORMA. VOCÊ NÃO VAI CONSEGUIR".

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E se houvesse um jeito de calar essa voz? E se você pudesse ver de fora essas dúvidas sobre si mesmo e reconhecer que elas não passam de pensamentos, uma coisa possível de ignorar, tão fácil quanto a resposta número 3.000 no Instagram da Kim Kardashian? E se você fosse o responsável por chegar e se tornar tão focado na tarefa em mãos de modo que a ação se torne natural, suave e praticamente automática?

Uma equipe de psicólogos do esporte afirma que isso é possível, e eles desenvolveram um método para consegui-lo. De fato, de acordo com o livro recentemente publicado Mindfulness Sport Performance Enhancement: Mental Training for Athletes and Coaches [algo como Aumento da performance esportiva com Mindfulness: treinamento mental para atletas e treinadores, em tradução livre] é possível aprender a fazer tudo isso em 6 semanas.

"Nos esportes, mas também na vida em geral, as pessoas acreditam que a mente é importante, mas não se empenham para treiná-la sistematicamente", afirma Keith Kaufman, psicólogo clínico e um dos autores do livro. "Fornecemos uma maneira de treinar a mente para que você se concentre da maneira que quiser enquanto estiver realizando seu esporte, e fazer de uma forma que facilite alcançar o maior desempenho."

Independentemente de o método específico de Kaufman funcionar, existem muitas evidências convincentes de que a mente pode ter muita influência sobre os resultados esportivos. (Não é necessário levar à risca as palavras de Yogi Berra: "Beisebol é 90% mente e o resto é físico".) Uma grande quantidade de estudos mostra que isso é verdade, e eles datam, pelo menos, dos anos 1980.

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Foi quando os pesquisadores canadenses Terry Orlick e John Partington mergulharam fundo naquilo que separava os atletas medalhistas olímpicos em 1984 dos que não ganharam nenhuma medalha. Eles descobriram que a única diferença significativa entre os dois grupos foi a preparação mental. Em anos recentes, uma coleção de pesquisa fascinante já provou os benefícios do treinamento mental para os atletas, afirmando que a mente pode ajudar a fortalecer os músculos, mesmo se você não estiver exercitando-os, e que se você for um fodão do MMA, o treinamento mental pode deixá-lo ainda maior, mais poderoso, só para citar alguns exemplos. E, é claro, vale lembrar que durante os anos 1990, Phil Jackson fez o Chicago Bulls passar por toda merda de meditação esquisita – o que funcionou muito bem.

Entretanto, assim como todo tipo de autoajuda, a psicologia do esporte pode parecer um tanto piegas e pouco atrativa. Talvez seja esse o motivo por que grandes equipes esportivas e ligas custem a adotar essas práticas. Não mais. As equipes e os atletas de hoje do MLB, NFL e NBA se consultam com pelo menos um psicólogo do esporte. Mesmo alguns programas universitários, como o time de futebol americano da Universidade do Alabama, nos EUA, estão procurando a psicologia dos esportes. No Brasil, o apoio psicológico é tido como recurso fundamental para os maiores clubes de futebol do país.

E assim como centenas de formas de se fortalecer fisicamente, do levantamento de peso hardcore ao treinamento com kettlebell russo à malhação no melhor estilo prisional, existem diversas formas de treinar sua mente para um melhor desempenho. A ênfase de Kaufman, como você deve ter percebido pelo título do livro, está no mindfulness – aquela palavra da moda "sentir-se bem, mas não sei ao certo pra que serve" que um de seus amigos disse pra você tentar depois de ter feito aulas de ioga. Para Kaufman, qual é a definição dessa palavra?

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"Nós entendemos a mindfulness como a forma de prestar atenção no propósito", Kaufman afirma. "Você está dirigindo sua atenção ao momento presente, ao que acontece agora. Você não está julgando o que acontece, apenas vê o que está acontecendo da forma como é."

Pode parecer simplista, mas pergunte-se: com que frequência sua mente realmente se concentra no que você está fazendo neste exato momento? Quando você escova os dentes, abre a porta do carro, senta na mesa para começar a trabalhar, sua mente está com você? Ou ela está pensando em qualquer outra coisa – algo que você precisa fazer mais tarde, ou algo desagradável que você leu nos jornais? A ciência mostra que nossa mente perde o foco daquilo que estamos fazendo de tantos em tantos minutos. Você deve ter aprendido da pior forma que seu cérebro gosta de passar a maior parte do tempo pensando sobre um dos tópicos a seguir:

1. O passado (as merdas que você não pode mudar)

2. O futuro (as merdas que podem ou não acontecer)

3. Merdas em geral (desde as coisas negativas que você fala pra si mesmo aos delírios de grandiosidade).

Nada disso é lá muito útil – especialmente no meio de uma competição. Para compreender o motivo, vamos voltar ao exemplo de ser ultrapassado em uma corrida.

"Se você ficar preso na reação de 'oh, vou perder, quero morrer, meu treinador vai ficar pistola, meus pais vão ficar pistola', que seja, você não tem chances de sair dela", Kaufman afirma. "Você vai, basicamente, sair pela tangente mental – que não é nada bom para o desempenho esportivo."

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Quando sua mente fica presa a esse tipo de conversa consigo mesmo, não é possível se concentrar na tarefa executada. E esse é o oposto da fluidez, ou estar totalmente imerso e focado no que está fazendo. Você provavelmente já ouviu muitos atletas falarem sobre estar "em uma área". Para os psicólogos do esporte, estar "na corrente", ou "em certa área" são basicamente as mesmas coisas. O objetivo do programa de Kaufman é ajudar os atletas a atingir esse estado de fluidez.

"Um dos nossos maiores argumentos é que o tipo de mindfulness que treinamos em nosso programa pode posicioná-lo melhor para chegar ao estado de fluidez", afirma Kaufman. "As habilidades de mindfulness que treinamos o ajudam a aprender a gerenciar sua atenção de uma forma capaz de prepará-lo para atingir a fluidez, o estado pleno do desempenho."

O programa que Kaufman e sua equipe ensinam há vários anos é composto de seis aulas em grupo semanais, e alguns deveres de casa. A primeira aula é uma introdução ao significado de mindfulness e práticas de "momento presente" – basicamente, fazer as pessoas prestarem mais atenção à sua respiração, e ao que acontece quando se alimentam. A cada semana, mais movimentos são incorporados às aulas. Ao final, o objetivo é fazer os atletas aplicarem a consciência atenta aos seus esportes específicos.

"Trabalhamos com nossos participantes para que eles desenvolvam o que chamamos de meditação do esporte, isto é, é a meditação totalmente aplicada envolvendo desempenho de verdade em seus esportes", afirma Kaufman. "Os pilares são os movimentos – por exemplo, driblar a bola de basquete, movimentar o taco de beisebol ou lançar uma flecha em um arco. Queremos que eles se comprometam com aquilo que chamamos de 'mente observadora' para que possam prestar atenção ao que estão fazendo enquanto estão fazendo, mas sem microgerenciar a experiência. Apenas estar totalmente presente nela."

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Assim como qualquer habilidade esportiva, é necessário praticar para manter a técnica. Por isso que o programa de Kaufman tem deveres de casa que os atletas precisam praticar sozinhos.

"Começa com um comprometimento mínimo", afirma Kaufman. "E conforme o treino progride, fazemos práticas de duração maior. Da mesma forma como no levantamento de peso você começa com certo peso e vai aumentando à medida que progride, ficamos um pouco mais exigentes e colocarmos um pouco mais de tempo nas demandas dos alunos."

E o programa funciona? Você vai chegar ao fim das seis semanas e ficar mais iluminado – ou pelo menos um pouco melhor melhor no voleio? Até mesmo Kaufman afirma que é difícil apresentar uma resposta científica a essa pergunta.

"Na psicologia do esporte é difícil conduzir estudos controlados", Kaufman afirma. "Então a maioria das pesquisas realizadas foram testes abertos, o que significa que fizemos muitas avaliações pré e pós, diferentemente dos grupos-controle estabelecidos. Fizemos, nos últimos anos, testes controlados e randomizados com departamentos atléticos, o que é um grande passo, mas a maioria da evidência de que dispomos, é justo dizer, é mais correlacional do que causal."

Kaufman acrescentou rapidamente que, enquanto anedotas não são substitutos à ciência, seu trabalho com equipes e indivíduos mostrou que o programa pode ser bastante eficaz.

"Em geral, vemos as pessoas ficarem mais conscientes com o avançar do treinamento", afirma. Ele acrescenta que existem questionários de autoavaliação que avaliam a mindfulness de uma pessoa. "Vimos que a ansiedade, e especificamente a ansiedade relacionada ao esporte, diminui. E vimos fatores diferentes de fluidez aumentando. Aconteceram com amostras relativamente pequenas porque é difícil conseguir amostras maiores quando se faz pesquisa de campo. E parte do motivo por que escrevemos o livro é para que as pessoas peguem esse material e trabalhem com ele", diz. "São necessárias mais pesquisas."

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