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Tecnologia

A nomofobia é o medo de não conseguir olhar seu celular

Nós não podemos ser multitasking, mas nossos aparelhos exigem que sejamos.

Na conferência mundial de desenvolvedores da Apple deste mês, Craig Federighi, vice-presidente sênior de engenharia de software, afirmou que o uso de nossos telefones celulares “se tornou um hábito tal que não conseguimos reconhecer como ficamos distraídos”.

Essa confissão veio com o anúncio dos novos recursos que a Apple está desenvolvendo para diminuir isso, como uma função “Não Perturbe” durante o sono, para que o celular não receba notificações enquanto você estiver dormindo, ou ainda uma função de ajuste de um limite tempo para aplicativos como Instagram ou Facebook (apesar de que você pode muito bem ignorar esse limite se quiser).

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Por mais irônico que pareça ter que programar o telefone para parar de usar o telefone, isso faz todo o sentido. Olhei para o meu mais de 30 vezes só enquanto escrevia este artigo. Vi meus e-mails mais de dez vezes, conversei com meus colegas pelo Slack e olhei o Twitter. Nada disso é fora do comum. Quando a tela do meu telefone se acende, eu olho para ela. Quando recebo um e-mail novo, tiro os olhos do meu arquivo do word e vou respondê-lo.

É assim que usamos nossos aparelhos hoje, não é mesmo? Já em 2015, 46% dos norte-americanos afirmaram não conseguir mais viver sem seus smartphones. Existe até um termo para o medo de não poder verificar seu telefone constantemente: nomofobia, que vem do inglês “No Mobile Phone Phobia” [fobia de ficar sem o telefone]. Você pode consultar seu próprio nível de nomofobia em um questionário desenvolvido por pesquisadores; quando eu o fiz, minha pontuação foi a mais alta: nomofobia severa.

Como jornalista que precisa responder e-mails nos horários mais inconvenientes, não fiquei totalmente surpresa. Mas fiquei um pouco preocupada. Existem evidências acumuladas de que esse relacionamento que temos com nossos telefones não é nada bom para nossa saúde. Existem estudos mostrando que a superexposição à luz das telas dos aparelhos pode estar prejudicando nosso ritmo circadiano. E mais preocupantes são as evidências de que isso pode estar afetando as nossas mentes: um estudo de 2015 revelou que quando as pessoas ficam impossibilitadas de atender um iPhone que tocava enquanto elas resolviam um jogo de caça-palavras, elas se sentiam ansiosas e incomodadas, e sua capacidade de resolver a atividade ficava comprometida. Em 2011, um estudo descobriu que o modo como nossa memória funciona pode estar mudando, já que agora temos o Google para nos apresentar imediatamente quaisquer informações de que precisemos (por que se lembrar de qualquer coisa quando você pode buscar na internet?).

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E um estudo pequeno da Universidade da Coreia, apresentado na Sociedade Radiológica da América do Norte, contudo, não avaliado pelos pares, observou o cérebro de 19 adolescentes meninos diagnosticados com vício em internet ou celular. Eles descobriram que os garotos com o diagnóstico tinham níveis mais altos de GABA, um neurotransmissor inibitório do cérebro que diminui os sinais cerebrais, semelhantes a controles. Isso pode indicar que eles têm problemas para prestar atenção e manter a concentração, porém, mais estudos são necessários.

E será que um recurso do tipo “Não Perturbe” será suficiente? Como podemos fazer para usar nossos celulares — e também desenvolver os celulares — de modo que seja bom para nosso cérebro?

Antes de simplesmente jogar meu iPhone no lixo, reconheço que existem algumas opções disponíveis para combater os efeitos negativos dos celulares. Tem o Night Shift, que transforma a luz de LED azul em um tom mais alaranjado à noite, quando não há luz do sol, e os recursos já mencionados para monitorar o tempo de uso dos aplicativos mais acessados.

E nosso comportamento em geral também merece ser examinado: que generalizações podem ser feitas sobre o uso que fazemos dos nossos celulares? Earl Miller, professor de neurociência do Instituto Picower, no MIT, afirma que os smartphones nos forçam o multitasking, ou multitarefas. Nossos celulares estão constantemente acendendo, nos mostrando que temos e-mails, curtidas no twitter e mensagens dos amigos avisando que vão se atrasar -- e essas notificações interrompem tudo o que estamos fazendo (o que, quase sempre, é algum tipo de trabalho).

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Nós podemos armazenar uma vida inteira de informações no cérebro, mas elas ficam num segundo plano, na nossa memória de longo prazo, para que possamos recorrer a ela. Nós não pensamos ativa ou conscientemente sobre todo o conhecimento o tempo todo. Quando pensamos de modo consciente, Miller afirma que temos uma capacidade limitada da quantidade de coisas nas quais podemos pensar. “Os seres humanos somente conseguem pensar em uma coisa de cada vez”, ele afirma.

Pela lá, você deve estar dizendo para si mesmo, eu sou multitarefa o tempo todo. E eu sou realmente bom(a) nisso, juro. (Essa foi minha resposta.) “As pessoas estão erradas sobre isso”, Miller me conta. “E se tem uma coisa na qual o cérebro é muito bom, é a capacidade de se iludir.”

Isso é importante porque cada vez que nosso cérebro se alterna entre as tarefas, ele desacelera um pouco. “Ele precisa voltar atrás”, Miller afirma. “Ele comete erros. Isso impacta enormemente em sua produtividade, e por vários motivos. Em vez de passar todo seu tempo de qualidade pensando e processando informações no cérebro, você perde tempo alternando entre tarefas e reconfigurando seu cérebro.” Miller acredita que isso pode impactar na criatividade, porque o cérebro não dispõe de tempo para “serpentear” entre as memórias, fazer novas associações e bolar ideias e conceitos novos.

De acordo com Miller, nossos celulares estão demandando que o cérebro seja multitarefa em níveis dos quais não somos capazes, e isso afeta nossa produtividade e a qualidade geral de nossos pensamentos. Então, se meu cérebro não consegue ser multitarefa, por que sou compelido a ser multitarefa?? Por que a nomofobia existe e por que eu fico tão ansioso para olhar uma notificação nova pulando no celular ao meu lado?

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Miller afirma que isso pode ser explicado pelo funcionamento do cérebro: ele evoluiu ao longo de centenas e milhares de anos em um ambiente completamente diferente, em que não havia muitas informações a serem processadas todos os dias. Se algo novo entrava em cena, poderia tanto ser um predador quanto uma fonte de alimento, então nós nos afiamos a fim prestar atenção ao máximo em algo novo. Isso, juntamente com nossa capacidade de pensar em uma coisa de cada vez, é uma receita muito ruim para nossa interação atual e diária com os celulares. Por isso que, aparentemente, não podemos evitar de olhar quando uma notificação nova chega ou de procurar nossos celulares quando eles estão longes.

“Estamos constantemente buscando, verificando todas as fontes de informação ao nosso redor em busca de dados novos, mesmo quando a maioria é irrelevante, inútil”, Miller afirma. “Acontece que não conseguimos desligar a vontade de nosso cérebro de ansiar por estímulos, porque nosso cérebro evoluiu de um modo a ansiar pelas informações novas.”

Eu e Miller conversamos sobre como o telefone celular poderia ser projetado de modo a diminuir essa busca, essa ânsia. Como evitar a nomofobia e ajudar o cérebro a desempenhar seu melhor. Miller afirma que, em um nível muito básico, o celular ideal forneceria menos informações: sem e-mails, sem mensagens de texto, sem internet.

Como não há chance de que o próximo iPhone seja poupado de todos esses componentes, existem alguns telefones nos quais esses recursos não estão mais disponíveis. O Galaxy J2 Pro da Samsung é um telefone “burrinho” que não pode se conectar à internet nem baixar aplicativos. Eu testei um telefone projetado minimamente chamado Light Phone, que apenas faz e recebe chamadas. O desejo de andar com ele por aí — que se parece com um cartão de crédito fininho — era mínimo. Eu o deixei em casa e saí sem ele. Como não me dava nenhuma informação interessante, minha vontade de ficar olhando para ele se dissipou. (Ao mesmo tempo, eu precisava lidar com a ansiedade de quem sabe estar perdendo algum e-mail importante, ou de que meu chefe pudesse estar me procurando.)

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Ainda assim, Miller afirma que esse seria um grande conceito a ser introduzido em nossos smartphones: que pudéssemos reaprender que não precisamos estar o tempo todo disponíveis se estivermos focados em outras coisas. “Você deveria [ser capaz de] colocar o celular em um modo ‘burrinho’ por um longo período de tempo enquanto está trabalhando”, ele afirma. Isso é muito parecido com a função Não Perturbe. Ou, se seu telefone estiver vinculado a um wearable de atividade física, evitar acessá-lo até que você saia para uma caminhada de dez minutos. “Você não vai querer facilitar tanto voltar para ele”, ele afirma.

Outro recurso pode ser permitir abrir somente um aplicativo de cada vez, e por um período de tempo mínimo ou máximo. Então, se você estiver vendo seus e-mails, não poderá ser interrompido por outro aplicativo — você precisará estar focado nos e-mails e colocar sua atenção nisso.

Gloria Mark não acha toda tecnologia ruim. Ela tem formação em psicologia, mas mudou para a área da tecnologia e agora trabalha no departamento de informática da Universidade da Califórnia Irvine. Mark cria o que ela chama de laboratórios de vivência, onde as pessoas que utilizam tecnologia são monitoradas como no mundo real, e não dentro de um laboratório. Ela registra a atividade no computador e insere vários sensores neles para verificar como os níveis de estresse coincidem com o que estão fazendo na internet.

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Sim, estamos colados em nossos telefones o tempo todo, ela afirma, e isso é uma distração. Um estudo recente de autoria dela afirmou muito do que Miller me contou: que estamos muito “multitarefas”. Ela descobriu que a média de tempo total no qual uma pessoa olha para a tela é de cerca de 40 segundos antes de mudar e olhar para outro aplicativo ou janela.

Mark concorda com Miller no ponto que, em um mundo perfeito, ela gostaria que seu celular soubesse quando ela está focada em algo, e que desligasse as notificações até que ela tenha terminado o que está fazendo. Ela também acredita que seu telefone deveria ficar desligado até que você termine — sem roubar nem ignorar alguns minutos depois. “Então eu aprenderia rapidamente que se tentar acessar alguma coisa, isso não vai dar certo, então eu precisaria reaprender meu comportamento habitual”, ela afirma.

Mas ela também não tem muita certeza de que resolver um problema matemático seja a melhor forma de fazer log-in. A partir de seu trabalho, ela afirma que sabe que as pessoas estão muito estressadas, e a matemática poderia piorar isso. Talvez um celular perfeito não nos impeça nem nos previna de agirmos como “multitarefas”, mas quem sabe nos ajude a aliviar um pouco das causas do estresse — e desse nosso mundo frenético.

“Isso pode acontecer somente no futuro, mas se o telefone, através de suas câmeras, puder observar as cores em meu rosto e determinar se estou estressada, ele também poderia me dizer que é hora de dar um descanso”, ela afirma. “Ele poderá dizer algo como, ‘Gloria, você está um pouco sobrecarregada agora, hora de um intervalo, dê uma volta lá fora’.” Alguns wearables, como o Fitbit Ionic e o Apple Watch Series 3 estão tentando incluir recursos do tipo por meio da capacidade de detectar sua frequência cardíaca e orientá-lo em exercícios de respiração. Um fone de ouvido wearable chamado Muse inclusive pode ajudar a manter a mente limpa por meio de sensores de ECG no couro cabeludo, a fim de interpretar sua atividade cerebral em tempo real. Quando você estiver calmo, ouvirá som ambiente calmo e, quando sua mente divaga, o som ambiente será intensificado e “gentilmente guiará você de volta a um estado de calmaria”.

Contudo, Mark acredita que, de todas as coisas que nos distraem em um celular, algumas até que são ok: eles também nos proporcionam um jeito de nos comunicarmos com outras pessoas. “Se você estiver muito estressado e seu aparelho detecta isso, quem sabe ele possa ajudar você a telefonar para alguém de sua rede de contatos com quem você possa conversar”, ela afirma.

Nas poucas vezes em que usei meu Light Phone, senti falta de trocar mensagens com alguns de meus amigos mais próximos que, por causa de seus horários frenéticos, não consigo ver com tanta frequência quanto gostaria. Eu e minha irmã (que é adolescente) nos comunicamos praticamente só por mensagens, em conversas extremamente divertidas sobre as fofocas do colégio dela e o último episódio de Riverdale.

Com sorte, ainda vamos descobrir formas novas de manter os aspectos positivos de nossos celulares — as conexões pessoais, a capacidade de planejar se encontrar com as pessoas -- enquanto lidamos com as ruins. Até que um iPhone com bloqueio para aliviar o estresse não seja lançado, tentarei utilizar um aplicativo de cada vez para dar ao meu cérebro a oportunidade de funcionar da melhor maneira possível. Podemos tentar mudar a tecnologia para que ela sirva aos nossos cérebros, porque o contrário não vai acontecer.

“Nossa capacidade limitada parece ser fundamental no modo como o cérebro funciona”, Miller afirma. “Costumo ouvir das crianças da Geração X: ‘somos melhores em multitarefas porque crescemos com todas essas coisas e estamos acostumados a isso’. Isso não é verdade. Trata-se de outra desilusão. Isso varia um pouco de pessoa para pessoa, mas todo mundo tem uma limitação em sua capacidade de ser multitarefa.”

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