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Entretenimento

Passei 24 horas vivendo como a Jessica Jones

Investigar coisas suspeitas estando bêbada não é fácil.
AC
fotos por Ada Chen
MS
Traduzido por Marina Schnoor
À esquerda, imagem cortesia da Netflix. À direita, foto de Ada Chen.

Sempre adorei histórias de detetives mulheres fodonas. Minha avó colecionava livros da Nancy Drew, e eu devorei a série quando era criança. Agora que sou adulta, só assisto séries com protagonistas mulheres que são detetives, super-heroínas, bruxas ou espiãs. Então, quando a Netflix lançou Jessica Jones em 2015, uma série sobre uma detetive particular com superpoderes, foi como ganhar na loteria da cultura pop.

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Jessica Jones é baseada nos quadrinhos Alias (sem relação com a série da Jennifer Garner como uma agente secreta, apesar dessa também ser uma das minhas favoritas). Jessica (Krysten Ritter) é uma super-heroína fracassada que se tornou detetive particular e tem superforça, velocidade e agilidade. Ela é meio zoada. Ela é praticamente alcoólatra com uma personalidade difícil e péssimas habilidades de relacionamento. Ela também está pouco se fodendo pra agradar os outros.

Basicamente, a vibe dela é diametralmente oposta ao aspecto do meio-oeste da minha personalidade. Meu padrão básico é ser educada. Quando me mudei para Nova York, as pessoas viviam me dizendo que eu parecia “muito simpática”. Mas numa cidade de 8,5 milhões de humanos ambiciosos, sempre tive medo que ser “simpática” podia me atrapalhar. Então pensei: "Minha vida seria melhor se eu vivesse como a Jessica Jones?".

A garrafinha de água da Kara está cheia de uísque. Jaquela de couro da Acne. Outras roupas e acessórios da autora.

Antes de embarcar na minha missão cosplay, pensei numa lista de atividades essencialmente Jessica Jones, como beber uísque irresponsavelmente, nunca sorrir e espiar pessoas de uma saída de incêndio. Pensei em quebrar um caixa automático ou bater em algum cara esquisito e ser presa, como a Jessica faz várias vezes na série, mas imaginei que a VICE não ficaria muito feliz em pagar minha fiança.

Aí abordei uma pessoa que sabe mais sobre Jessica Jones do que eu jamais poderia, a produtora Melissa Rosenberg. Ela passou duas temporadas trabalhando na personagem com Ritter. Ela gostou da minha lista, mas disse que o verdadeiro segredo de viver como a Jessica Jones é entrar na mentalidade dela. “Tem essa atitude de 'não mexa comigo' que permeia tudo”, disse.

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Acabei de pular da rua para o telhado da VICE, acredita?

Para o meu experimento, eu também queria acertar o visual Jessica Jones. Ela usa roupas bastante específicas na série: camiseta e moletom sob uma jaqueta de couro, jeans rasgado, luvas sem dedos, e botas. E apesar de ser muito discutido se o look é estiloso, a figurinista de Jessica Jones Elisabeth Vastola me disse que esse não é o ponto.

“Minha inspiração foi Patti Smith, Frances Bean Cobain e outras mulheres que usam roupas que parecem bem práticas”, ela disse. O jeans e a jaqueta de couro pesada são basicamente uma armadura, assim como a atitude foda-se da Jessica, mas também devem ser funcionais.

“O poder mais incrível da Jessica é quando ela pula de um prédio e também quando usa força bruta contra as pessoas. A ideia por trás das botas, por exemplo, e ela ter estabilidade quando precisa aterrissar com força ou chutar alguém por uma porta de vidro.”

O guarda-roupa repetido também é uma questão de conveniência. Perpetuamente bêbada, a Jessica não pode gastar energia mental na hora de se vestir. Na maior parte do tempo, ela só veste o jeans sujo que achou no chão do quarto.

Vestida apropriadamente, saí para as ruas para viver um dia na calça jeans da Jessica Jones. E foi isso que aconteceu:

Cagões furtivos, cuidado.

Parte um: dormir bêbada e tomar um Red Bull no café da manhã

Na noite antes do meu dia Jessica Jones, fui para o bar na esquina do meu apartamento e enchi a cara. Na série, o vizinho/funcionário da Jessica, Malcolm, a acorda toda manhã e a ajuda com a ressaca com latas de Red Bull. Não tenho um Malcolm, então improvisei e deixei o gato da minha colega de apartamento me acordar. De mau humor, peguei minha calça jeans do chão e vesti meu figurino marca registrada da Jessica. Depois saí tropeçando pela porta para ir trabalhar, me certificando de olhar ameaçadoramente para estranhos no metrô.

Na caminhada até o escritório, parei num mercadinho e comprei uma lata de Red Bull. Quando fui pagar, o cara do caixa me chamou de linda e perguntou se eu queria uma sacola e um canudinho. Era minha primeira oportunidade de usar a atitude foda-se da Jessica. Eu disse que não e resisti ao impulso de acrescentar “desculpa” ou “obrigada” ou sorrir pro cara. Ele calou a boca e me deixou em paz. Foi legal.

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Parte dois: pegar um caso e conduzir uma investigação

Stalkear o cara que deu um perdido na sua amiga é fácil quando você está doidona de Red Bull.

No escritório, abri meu Red Bull e comecei a trabalhar. Mesmo tendo superpoderes, a Jessica paga o aluguel trabalhando como detetive particular. Decidi aceitar um caso da minha melhor amiga J., que tomou um bolo de um cara chamado D. O objetivo era encontrar esse cara misterioso e tirar uma foto dele para provar que ele não tinha morrido, mudado pra China ou algo assim.

Para dicas de como conduzir minha investigação, liguei para um detetive particular de verdade de Nova York chamado Michael McKeever. Ele me disse que o que é preciso para ser um bom detetive é conhecer as ruas e ter paciência, mas deu um conselho realmente prático: “Aprendi anos atrás, se você está seguindo alguém no metrô, e os vagões não estão muito lotados, não entre no mesmo vagão que o cara. Espere duas paradas e entre no vagão que ele estiver, assim você parece um rosto novo”.

Nada tema, Williamsburg, estou de olho nos bandidos.

Equipamento caro, segundo ele, é jogar dinheiro fora. “Você não consegue comprar uma coisa que te torna um bom detetive particular. Você acha que Eric Clapton seria ruim se tivesse uma guitarra de $200 em vez de uma guitarra de $5 mil?” Parecia que minha DSLR velha era suficiente para conduzir a vigilância.

Voltando ao caso: usei minhas habilidades investigativas no Google para rastrear o endereço do emprego de D., endereço residencial, número de telefone e contas nas redes sociais. Aí colei todas as provas que eu tinha na parede e estudei enquanto tomava meu Red Bull. Meus colegas de trabalho disseram que minha pesquisa parecia “bizarra”.

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Quando Jessica está em casa na Alias Investigations, ela também passa muito tempo tomando uísque direto da garrafa ou desmaiada na sua mesa. Eu queria que meu dia fosse o mais autêntico possível, então batizei meu energético com uma dose de uísque. Nem era meio-dia ainda. Me senti um lixo.

Parte três: fazer coisas de super-herói

Você sempre se perguntou como era fazer parkour no telhado da VICE, né?

Tinha um grande problema com meu plano de ser a Jessica Jones por um dia: não tenho superpoderes. Estava difícil encontrar uma equipe de cientistas malignos para conduzirem experimentos que podiam me matar mas também me dar força sobre-humana. Então fiz algo próximo disso, correndo pelo telhado da VICE enquanto fazia parkour tosco e pulava de cima de coisas. Aí entrei num estacionamento estranho embaixo da ponte de Williamsburg e corri por um tempo, porque parece que a Jessica está sempre correndo na série. Quando fiquei cansada e um pouco tonta de consumir só energético e uísque o dia inteiro, era hora de espionar.

Parte quatro: espiar pessoas da saída de incêndio

Sim, em plena luz do dia, mas impossível alguém me notar aqui na saída de incêndio.

No caminho para o centro para procurar o cara que deu um perdido na minha amiga, fiz uma parada para conduzir vigilância suplementar. Na série, a Jessica sempre fica de tocaia em saídas de incêndio com sua câmera e uma garrafa térmica de bebida para tirar fotos de pessoas se comportando mal. Subi numa janela e tentei flagrar pessoas de Williamsburg não catando o cocô do cachorro ou tendo um caso com o carteiro. Vi um táxi andando na contramão e tirei fotos da placa. Talvez tenha uma carreira de sucesso pra mim como policial de trânsito no Departamento de Polícia de Nova York.

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Parte cinco: pegando o bandido

A Jessica está sempre correndo. Por que ela corre tanto?

Quando entrei no lobby da empresa financeira chique onde meu alvo, D., trabalha, notei um segurança imediatamente me olhando de forma suspeita. Não era um começo auspicioso para uma tocaia. Como McKeever me aconselhou, a regra número um de conduzir vigilância é tentar se misturar. “Há casos em que você tem que seguir alguém, e você sabe que a pessoa nunca te viu. Se ela tiver que te reconhecer entre outros cinco detetives particulares, ele nunca pode te reconhecer. O ideal é ela nunca colocar os olhos em você”, falou.

Nada suspeita.

A segurança do lugar era pesada, não tinha como eu tentar subir para os escritórios sem ser pega. Decidi esperar o D. vir até mim. Meu plano era fingir que estava entregando um presente e tentar fazer ele descer para vir buscar. De uma bancada no lobby, disquei o ramal do escritório dele e caí direto na caixa postal. Ratos. Aí tentei ligar para o número principal da empresa para falar com a recepcionista. Nada. Um diretório gravado bloqueou minhas tentativas de colocar um humano na linha, não importava quantas vezes eu pedisse para falar com uma telefonista.

Desliguei e esperei pelo D. por mais um tempo, no caso dele descer para almoçar ou algo assim. Mas naquela hora eu já estava de mau humor e com fome, então só queria dar o fora dali. A única comida que a Jessica come na série é pizza, então parei para comer uma fatia no caminho para Hell's Kitchen. Era hora de experimentar um dos passatempos favoritos da Jessica…

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Parte seis: encher a cara de uísque

Esses são os caras bêbados que deram em cima de mim fumando na frente do bar.

Fui para o Rudy's Bar na 44th e 9th, porque o lugar é mencionado na série. É um boteco barato e honesto. Além disso, eles te dão um cachorro quente grátis para cada drinque, o que é muito Jessica Jones. Era o meio da tarde, mas o bar estava cheio. Quando entrei, um grupo de caras bêbados me olharam de cima abaixo e imediatamente tentaram dar em cima de mim. Lembro de pensar: “Vou ter sorte se sair daqui sem socar ninguém”.

Essa é a cara de alguém que não quer sorrir pra você.

As coisas não melhoraram muito depois que pedi um uísque puro e sentei numa mesa. Um cara mais velho em outra mesa me perguntou porque eu estava tão séria e me disse pra sorrir. Eu não poderia ter inventado um momento melhor de masculinidade tóxica. Dei um olhar raivoso para o cara e virei meu copo de uísque, aí a fotógrafa que eu trouxe comigo virou a câmera pra ele e perguntou por que ele não estava sorrindo.

Aí eu virei a mesa.

Brincadeira, mas seria uma coisa muito Jessica Jones. Em vez disso, pedi outro uísque.

Parte sete: transar no chão no meio de tinta derramada

A Jessica Jones pode parecer durona, mas de vez em quando vemos o lado emocional dela. “A Jessica tem um lado sexual e feminino. É engraçado falar disso, mas ela não está fora do alcance com seu corpo. Ela está fora de alcance de algumas maneiras, como beber até ficar louca, mas ela também é uma mulher em contato com sua sexualidade”, apontou Vastola. Vemos esse lado da Jessica algumas vezes, geralmente no contexto dos relacionamentos dela. E tem uma cena na segunda temporada que é bem quente – bom, se você tem tesão por artesanato.

É difícil dizer isso sem dar spoilers, mas vou fazer o melhor possível: uma vida é salva, um relacionamento hostil se torna menos hostil, muita bebida é consumida, e sexo espontâneo acontece – no chão do apartamento de alguém onde derramaram tinta.

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Na vida real, dar uns amassos sobre tinta derramada requer muito planejamento. Tive que comprar tinta lavável não tóxica, mais uísque e uma folha de plástico pra colocar no chão e não ser despejada. Depois de preparar tudo e colar o plástico com fita no chão, parecia mais que eu estava planejando matar o meu cara estilo Dexter.

Felizmente ele é um cara sossegado e não broxa com as coisas estranhas que faço pelo jornalismo. Talvez por essa razão, ou graças ao uísque adicional que bebemos antes de partir pro negócio, a coisa toda foi bem boba e divertida.

Por dentro estou me sentindo um lixo, dá pra perceber?

Meu dia vivendo como Jessica Jones foi exaustivo, honestamente. Todo o uísque e junk food fizeram minhas entranhas parecerem radioativas. Eu estava puta com a espécie masculina depois de ser cantada apesar da minha cara de “não mexa comigo”. E acontece que é bem difícil espionar pessoas quando você está constantemente bêbada. Não consegui fotografar o cara que deu um perdido na minha amiga, mas como o detetive particular McKeever me disse “Se acontecer, aconteceu. Se não… você não pode fazer acontecer”.

Uma coisa que gostei em viver como a Jessica Jones foi como me senti quando não me importei de ser educada com quem era escroto comigo. Saí desse dia inspirada a investir mais na “cara putaça”. Apesar de seus problemas, a Jessica é uma personagem feminina poderosa. Ela me lembrou que é OK ter um lado grosso e teimoso para conseguir o que você quer às vezes, especialmente quando é por uma causa nobre.

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