Os 100 melhores discos internacionais de 2017

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Música

Os 100 melhores discos internacionais de 2017

Nossa lista de melhores discos gringos do ano.

Compartilhamos aqui os nossos 100 discos favoritos de 2017, escolhidos pela equipe Noisey global. Você pode ouvir algumas faixas desses na Apple Music e Spotify. Confira também: As 100 melhores músicas de 2017.

Qual é o som de se envelhecer? Que som fazem relacionamentos em reconcialiação? Bem, no mundo de Mac DeMarco, todas essas coisas soam bem tranquilonas, ainda que meio tristes. This Old Dog trata de temas extremamente verdadeiros. “My Old Man” é uma canção que fala sobre como cada vez mais DeMarco vê características de seu pai nele mesmo, por mais que este tenha sido um alcóolatra ausente ao longo da maior parte de sua vida. O disco é uma meditação sobre o ato de amadurecer, se apaixonar e desapaixonar, bem como a aceitação de seu relacionamento com o pai, que retornou a sua vida após o diagnóstico de um câncer (em “Watching Him Fade” ele canta, “Even though we barely know each other, it still hurts watching him fade away”). Mesmo com toda a seriedade e peso do tema, graças às melodias de guitarra e distorções cambaleantes, This Old Dog soa como algo pra se ouvir enquanto observa as folhas caírem no outono. DeMarco é conhecido por seu senso de humor malucão, mas em This Old Dog ele deixa parte da bobeira de lado e mostra-se mais sério. É isso que acontece quando se amadurece. — Leslie Horn

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Filha daquele que muitos consideram o maior compositor francês de todos os tempos, Charlotte Gainsbourg sempre disse que as expectativas em cima dela como compositora são altíssimas. Em seus últimos discos ela deixou essa tarefa a cargo de terceiros, cantando faixas tristonhas compostas por nomes como Beck e Jarvis Cocker, do Pulp (curiosamente, dois descendentes diretos do estilo peculiarmente hilário de seu pai). Mas após o trágico falecimento de sua irmã Kate Barry, Gainsbourg sentiu uma compulsão em escrever suas próprias letras, mesmo que estas não saíssem perfeitas. Rest, o disco resultante deste experimento, chega bem perto da perfeição, lidando com desespero sem arredar o pé, abordando tanto a perda da irmã quanto do pai (falecido quando esta tinha 19 anos), em doloridos detalhes. Em uma das faixas ela rememora a bizarra experiência que é ver o corpo de um ente querido, descrevendo, em francês, “um rosto de cera”, e “perna nua escapando debaixo de um lençol”. Mas as melhores canções aqui soam estranhamente animadoras também. O produtor SebastiAn — que você talvez conheça como o francês falando de Facebook no Blond(e) de Frank Ocean — deu uma leveza sinistra ao disco, levando em conta a afinidade de Gainsbourg por disco music meio chorosa e o neon de trilhas de filmes de terror sintetizadas. Ela se referiu a ao menos uma das canções como uma “balada em um cemitério”, mas o charme de Rest está mesmo na disposição em captar os muitos lados do luto — mesmo nos piores momentos é preciso rir e dançar. — Colin Joyce

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Uma bizarra coletânea de músicas que mistura funk dos anos 70, um pouco de ska, punk e muita ansiedade. O disco, com 23 faixas que mal chegam a 2 minutos cada, captura o som exato do que é estar vivo agora, talvez melhor do que qualquer outro lançamento do ano. Em termos líricos, Thundercat usa seu belo falsete para brincar com um humor absurdo, cantando para gatos enquanto faz canções de amor sobre drogas. A tática de atirar para todo lado, pulando de uma sonoridade a outra (contando com convidados como Kendrick Lamar e Wiz Khalifa, além de lendas do rock madurão como Michael McDonald e Kenny Loggins), é uma imagem fiel da mente do millennial, incerta do que deveria ser enquanto segue se apegando ao que achou que era antes. Você gosta de passar seus sábados enchendo a lata enquanto fala sobre o fim do mundo? Este é o seu disco. — Eric Sundermann

Dentro do contexto, o título do primeiro disco com uma banda de verdade de Spencer Radcliffe é mais uma provocação do que qualquer outra coisa. Ao longo do álbum ele se vale de diversos amigos para ajudá-lo a criar uma versão apocalíptica dos clichês slowcore que passou a amar enquanto compositor. Guitarras ressoam, há crescendos aqui e ali, as batidas se arrastando enquanto Spencer conjura imagens de um mundo com um fumacê no horizonte em que todos vivem às pressas. Na deprimente visão de mundo de Radcliffe, conceitos como verdade, confiança e amor interpessoal se dissolvem em meio à ansiedade existencial que faz parte do que é viver nestes tempos, mas sabe como é, com um sonzinho gostoso, o que dá alguma esperança. É o cartão postal final de um mundo em chamas, um argumento sólido em prol da apreciação das pequenas coisas enquanto o mundo está indo pro beleléu, coisa que sempre está acontecendo. — Colin Joyce

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A maioria das bandas com mais de duas décadas de carreira já lançaram seus melhores discos há tempos, acomodando-se com coletâneas de sucesso e turnês só pra colher os frutos do sucesso passado. Daí aparece o Spoon. Uma banda que, apesar do falatório dos últimos anos, lança o melhor disco de sua carreira sempre que aparece com algo novo. Hot Thoughts toma por base a psicodelia latente introduzida no espetacular disco de 2014 They Want My Soul, processado pelo funkeado do ídolo de seu frontman Britt Daniels, o falecido Prince. O disco deixa para trás abstrações de relacionamentos e narrativas observacionais do passado para mergulhar fundo no id de Daniel — de sua febril faixa-título à caleidoscópica e rebolativa “Can I Sit Next to You”, tendo ainda o jazz desconstruído da experimental “Us”, que encerra o álbum. O que não quer dizer que o Spoon velho de guerra não esteja ali — os pianos e baixos clássicos da banda estão ali, cimentando o disco, bem como a queda de Daniel por temas políticos (“Tear It Down”), mas o que eles fizeram com toda essa base é, sem sombra de dúvidas, seu trabalho mais inovador até então — um estranho mundo que nos faz querer mais. — Andrea Domanick

Arroz de festa do USBM, o Woe evoluiu bastante desde seus primórdios humildes no quarto do frontman Chris Griggs em 2007. Ao longo do tempo, o projeto de sonoridade crua tornou-se uma banda propriamente dita com um histórico de turnês invejável. Seu quarto disco, Hope Attrition, é uma feroz adição à sua belíssima discografia. Riffs com precisão cirúrgica que jogam para escanteio a melodia que caracterizava a primeira fase da banda, limando quaisquer excessos. Grigg ainda é o responsável por maior parte da composição e suas influências externas (punk, screamo, hardcore) não mudaram. Ao passo em que os discos anteriores tratavam de depressão, religião e Satanás, este lançamento deixa bem clara a insatisfação e desdém da banda por fascismo e racismo, especialmente na fúria majestosa de "No Blood Has Honor". O Woe sempre foi uma banda relevante, mas agora, chega a ser necessária. — Kim Kelly

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Pare um instante e nos acompanhe em uma festa de verão no topo de um prédio em Oakland. As pessoas comem, bebem, jogam conversa fora. Em algum momento da noite abre-se um espaço para que o RAYS possa tocar um pouco de seu indie pop maravilhoso. Este evento pode muito bem ser coisa da sua cabeça, mas os 26 minutos deste disco não são. Nesses, seus quatro integrantes fazem uma excelente mescla de urgência pós-punk com pop de maneira fenomenal. Faixas como "Pain and Sorrow" e "Dead Mans Curve" soam como singles perdidos do Flying Nun, já “Theatre of Lunacy” vem de um lugar sempre ensolarado. Gravado pelo incansável Kelley Stoltz, com masterização do australiano Mikey Young (Ooga Boogas, Total Control, Eddy Current Suppression Ring), RAYS mistura elementos de Pere Ubu, pop neozelandês dos anos 80 e humor absurdo. — Tim Scott

O selo lisboeta Principe Discos tem sido vital para documentar uma série de sons e estilos distorcidos de dance music que se sobrepõem, vindo de vizinhanças em torno de sua cidade de origem. Mas mesmo em meio ao seu vasto catálogo de enérgicas pérolas, há pouca coisa que se compare ao som de Nídia. Reunindo sua história como dançarina na cena kuduro de Lisboa e sua afinidade por ritmos esquisitinhos, Nídia é Má, Nídia é Fudida é imprevisível, como tentar ver alguém dançar em cima de pernas de pau — não é exatamente algo bonito de se ver, mas dá pra sentir que é um feito só estar de pé ali. — Colin Joyce

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No fundo, country music é uma ramificação da tradição de se constar histórias, pregando a inclusão de todos aqueles que em algum ponto da vida foram deixados de lado por serem quem são (e muitas vezes por conta das decisões que tomaram). É um lugar onde pecadores buscam redenção e onde desajustados encontram semelhantes, mas como apontado por Karen & the Sorrows neste disco, ainda assim é um lugar estreito, que impede até mesmo os mais básicos indicadores de “alteridade” — sexualidade, identidade de gênero, histórico de classe — em favor do que muitos veriam como uma representação mais tradicional do que é sofrer. Tomemos "Take Me for a Ride" como exemplo, talvez a primeira canção do gênero a falar sobre uma mulher fazendo sexo oral em outra dentro de um caminhão. O mundo está mudando, porém, e abrindo mais espaço para que possamos definir o que é ou não country. Com uma introdução nada ortodoxa ao gênero e uma experiência de vida nada ortodoxa, Karen & the Sorrows dão continuidade ao legado iniciado por Lavender Country, trazendo um olhar queer à música country, ao mesmo tempo dando fim à tradição e prosseguindo com a mesma. — Annalise Domenighini

Durante entrevista concedida em 2016, a compositora de Montreal Kara-Lis Coverdale disse estar se acostumando com “se sentir confortável estando desconfortável”, o que, por acaso, é um bom resumo da experiência que é ouvir Grafts. Trata-se de uma única faixa de 22 minutos que baseia-se em sons distantes de órgão e os tons curativos eletrônicos de carrilhão parecem sinos de igreja e kalimbas. Onde outros artistas se baseariam nestas sonoridades de forma a criar um clima, estendendo-as, Coverdale alterna notas rapidamente. Se você já viu vídeos de um beija-flor em alta velocidade, parece com isso; a artista parece empreender grande esforço para se manter em repouso. Há uma tensão inerente ao ritmo — seus ouvidos querem relaxar, por conta da paleta de sons meio new age, mas acaba nunca rolando. Logo que você se acostuma com um belo fraseado melódico, ela muda para algo totalmente diferente. Em meio ao movimento constante, é possível encontrar paz, basta procurar. — Colin Joyce

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O segundo projeto de Obongjayar, Bassey, é considerado um EP. Mas em termos de escopo, riqueza visual e completude em geral, poderia muito bem ser um disco — que trata justamente de completude e vida, uma história de céu e inferno e uma jornada entre Londres e Nigéria, cujo título vem do termo em linguagem igbo para Deus. Entre luz e trevas, com um instrumental que parece vir das profundezas da terra, Bassey diz muito não só no que apresenta, mas também na busca interior pela verdade de porque estamos aqui e o que deveríamos fazer com nosso tempo. Pode chamar de espiritual, político, o que for: é bom demais e prova da visão implacável e pura de Obongjayar — uma observação breve e cativante dentro da mente de um dos mais promissores artistas de nossos tempos. Precisa de mais provas? Preste atenção na participação de James Massiah na faixa final do EP, “Gravity”, um ousado e colorido solilóquio que trata de inalar óxido nitroso e bater umas carreirinhas antes de botar os pés em terra firme novamente. — Ryan Bassil

Dando forma à aterradora solidão da estética sci-fi dos anos 80, o lado revoltoso dos sussurros ASMR e a convicção generalizada que o som é uma força que deve ser sentida fisicamente, Hand in Hand de Félicia Atkinson pode ser uma audição que leve a um pouco de ansiedade. Drones sintetizados funestos batem de frente com sons cotidiano enquanto a artista multimídia francesa fala sobre desejo, terror e por vezes, sobre nada em especial (On “A House a Dance a Poem”, ela vagarosamente entoa “sliding…glasssss…doors”). Félicia quase sempre acerta em suas tentativas de destituição de significados — sons, palavras e atos não seguem qualquer lógica compreensível senão a do impulso colagista que a artista tem na hora de compor. Ao longo de sua execução, Hand in Hand começa a não parecer com nada — mesmo as passagens fáceis de se ouvir no início — o que é assustador, mesmo quando não se está ouvindo aquele sintetizador que mais parece uma broca de dentista batendo em tecido macio. — Colin Joyce

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Punks surfam na new wave. Por mais que o Orion tenha sido formado a partir de nomes da cena punk de Sydney como Whores, Low Life, Oily Boys e M.O.B., seu disco autointitulado se inspirada na melodia, climas e sensibilidade de grupos pop como New Order e Pet Shop Boys. Levado adiante pelos vocais emocionados e por vezes taciturnos de Yuta Matsumura, as faixas baseadas em guitarra e synths podem ser tanto melancólicas quanto alegres. Canções como “Red Lights” e “Execution” vão te fazer dançar durante os shows ou te botar pra pensar na vida, olhando pra parede em casa. Puro pop faça-você-mesmo com um quê sombrio, atmosférico e belamente dolorido. — Tim Scott

Há certos tipos de pessoas que parecem ter nascido para viver a vida da forma mais sofrida possível. Por vezes é algo predeterminado, em outras é quase que um destino genético — inescapável não só porque você é quem é, levando em conta sua família também. Há vezes em que tudo é resultado de péssimas decisões. No caso de Jason Isbell, ambas as definições se aplicam, e o compositor fez uma carreira a partir de seus relatos para o resto do mundo, emitindo o que poderíamos considerar como verdadeiros alertas. Esta abordagem narrativa faz de seu sexto disco, The Nashville Sound, talvez mais político do que ele talvez intendesse. Ao longo do álbum, ele deixa de lado o tom intimista de canções que moem a alma (por mais que “If We Were Vampires” ameace fazer do amor uma sentença de morte) e foca num plano maior. Agora pai, Isbell não mais foca em si e em sua vida. Ele questiona tudo sob uma ótica radical, e aprende a desaprender as duras lições que a vida lhe ensinou para que possa ensinar as mais leves. — Annalise Domenighini

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Ao escrever uma biografia que acaba como best-seller você meio que já talhou seu legado em pedra, o que se aplica até certo ponto ao homem nascido Radric Davis. Ele é o Deus do Trap, um antiherói que pariu o som do rap de Atlanta atual, que acabou indo parar na cadeia e saiu de lá como um sábio criador de hits. Não há nada mais que ele precise provar, então ele simplesmente resolveu gravar uma sessão com o criador de beats mais foda do momento, resultando em Droptopwop, de longe seu disco mais paulada desde a saída da prisão. A produção enfurecida de Metro Boomin faz Gucci reviver momentos do passado em algumas de suas performances mais expressivas em anos. O gancho em “Finesse the Plug Interlude” se arrasta preguiçosamente, já “Helpless” conta com sussurros ameaçadores. Metro, enquanto isso, torna-se o Mozart do trap, criando uma sonoridade chiptune demente em “Tho”, adornando os versos de 2 Chainz e Young Dolph em sons de caixinha de música em “Both Eyes Closed”. A maior parte do material, porém, não chega aos pés da poderosa “Met Gala”, em que Gucci e Offset mandam flows iradíssimos ao som dos sinos de uma igreja e uma saraivada de batidas 808. A obra de Gucci mais uma vez faz jus ao seu legado fora-da-lei. — Phil Witmer

I Love You Like a Brother revela uma certa clareza na composição pop-punk de Alex Lahey. Ela canta em “Perth Traumatic Stress Disorder”, “Perth is lucky that she's pretty / Otherwise, I'd hate that city / The only place my heart's been torn in two”, antes de adicionar, na caruda “Always worth the lengthy flight”. São momentos como esse que mostram a habilidade de Lahey em misturar momentos de puro sofrimento com um pouquinho de humor sem soar indiferente ou apática. Em “I Haven’t Been Taking Care of Myself”, ela alterna habilmente insegurança tóxica e o que acontece quando você se projeta na pessoa amada (“Maybe that's why you don't love me as much / I need to start taking care of myself”). O domínio de Lahey ao especificar os sentimentos entre amor e ódio — tudo isso enquanto se diverte um pouco — cimentam a posição de I Love You Like A Brother como um dos melhores discos do ano. — Jabbari Weekes

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Não tem outro jeito de falar isso, mas Pretty Girls Like Trap Music de 2 Chainz é uma vibe por si só. Talvez seja um disco meio óbvio (seu segundo single, claro, é a faixa de alto potencial memético “It’s a Vibe”). Mas é assim que o cara funciona. Com este álbum, o chefão do hip hop criou todo um clima, completo com direito a trap-house rosada para combinar com a da capa do disco, uma pop-up em Atlanta que servia de galeria de arte a posto de saúde. Com este disco, 2 Chainz tentou deixar claro que ele é mais que um cara com excelentes frases de efeito, mas como resistir a frases como “my pocket pregnant, don’t want no abortion” (“Riverdale Rd”) ou “I’m so high they might call a goaltend” (“Poor Fool”) . Talvez seja meio previsível o cara ser tão charmoso e espertalhão assim, criando faixas como “4AM” com as quais você se identifica ou não logo de cara. Este disco está cheio de verdadeiras pedradas pra ouvir no repeat. — Leslie Horn

A cor que melhor descreve o disco de estreia da artista emo-folk Phoebe Bridgers é azul. É o violão pesaroso de “Smoke Signals” e o tom etéreo de “Motion Sickness”; no refrão de “Funeral” ela mesma se descreve como “blue, all the time”. Azul é a cor da tristeza e Stranger in the Alps é um disco que lida com temas como depressão e morte — mas azul também a cor do céu, do mar, do respirar e da vida em si, uma dualidade que se reflete ao longo do álbum. Sem arroubos de grandeza desnecessários, Stranger in the Alps viaja ao longo do que é ser humano: para cada confissão dolorosa de solidão, há um momento de ligação também. De maneira acessível e charmosa, Bridgers aborda temas que afetam a todos nós com surpreendente clareza: ouvir Stranger in the Alps — talvez de fones, tomando uma bebida quente em um dia frio — é ter uma experiência reveladora. — Lauren O’Neill

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Nos últimos anos, Mozzy já rimou o equivalente a 18 romances de Tolstói em instrospecção pura e histórias detalhadas sobre como é fazer parte de uma gangue. Já Gunplay tem um contrato anual em te dar um tapa na cara e lembrar que você se sente imbatível ouvindo o som dele. Naturalmente, ambos soam como se tivessem crescido rimando juntos. Faixas reveladoras e de ranger os ossos como “They Know," “Never Had Shit” e "We Ain't Going Broke" nos reasseguram que eles são uns dos poucos rappers que podem te convencer a não sujar as mãos e ainda simpatizar com um mano na prisão que nem tem uma namorada pra trocar cartas, tudo isso enquanto um vai superando o outro em termos de criatividade e intensidade. Neste ano, o rap ganhou e muito com o formato de disco em dupla, juntando grandes nomes em verdadeiras batalhas de rimas, mas nenhum projeto se saiu tão bem quanto Dreadlocks & Headshots. Afinal, se você não escuta rap pra ouvir uns manos mandando rimas em um som chamado "Gangland", que que você tá fazendo com a sua vida? —Trey Smith

O disco de estreia do Sunrot, Sunnata, é uma anomalia mesmo dentro de um gênero que celebra o esquisito e inesperado. A versão do doom metal criado por este quarteto de Nova Jérsei é tão corroído por elementos industriais que, em vários momentos, tudo se reduz a barulho gritado, filtrado por uma máscara de distorção vocal caseira. Por mais que seja o primeiro álbum de fato da banda, trata-se de seu quarto lançamento, ofuscando seus trabalhos anteriores. Como dito pelo pessoal do Noisey em agosto “O Sunrot vaga na encruzilhada entre diversos gêneros horrendos e barulhentos: sua pegada modorrenta e industrial tem muito de harsh noise e drone odioso, com espaço o suficiente para riffs — soturnos, distorcidos, que agridem os tímpanos como ondas engolindo o litoral em uma tempestade — seguidos dos urros absurdos de Lex”. Sunnata tinha que estar presente em qualquer lista de melhores de 2017 independente de quem estivesse por trás de sua criação, mas o fato de ser fruto de uns moleques abestalhados de Nova Jérsei só faz aquecer nossos corações gelados. — Kim Kelly

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Que a música melancólica com toques folk de Nadia Reid venha de um lugar tão belo quanto Port Chalmers faz sentido. O porto de Dunedin, ao sul da Nova Zelândia, é o lugar perfeito para uma canção tão introspectiva e meditativa quanto “The Arrow and the Aim”.“Richard” trata de um relacionamento que chega ao fim, em que Reid canta que Richard “loved the sound of his own voice in the kitchen by the mirror”. Richard se foi, mas a cozinha, o espelho e o sentimento não. Por mais que conterrâneos como Aldous Harding e Lorde ganhem maior destaque, Reid fez um grande álbum com Preservation. —Tim Scott

Lil Peep é pra quem ouve Take Off Your Pants And Jacket pra superar o fim de um namoro do colegial, joga MMORPGs e rejeita quaisquer atividades ao ar livre pra ficar em casa falando com estranhos na internet. Com tanto escrito sobre a música de Peep ao longo do último ano, um fato parece passar batido: não era pra ser algo bacana. É som pra perdedores, solitários e marginais, e Come Over When You’re Sober (Part One) é impactante em sua simplicidade, misturando melodias vocais pique Blink-182 com batidas de cloud-rap, sendo o melhor e mais sucinto exemplo de seu estilo e personalidade. São faixas sobre depressão, solidão, odiar a si mesmo e sofrer por amor, temas complicados reduzidos a curtos porém excelentes mantras (“Sometimes life gets fucked up / That’s why we get fucked up”). Muitos destes mantras podem soar agridoces após a morte trágica de Lil Peep, mas seguem de fácil identificação e como hinos para uma geração que lida com seus problemas ao falar no Instagram sobre eles. Come Over When You’re Sober (Part One) é um clássico dentro de um subgênero que ajudou a criar: intenso e irresistível por sua originalidade, ainda que carregado de empolgação pelo que poderia vir depois. — Emma Garland

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Aparentemente tem todo um conceito matemático no centro do novo disco de Gerald Donald como Dopplereffekt, mas como rolou com seu trabalho anterior no Drexciya, não é preciso entender o que se passa para curtir o que de fato rola nos instrumentais abstratos aqui criados. Neste caso, são nove faixas sem quaisquer batidas, ainda que percussivas do electro aquoso pelo qual o artista é conhecido, saindo das profundezas do mar rumo ao espaço. Cada música tem uma construção simples, alguns sintetizadores e ruídos que reagem de forma volátil uns com os outros. Cada parte é lenta e tranquila na maior parte do tempo, mas a forma como interagem é que cria uma espécie de combustão desconcertante. Donald (sob o pseudônimo Rudolf Klorzeiger, aliado a um tal To-Nhan) tem um talento único em determinar que elementos pegarão uma sonoridade mais ambiente e a farão estourar, pegando algo e transformando em ouro puro. Esquece a matemática, Cellular Automata é alquimia pura. — Colin Joyce

Não que um disco de black metal tão diferentão precise de um mito de criação dos mais atraentes, mas a história por trás de Immersion Trench Reverie do Yellow Eyes só serve pra deixar tudo ainda mais esquisito. Antes dos irmãos nova-iorquinos Will e Sam Skarstad partirem para a cabana em Connecticut onde geralmente gravam, eles passaram um mês na Sibéria, absorvendo toda a selvageria de sua atmosfera. Este breve período acabou conferindo ao disco um quê augúrio — há gravações de sinos, matilhas de cães selvagens e um coral da região. Faz sentido ainda que a dupla fosse parar ali: sua música sempre teve algo em comum com a solidão russa. Não é só o frio, mas a amplitude, a ideia de que faixas como “Velvet on the Horns” podem seguir qualquer direção, de riffs típicos de black metal a um clima desconfortável e destruição percussiva dentro de um minuto ou dois. É um disco que deixa possibilidades no ar, uma sensação de que tudo pode acontecer, o que é animador e aterrorizante ao mesmo tempo. — Colin Joyce

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“Soothing” a primeira faixa do sexto disco de estúdio de Laura Marling , Semper Femina, começa com uma linha de baixo meditativa. Marling canta, grave, “I banish you with love”. A faixa, por mais esparsa que seja, carrega consigo grande peso. Laura Marling é uma das mais talentosas — e sábias — compositoras de sua geração; desde seu surgimento em 2008 em Londres, ainda adolescente, Laura conseguiu cativar o público com seus gestos ternos de amor e perda, bem como a suavidade mostrada em seus trabalhos. Em Semper Femina — seu disco de maior concisão técnica e menor duração até o momento — Marling lida com a feminilidade enquanto produto cultural: o que faz de uma pessoa feminina e como metabolizar isso? Como isso é uma questão de gênero e por que? O tema pode parecer complicado e acadêmico, mas Marling nos comunica tudo ao belo som de cordas. Há ainda a carinhosa homenagem a uma amiga em “Nouel”, onde canta, “She speaks a word and it gently turns / To perfect metaphor/ She likes to say I only play / When I know what I'm playing for”. Como o resto dos trabalhos de Marling, Semper Femina é um local de refúgio e sabedoria. — Sarah MacDonald

Dos confins do Kentucky surge Tyler Childers, nascido e criado em meio a mineradores dentro de uma família profundamente religiosa, familiarizada com a ideia de que mesmo a pobreza extrema não pode impedir que alguém viva a alegria pura e simples. Por mais que Childers esteja no cenário há tempos, Purgatory é sua primeira tentativa aos olhos do grande público. Com um banjo brejeiro e uma rabeca infernal, o disco recria uma leitura sobrenatural das agruras da vida. “Whitehouse Road” e “Honky Tonk Flame” contam versões diferentes da mesma história — a história de alguém que não consegue desistir de um sonho, pro bem ou pro mal — já “Feathered Indians” e “Lady May” são retratos dolorosos e sinceros da dificuldade de se equilibriar vícios terrenos com experiências extraordinárias (neste caso, o amor absoluto). O disco brilha mesmo em “Universal Sound”, lembrete de que não importa onde estejamos, é lá que estamos e a vida é um som universal, não individual. — Annalise Domenighini

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O último disco de Maya Bouldry-Morrison como Octo Octa apresenta grande leveza. Não que isso não tenha ocorrido antes — a house music é um daqueles gêneros em que mesmo nos momentos mais sombrios, há algo de êxtase no ar — mas Where Are We Going? tem algo de diferente. Em uma entrevista com o artista multidisciplinar Terre Thaemlitz, Bouldry-Morrison refletiu sobre o fato de seu último LP Between Two Selves ser uma “mensagem queer codificada”, ao passo em que este está mais “na cara”, o que explicaria parte de seu charme. É um disco alegre sem limites, o que se expressa com samples vocais oníricos, quebradas ruidosas de bateria e um clima meio vertiginoso (como no destaque “No More Pain (Promises to a Younger Self”). Ela comentou ainda que as fases finais de composição levaram em consideração a estranha experiência de se fazer tal disco pouco após a eleição de um déspota odioso, mas mesmo os momentos finais sérios do álbum tem algo de animador: uma voz questionando “Do you feel better?” Where Are We Going? faz parecer que a resposta seria afirmativa. — Colin Joyce

O trio de Denver Primitive Man passou os últimos cinco anos construindo uma carreira frutífera faça-você-mesmo a partir de sua habilidade única de captar a mais pura essência da miséria niilista em seus discos de sludge/doom modorrento e tenso. Trata-se de uma banda absurdamente prolífica — Caustic é apenas seu segundo disco, mas os caras já lançaram outros 11 singles e splits desde 2010. Nada de descanso para os ímpios. Em Caustic, o corpulento guitarrista e vocalista Ethan McCarthy ruge contra temas como racismo, corrupção, desigualdade estrutural e depressão com seu urro imponente ao longo de riffs ruidosos, enquanto a cozinha — o baterista Joe Linden e baixista Jonatham Campos — adicionam ainda mais gasolina ao fogo. O resultado é de uma ruindade absoluta, digna do próprio Satanás, pesado como um saco de chumbo derretido — um registro cuidadosamente construído de dor e agressão sem limites. Em um ano tão cagado como esse, o Primitive Man faz questão de nos lembrar que só vai piorar. — Kim Kelly

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Birdie, o segundo disco do novo projeto do guitarrista e vocalista do Modern Baseball Jake Ewald chamado Slaughter Beach, Dog, deixa claro que ele é um homem mais sábio que sua idade revela. Ao passo em que o Modern Baseball mostrou o jovem de 24 anos lidando com sonoridades emo-pop, no Slaughter Beach, Dog ele demonstra rápido amadurecimento como compositor e produtor. Deixando de lado a fórmula roqueira do passado, entra em seu lugar uma pegada mais folk e indie-pop estilo Shins. Com letras emocionadas, que poderiam muito bem sair de um diário, Ewald logo se posiciona como o John K. Samson da geração Tumblr, com Birdie demonstrando uma paleta musical eclética que compositores com o dobro de sua idade invejariam. — Dan Ozzi

A ideia de encontrar forças na vulnerabilidade não é nova, especialmente para Caroline Spence. Spades and Roses, segundo disco da compositora de Nashville, pega essa ideia e a expande, valendo-se de uma tradição de encontrar forças na feminilidade e então se tornar mais durona. Spence conta a história de uma mulher em meio a crises sobre si mesma enquanto indivíduo e como produto de uma vida que talvez nunca tenha sido planejada de forma a incluí-la. É um relato bem feito das pequenas coisas que podem fazer da vida tão frustrante 3 de ser resultado de um divórcio e sofrer para encontrar onde você se encaixa (“Southern Accident”) a perceber que as regras mudaram logo agora que você achou que tinha conseguido (“Softball”). Spence segue os passos de cantoras-compositoras como Joni Mitchell e Laura Marling, com um toque de uísque e fúria silenciosa que só mulheres sulistas moldadas por anos de condescendência poderiam dar. — Annalise Domenighini

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Daniel Caesar não precisava de uma indicação como Melhor Disco de R&B, nem de uma apresentação com Chance the Rapper no The Late Show with Stephen Colbert, ou ainda uma série de participações bem escolhidas como Kali Uchis para que ficasse claro em Freudian que agora é a sua hora. Por mais que o som de Toronto tenda a ser bombado por conta de sua obscuridade, Caesar de 22 anos é pura luz, brilhando com os graves de seu debut Freudian com um calorzinho gostoso que fica com a gente. Freudian apresenta todas as facetas de um relacionamento, referências bíblicas e corais de apoio que nos fazem pensar em uma musa que se perdeu para o divino. “Blessed” fala de amor enquanto devoção apoiada por um órgão suave; “Neu Roses (Transgressor’s Song)” reconcilia o pecado do adultério com a devoção ao parceiro; “Take Me Away” suspira com a confusão que vem de um romance centrado na alcova — um terno destaque com auxílio de Syd do The Internet. Abençoado com um falsete envolvente e escrita sincera, Caesar é um dos poucos artistas que pode fazer um disco sobre os altos e baixos do amor de forma que soe leve, não pra baixo. — Jill Krajewski

Precious Art tem faixas sobre meleca, sobre assistir o filme UHF do Weird Al e sobre querer ser um cachorro (essa última é só latidos). Não dá pra descrever as qualidades do último trabalho de Rozwell Kid sem fazer tudo parecer meio bobo, mas por baixo desse exterior brincalhão, temos um disco cheio de alma. Claro que Jordan Hudkins pode usar humor e referências pop nostálgicas como MADtv e Michael Keaton pra deixar pra lá o que sente e pensa sobre amor, amizade e mortalidade, mas o desafio é esse mesmo. Ao passo em que Precious Art tem riffs roqueiros para serem curtidos logo de cara, curtir esse disco exige que você vá mais fundo, além das piadas, da autodepreciação — e sim, das melecas. — Dan Ozzi

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Ao passo em que a relevância de indie rock clássico de The O.C. tornou-se um surpreendente ponto a ser discutido esse ano, apenas um disco decidiu traçar novo curso para o gênero. Soft Sounds from Another Planet é um mapa estelar para muitos possíveis rumos futuros do indie e para a mente brilhante por trás do Japanese Breakfast, Michelle Zauner, que se casou com seu colega de banda antes de compor este disco. As letras fervilham com o sem-fim de emoções que tal evento causou: empolgação, ansiedade, nostalgia, às vezes tudo isso junto. “Looking back, how did I keep moving? / Didn’t know that half of me was missing”, ela canta em “12 Steps”, um roquinho animado que é uma espécie de pedido de desculpas de Zauner para um antigo amante após ter encontrado sua alma gêmea. Deixando de lado a tendência indie atual de seguir rumos mais artísticos e obscuros, Zauner deixa seus arranjos complexos mais claros em vez de afogá-los em reverb e distorção. A decisão acaba por beneficiar a natureza eclética do álbum. De longe, Soft Sounds é uma colcha de retalhos (com faixas vindo das antigas demos de Zauner) de fusões e homenagens. A faixa de abertura “Diving Woman” logo vira uma odisseia guitarreira semelhante ao que fazia o Television, já “Machinist”é um electropop meio deslocado com autotune e um solo de saxofone. Ainda assim, o coração do disco é cheio de baladas incríveis (a faixa título, “Boyish”, “Till Death”) que mostram Zauner construindo verdadeiros palácios para proteger suas preocupações e amores. Temeroso ainda que temerário, Soft Sounds é um tributo à mudança em toda sua linda confusão. — Phil Witmer

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"The world needs a good band right now” dizem em algum momento de In Search of Lost Time. “One that is going to excite people again, like KISS”. E com riffs gordos de inspiração noventista, letras espertinhas que tratam de brinquedinhos sexuais a crushes, junto de melodias chicletosas, talvez o Partner venha a ser essa banda mesmo. In Search of Lost Time é um energético passo adiante, cheio de solos de guitarra em relação a “The ‘Ellen’ Page”, de 2015, primeiro single da banda a fazer algum barulho (e ganhar aprovação da própria atriz). Josée Caron e Lucy Niles são engraçadas pra cacete, com uma química que brilha em faixas como “Play the Field”, “Everybody Knows”, e “Gross Secret”, com histórias ingênuas de tempos de escola, absorventes e ficar chapadaço, como se fossem dois amigos trocando bilhetinhos em sala de aula. — Jill Krajewski

O Homostupids deixou todo mundo meio confuso com seu hardcore punk desconstruídão. Logo, a notícia de que alguns integrantes desta banda agora estavam tocando na nova banda de Cleveland The Cowboy deixou alguns fãs sorrindo, na esperança de mais rock ridículo e loucão. The Cowboy (favor não confundir com The Cowboys, que também lançou um excelente disco em 2017), pega a sonoridade cheia de riffs e gritos de bandas da Am Rep Records dos anos 90 e adiciona uma camada extra de misantropia. As músicas raramente passam dos 90 segundos, mas não precisa de muito mais que isso não. — Tim Scott

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A capa de Pleasure, primeiro disco de Leslie Feist em cinco anos, mostra uma mulher pulando dentro de uma cerca viva, uma versão surrealista daquele meme em que Homer Simpson entra nuns arbustos. Combina bem com um LP que soa isolado, espinhoso e um pouco absurdo. O som mais presente aqui além da voz de Feist e seu jeito desleixado de tocar guitarra é o do estúdio. Ela e seu produtor Mocky exploram tanto o espaço negativo que a dinâmica se inverte — uma batida súbita ou um vocal mais emocionado de Feist batem forte. Tais surpresas servem como pontuação para as ruminações claustrofóbicas sobre problemas do coração e novos amores que compõem a maior parte do disco. Em “I Wish I Didn’t Miss You” Feist descobre que a cidade onde mora “shrunk to the size of [her] thoughts” em meio a suas tentativas de fugir de um término de namoro. “Any Party” a mostra se sentindo presa em uma terrível festa no quintal de alguém, louca pra voltar pra festinha de dois em que estava antes, acompanhada de um coral bêbado. A epifania de Feist surge no destaque blueseiro que é “I’m Not Running Away”, em que ela aprender a lidar com as porradas (“Water is running like I stay”) e ainda há espaço para admitir que é dureza acreditar no amor. Por mais que este seja seu disco mais obscuro, toques bizarros como um sample de Mastodon em “A Man Is Not His Song” fazem com que Pleasure soe convidativo a não-iniciados. — Phil Witmer

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John Maus, hein? O profundo artista do avant-synth muitas vezes é complicado de se entender por conta do tanto que fala — uma cria americana legítima, quem sabe, e há algo de único mesmo em Screen Memories. O quarto disco de Maus é um verdadeiro apanhado daquilo que tornou o homem conhecido: excelente programação de bateria, linhas de sintetizadores surreais e declarações que podem ser encaradas como reflexivas ou superficiais, dependendo de quem vê. A faixa mais direta é “Pets”, em que o refrão afirma “Your pets are gonna die”. A verdade dói, mas ouvir Screen Memories não, ao menos isso. — Larry Fitzmaurice

Ao adotar o drama típico da Broadway, Alynda Lee Segarra do Hurray for the Riff Raff poderia muito bem ter ignorado sua realidade latina no Bronx e seguir em busca de fantasias dignas de La La Land, mas ela sabe bem o valor que uma boa reviravolta tem. Como resultado, The Navigator, uma ópera autobiográfica única, surge como um tipo de reconciliação. A protagonista de Segarra, uma jovem porto-riquenha como ela chamada Navita, viaja pelas ruas da cidade, seu prédio de 14 andares, e também pelo tempo (tem uma bruxa na história) em busca de si mesma. As partes mais ousadas do enredo podem ser complicadas de se acompanhar, mas seu arco geral de insatisfação, partidas e arrependimento é universal, ecoando não só o êxodo de Segarra de Nova York como também a crise da diáspora latina nos EUA. De nada adiantaria o enredo sem boa música. Segarra mostra seu domínio sobre tradições populares em faixas como “Living in the City”, com jeitão de Bruce Springsteen e a paulada “Nothing’s Gonna Change That Girl”, partindo então para experimentações ousadas como a funkeada “Rican Beach” e “Pa’lante”, com influências de Sgt. Pepper. A dolorosa conclusão desta última, com Segarra/Navita clamando para que seus amigos, familiares e companheiros latinos perseverem, traz à tona toda a dor do disco. Trata-se de uma obra marcante não só por ser um espetáculo encantador, mas também uma grande história cheia de esperança que não tem como ser somente ficção. — Phil Whitmer

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Cinco anos e uma enorme batalha legal após seu segundo disco, Kesha chegou com Rainbow este ano, quase que universalmente aclamado. Com sua mistura de rock, country e pop, o disco mostra o talento e personalidade da cantora sem parecer forçado em momento algum. Dadas as circunstâncias em torno de seu lançamento, parecia que o disco seria um reflexo das batalhas externas e internas da artista, mas em vez disso Rainbow é pop puro, oferecendo redenção pessoal e musical ladeada por muito glitter. Faixas como “Learn to Let Go” — com seus vocais em coro, batida pulsante e súbitas mudanças de tempo — ou “Boogie Feet” — uma celebração da vida com participação do Eagles of Death Metal — renovam as bases pop de Kesha e as solidificam. Se já não era óbvio com seus primeiros dois álbuns, Rainbow prova que Kesha é uma rockstar poderosa, determinada a mostrar que farra é tão séria quanto trabalho, só é preciso um pouco mais de esforço às vezes pra tudo brilhar. — Annalise Domenighini

David Nance toca um rock de operário que soa bem, independentemente de você bater ponto na indústria local ou cursar faculdade de humanas. Na esteira do excelente More Than Enough, o guitarrista e compositor de Omaha demonstra um profundo respeito pela música da Cleveland dos anos 70 e Nova Zelândia dos anos 80. Ele apresenta uma versão “Silver Wings” de Merle Haggard com pega lo-fi, e na faixa título do disco, solta um dos rocks mais furiosos de 2017. O acrônimo de “DLATUMF Blues” significa “Don’t Look at This Ugly Motherfucker”. Abra a cerveja gelada mais próxima e aproveite. — Tim Scott

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Apesar do revival do country fora-da-lei e da popularidade daquilo que se conhece como Americana, a música country ainda sofre uma forte crise de identidade, dividida entre visões pop de felicidade e a feiúra da vida real. Jaime Wyatt — uma fora-da-lei lá do oeste que dá um toque ameaçador ao gênero após uma temporada na prisão no começo deste ano por ter roubado seu traficante — representa um lado mais casca grossa do gênero. Felony Blues é um retrato íntimo de uma mulher que foi para o outro lado: “From Outer Space” detalha o sentimento de alienação que uma cagada daquele tamanho cria numa pessoa, enquanto “Giving Back the Best of Me” e “Your Loving Saves Me” são um tentativa de ser vista como se era antes. Nem tudo é dor, e faixas como “Stone Hotel” e “Wasco” tratam de se gabar um pouquinho da credibilidade ganha ao se cometer um crime dentro de alguns círculos. É dureza e por vezes soa meio arrogante, mas você já viu alguém meio caubói que não fosse assim mesmo? — Annalise Domenighini

No meio de um ano marcado por uma ansiedade apocalíptica e divisões cada vez mais brutas, um único norte-americano de descendência porto-riquenha e irlandesa chega com uma celebração sincera do “caldeirão” que é Nova York, a próspera metrópole onde nosso Presidente cresceu e cuja qual ele nunca entenderá. Este jovem rapper não se deixa abater mesmo, porque não foi isso que Manhattan ensinou a ele: “Wik, you gon’ sit and complain? / Damn / Come on man what do you like?” A resposta: bagels, metrôs, pôr do sol nas águas do West Side. Sua colaboração com Ghostface Killah rola suave, os dois emendando rimas potentes que contradizem a diferença de 25 anos entre os dois. Wiki também quer encontrar sua alma, como vemos em “Pandora’s Box” , um relato franco de um antigo relacionamento “I was responsible / For every time I fought with you”, canta, quase chorando, acompanhado pelas batidas de Dadras e Sporting Life. Ainda assim, No Mountains chega ao fim triunfante, pois é mais uma das histórias de Nova York: “Made my own flag / I’m a nomad, a mutt”. — Alex Robert Ross

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22 anos depois do lançamento de seu último disco, o Slowdive voltou, trazendo consigo seu baterista Simon Scott, retomando os trabalhos de Souvlaki, de 1993. A distância fez bem pra banda; o disco autointitulado oferece aspereza digna de destruir falantes (“Star Roving”) e hábil atenção aos detalhes (“Sugar for the Pill”) que definem a obra da banda, de forma nova e bem pensada. É um retorno bem-vindo e uma epifania em meio ao caos — um disco tão bonito que permite que se esqueça o ruído externo e se envolva no que este oferece. Talvez porque narrativas e letras estudadas nunca tenham sido o objetivo de bandas como Slowdive — as vozes de Rachel Goswell e Neil Halstead são apenas instrumentos, guias dentro de um útero de feedback sem fim, melodias e ritmos afogados em distorção. O shoegaze pode não estar mais em meio ao revival de alguns anos atrás, mas talvez isso faça do disco — quem sabe o melhor da carreira da banda — ainda mais eficaz: música maior que a soma de suas partes, nos dando espaço, sem qualquer contexto, para seguirmos confortavelmente vulneráveis. — Andrea Domanick

Corbin (antes conhecido como Spooky Black) tem uma aura de mistério toda sua, mas ainda assim dá a impressão de ser alguém com quem podemos nos identificar, o que provavelmente explica como ele veio a se tornar o líder do tal movimento Sadboy. Em Mourn, ele leva o movimento adiante, oferecendo uma janela para que observemos o amadurecimento e evolução deste enigma musical. Em FOREST, de 2013, ele era um moleque direto quanto aos seus sentimentos e mensagem, e em sua obra mais recente, ele deixa claro ser um excelente contador de histórias que lida bem com metáforas e figuras de linguagem. “Bled dry, ignite/Show them their holes, welcome them home/Cast out, you drown/Swallow the salt, blue for the fall”, canta em “No Title”. Com um atmosfera pensativa e vocais crus ainda que refinados, Mourn é o próximo passo lógico de Corbin. Batidas lo-fi sintetizadas por nomes como Shlomo, D33J e Juice Jackal servem de base para os sinistros contos de solidão e confusão de Corbin em meio aos obstáculos da vida. “Revenge Song”, desoladora história do estupro de uma jovem menor de idade, por quem Corbin busca vingança, é um exemplo de tal execução. Seu maior feito neste disco é reconhecer que a vida é assustadora, convencendo outros de que a busca por amor compensa o horror, mesmo que esta busca seja infernal por vezes. O que temos em mãos é uma obra que encapsula o terror que foi 2017, especialmente para jovens que não sabem bem o que esperar do amanhã. — Trey Smith

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Boa parte da força do Haram vem de seu vocalista de descendência libanesa, Nader Habibi, que canta tudo em árabe mesmo, traduzindo a versatilidade de sua língua materna em punk através de seus urros amargos. O Haram sempre foi uma banda de base fortemente política, mais por necessidade do que escolha, e When You Have Won, You Have Lost, primeiro disco do grupo, não foge à regra. Faixas como “Not a Terrorist” e “American Police” são afiadas como facas, já outras mais inesperadas como “Road to Liberation”, que encerra o disco ou a ruidosa “Voice of the Hari'meen", mostram disposição em experimentar com sons além dos confins do punk. Em 2016, Habibi foi posto em observação e interrogado pelo FBI, que suspeitava da agressividade de sua música (o caso foi por água abaixo, mas não fazemos ideia se Habibi ao menos recebeu um pedido de desculpas). É fácil encarar seus gritos viscerais como uma resposta direta ao sistema racista e islamofóbico em que vivemos — o que com certeza o motiva — mas a intensidade da banda e sua paixão também vem do amor que todos os integrantes tem por hardcore japonês ultradistorcido e a alegria em fazer barulho juntos. A estrada rumo à liberação é longa e dura, mas o Haram sai com alguns passos de vantagem. — Kim Kelly

The World’s Best American Band começa com um efeito sonoro de uma arena cheia de gente gritando e aplaudindo — porque na cabeça do White Reaper, esse é o seu lugar. E talvez seja mesmo. A banda de Louisville, Kentucky, mandou ver num disco de adoração ao rock que é pura diversão e, como deve ter dado pra sacar, um pouquinho arrogante. O álbum funde o clima de hinos roqueiros de bandas como Thin Lizzy e KISS com a atitude de ninguém me diz o que fazer dos Ramones. The World’s Best American Band é um disco pra você colocar uma jaqueta e treinar air guitar na frente do espelho estilo Pete Townshend enquanto sonha com um mar de fãs com seus isqueiros acesos. — Dan Ozzi

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Ao passo que King of Memphis em 2016 foi o grande anúncio da intenção Dolph em ascender ao trono do rap, Thinking Out Loud já mostra o cara ali, defendendo a coroa. Aqui, ele se afasta um pouco da sonoridade trap tradicional de KoM para criar uma imagem mais refinada e acessível de sua vida, colaborando com gente como Ty Dolla Sign e DRAM em pedradas que parecem mais prontas pras pistas que seu material anterior, ainda contando com narrativas revigorantes que se tornaram sua marca. Por vezes, não importam estruturas ou jogos de palavras complexos, mas sim ser direto com o que pensa e sente, não tentar fazer a realidade mais bonita do que é. Expressividade, abertura e honestidade são tão desafiadoras quanto (ou mais) que ser um puta escriba, e Dolph continua sendo mestre na arte de mandar a real. Ele não dá a mínima se você não liga pra sabedoria que ele compartilha (ou as paradas caras que tem). Dolph não quer só entreter: ele quer motivar e encorajar você a chegar onde ele chegou e sabe que te falar qualquer coisa além da verdade seria um desserviço a todos os envolvidos. — Trey Smith

Mozzy tem um problema que certamente causa a inveja de seus colegas: o cara tem sido tão consistente ao longo dos últimos anos que fica complicado saber o que se destaca em meio aos seus lançamentos. Com 1 Up Top Ahk, o rapper de Sacramento finalmente fez os ajustes necessários para superar este probleminha ao oferecer um olhar ainda mais profundo sobre o que o motiva. Em “Prayed for This” ele relembra seus demônios sempre que visita sua antiga vizinhança, mesmo quando vai ali para curar feridas do passado. “Afraid” mostra um Mozzy que aceita as dificuldades, propondo que ajuda não é algo necessário quando você sofre o castigo merecido. “Sleep Walkin” é um exemplo de habilidades dentro do rap, mas o que a torna tão recompensadora é expor seus ouvintes a coisas que mais o afetam: perder sua filha pro conselho tutelar, o lado ruim de ser afiliado a gangues e querer o melhor para quem nasceu sem nada. — Lawrence Burney

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Too Bright, o disco anterior de Mike Hadreas como Perfume Genius, mostrou o compositor de Seattle partindo rumo a territórios mais sintetizados — e seu sucessor, No Shape, trilha o mesmo caminho, com resultados explosivos. Hadreas continua no papel de cronista de temas espinhosos, mas sua música nunca soou tão aberta e convidativa, alternando momentos M83 explosivos com pegada Enya sem nada disso parecer deslocado. Hadreas surgiu no começo desta década com um piano, com canções distantes e desfocadas, ainda que de fácil identificação; desde então, a imagem só tem ficado mais clara, e No Shape é um retrato emocionado de um artista que continua a se desenvolver de maneiras novas e surpreendentes. — Larry Fitzmaurice

Tudo soa muito fácil pra Lil Uzi Vert em Luv Is Rage 2. Como mencionado casualmente em uma de suas faixas, o cara fez um disco inteiro em um mês, e independente disso ser fato ou não, Uzi destrói ao longo da enxurrada de 808s neste disco, fazendo parecer que trabalhar no piloto automático é uma boa ideia. Ele mostra seu dom para melodias, bem como um novo recém-descoberto talento para sons mais dançantes, caso de “Cha-Cha Slide”. Mas assim como seus predecessores Young Thug e Lil Wayne, o cara bate mais forte quando mostra seu lado emocional. Seus instintos seguem em alta, expostos como nunca no drama adolescente sonoro que é Luv Is Rage 2. — Jabbari Weekes

Há algo de reconfortante em saber que o Propagandhi sempre está por aí, nas sombras de Manitoba, esperando o tempo certo para surgir mais uma vez distribuindo bordoadas. O último ano e todo o inferno político envolvido certamente serviram como o sinal de alerta para que os ícones punk retornassem com seu Victory Lap. A banda ocupa um espaço único nos dias de hoje: por mais que tenham dado seus primeiros passos na música como jovens esnobes punks canadenses nos anos 90, hoje, servem como seus anciões. Suas vozes são muito bem-vindas, mas agora eles preferem ampliar as vozes dos marginalizados. Em termos sonoros, Victory Lap incorpora muitos dos elementos utilizados pela banda ao longo dos anos, do punk quase pop ao rock veloz e power metal. — Dan Ozzi

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Levar adiante uma música com pouco mais que um piano e voz é sinal de habilidade — um talento enorme na esteira de ícones onipotentes como Elton John e Stevie Wonder. O rapper britânico Dave não faz música nem próxima dessas duas lendas, mas em Game Over ele apresenta esta mesma habilidade artística. Em “How I Met My Ex”, ele conta habilmente uma história ao longo de sete minutos, sem qualquer faixa de apoio além do piano, cada acorde impressionando pela intensidade que fornece ao ouvinte. Rimar como o cara rima aqui — e por tanto tempo — é algo inédito no rap britânico, e faixas tão longas quanto — “Question Time”, dedicada à Primeira Ministra Britânica, e a intrincada “My 19th Birthday”— destacam quão especial ele é, enquanto artista. Skepta pode ter chutado a porta, Stormzy pode ter tido o sucesso, mas é Dave que assume o trono do rap britânico com Game Over. — Ryan Bassil

Aqui, pela primeira vez, Dylan Baldi afirma ter escrito letras antes de entrar em estúdio e os pequenos surtos niilistas dos primeiros três discos da banda ganham alguma forma e propósito. Após mudar-se para Massachusetts para morar com sua namorada e ver tudo ir por água abaixo quando ela saiu em turnê, Baldi, sozinho, teve que reconsiderar tudo: seu comportamento, seu estilo de vida, suas composições. Sendo assim, Life Without Sound é o som do jovem compositor de 25 anos amadurecendo. O disco começa com o alívio de “Up to the Surface”, para além da inércia, finalizando com ele tentando entender seu destino e pensando em uma força maior. Pelo caminho, Dylan encontra virtudes em si mesmo que não se incomodaria de manter enquanto ataca todo o resto: “Darkened rings, with a few bright highlights”. Há algo de profundamente humano no hábil e melódico post-hardcore do Cloud Nothings, resta agradecer a seja lá qual for o deus com quem Dylan Baldi está às voltas agora. — Alex Robert Ross

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Benjamin Booker foi tratado como um prodígio roqueiro quando lançou seu disco de estreia em 2014. E por que não seria? Para fãs do gênero que vivem atrás de um messias guitarreiro que poderá trazer de volta os dias de glória do gênero, sabe Deus quando foram, Booker parecia ter o perfil correto — bonitão, carismático, altos riffs, escolhido por Jack White para uma turnê. Era o pacote completo. Mas em seu sucessor, Witness, Booker não parece estar interessado em se encaixar no molde de ninguém. Aqui, ele derruba as paredes ao seu redor para criar espaço para a rápida expansão de seu som. Muito dos rocks pra bater o pézinho de outrora deram lugar para uma pegada mais blueseira. A faixa-título até tem uma vibe meio gospel, com backing vocals incríveis da lendária Mavis Staples. Witness é um disco sobre confrontar as coisas que mais te assustam, mas fica claro que Booker não teve medo de evoluir. — Dan Ozzi

Ouvir Guppy, disco de estreia do quarteto do Brooklyn Charly Bliss, é como encher a cara de doces: muito açúcar, um leve azedume, mas sem a dor de barriga. Eva Hendricks é uma da melhores vozes do rock no momento, seu tom açucarado elevando ainda mais a composição contagiante e letras introspectivas do disco. Cheio de canções que parecem ter saído da trilha de filmes adolescentes como Josie e as Gatinhas ou Dez Coisas que Eu Odeio em Você, Guppy é uma viagem nostálgica adorável, bem como uma empolgante visão do futuro — além de ser divertidíssimo. — Lauren O’Neill

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Rappers adolescentes nos dias de hoje estão mais preocupados com a próxima balada, onde arrumar maconha boa e que roupas caras acabam de ser lançadas. Enquanto jovens adultos com dinheiro demais, é direito deles mesmo. Mas não é bem o caso do rapper de Batom Rouge YoungBoy Never Broke Again em AI YoungBoy. Em 2017, o jovem de 18 anos escapou de uma acusação de tentativa de homicídio e viu seu terceiro filho nascer, o peso destes dois eventos e as complicações relacionadas ouvidas em cada faixa aqui. YoungBoy rima mais pesado do que nunca ao falar do que é preciso para seguir rumo à salvação. De forma cada vez mais terna ele fala sobre tirar sua família de longe da Lousiana, uma declaração emocional que vai além de sua pouca idade. — Lawrence Burney

O Weaves é uma das melhores bandas de Toronto. Seu disco de estreia lançado em 2016 nos permitiu vislumbrar seu poder, agora cimentado com seu novo álbum, Wide Open, em que a banda assume diferentes personalidades ao longo de suas faixas. De “#53” a “Walkway”, temos uma banda fixa de uma casa noturna, descolada e divertida, ainda que profunda e cheia de propósito, como vemos em “Law and Panda”, em que Jasmyn Burke canta “I dare you to question the man / because we got something he can’t stand”. De “Wide Open” até o ponto focal do disco, “Scream”, que conta com a participação da cantora gutural Tanya Tagaq, há uma espécie de explosão; um embate e um desmoronamento. O restante do disco é harmonioso, como se tudo estivesse voltando pro lugar, com as composições de Burke tendo amadurecido ainda mais após o excelente disco de estreia da banda. A faixa final, “Puddle”, é uma canção dolorosa que começa no violão enquanto Burke canta “I’m giving a voice to the person you saw in my eyes”, soando como a Karen O desta geração. — Sarah MacDonald

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Ao longo dos últimos anos, Stormzy deixou de ser uma cria do grime para se tornar parte da cultura britânica tanto quanto fish and chips. O cara é mais realeza que a própria família real. Tendo isso em mente, o lançamento de Gang Signs & Prayer, seu disco de estreia, nunca que passaria despercebido. E quer saber? O mano arrebenta. De “Big For Your Boots” ao grime feroz e gélido de “Cold” ao calor gospel de “Blinded By Your Grace Part 2 (feat. MNEK)” e o romance de “Cigarettes & Kush (feat. Kehlani and Lily Allen)”, o disco soa como uma baita demonstração de talento e prática em diversos gêneros: é uma declaração de valores, uma bandeira plantada firmemente na lama. — Daisy Jones

Apricot Princess, disco de estreia do Rex Orange County, certamente é um dos discos mais coloridos e ricos emocionalmente que vimos esse ano. E por mais que possamos colocá-lo nas caixinhas do rap, pop ou soul, ele é muito mais que isso. É um disco definido por estéticas, por sensações. Composto por cordas reflexivas, sintetizadores alegres e doses leves de piano, com vocais rap e cantados, parece o equivalente a um filme do Harmony Korine ou uma série de fotos instantâneas tiradas no verão do seu primeiro amor. “And there's not a day that I won't be yours, and I'm glad I'm not alone anymore, is this too good to be true?”, canta em “Sycamore Girl”, capturando perfeitamente aquele clima de começo de namoro, que é a essência do álbum. — Daisy Jones

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Em 2016, Haley Fohr fez um ciclo de canções experimentais inspiradas em outlaw country. Em vez de lançar tudo no Bandcamp, ela criou uma personagem nova: Jackie Lynn, uma traficante de cocaína fugitiva com um chapéu vermelho de caubói. Seu novo disco como Circuit des Yeux não tem um pano de fundo tão elaborado, mas tem uma história bem intensa. Após um período de tumulto existencial e interpessoal — que em algum momento a fez “convulsionar, vomitar e chorar” após cair no chãoReaching for Indigo é o som de uma nova Fohr. Em meio ao prog-folk de “Paper Bag”, ela canta com a confiança de um Moisés descendo a montanha (ou quem sabe um Robert Plant do Zeppelin III). Trata-se de um despertar espiritual manifestado em oito curtas canções, o cumprimento da profecia de Belinda Carlisle e do Livros das Revelações: o paraíso pode mesmo estar na Terra. — Colin Joyce

A festa citada em After the Party são os seus vinte e poucos anos e todo o sexo, drogas e rock que rolaram ao longo desses anos. Assim que você dá play neste disco, os Menzingers te levam numa jornada pós-30. “Where are we gonna go now that our twenties are over?” questiona Greg Barnett com seu vocal característico na primeira faixa do álbum. Claro que não há respostas a essa pergunta aqui, apenas lamentos sobre o tempo que se foi e nostalgia sobre memórias doces e dolorosas. No final, Barnett parece ter encontrado algum conforto nas imagens mentais que tem de sua juventude, por mais mundanas que sejam. — Dan Ozzi

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2017 foi excelente para a londrina Mabel. No começo deste ano, ela lançou seu primeiro EP, Bedroom, e desde então só coleciona vitórias com a estelar mixtape Ivy to Roses. Há algo pra se amar em cada faixa aqui, da despojada “Low Key”— um hino para qualquer um que já teve que falar pr’aquele match do Tinder que não queria conhecer seus pais depois de dois encontros — até a arriscada “Ivy” em que Mabel é acompanhada somente por um piano, deixando claro que é uma Vocalista com V maiúsculo. Ela é versátil o suficiente sem sacrificar sua sonoridade característica, então Ivy mistura pop tradicional com R&B e a angústia que é tentar encontrar alguém nos dias de hoje — um monte de canções de amor para millenials, sons para trepar, brigar e trocar DMs. — Lauren O’Neill

Number 1 Angel é possivelmente o trabalho mais coeso de Charli XCX até então, mostrando sua evolução enquanto compositora e colaboradora de Iggy Azalea em alguém interessada em sons mais lado B. São dez faixas de pop experimental com uma pegada niilista, maximizando sentimentos fugazes: “Roll With Me” é sobre aquela trocada de olhares na pista de dança, “Drugs” trata do sentimento que só surge no início de um relacionamento e “3AM” é o conflito interno que surge quando te ligam bêbado depois que tudo acabou. Em termos sonoros, Charli XCX sempre foi atrás de diversão de rebeldia, mas Number 1 Angel mostra uma Charli disposta a colaborar com artistas e produtores de maneira tão íntima que parece mesmo que estão só passando microfones no meio de um show, se divertindo a valer em mundo criado por ela sem qualquer compromisso. — Emma Garland

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Muita gente já tentou fazer música para o fim do mundo. Com Hug of Thunder, o Broken Social Scene conseguiu. Em faixas como “Halfway Home” e “Skyline”, estes campeões do indie rock canadense distribuíram camadas e camadas de instrumental e corais que envelopam o ouvinte como um edredom pesadaço. “All along we’re gonna feel some numbness / Oxymoron of our lives”, canta docemente Leslie Feist na faixa título do disco. É verdadeiro e cru, mas te faz sentir melhor. Isso porque com todos os metais e sopros e guitarras e pianos, Hug of Thunder traduz em som o conceito de segurança. — Leslie Horn

Bicho, tá afim de voar? Nightmare Logic do Power Trip e sua sonoridade visceral te farão sair voando pela galera, surfando rumo ao apocalipse. O empolgante segundo álbum do quinteto de Dallas é um disco agressivo que mistura thrash e death metal de mentalidade hardcore rumo ao novo mundo. Riffs monstruosos soam como lança-chamas e serras elétricas, e tudo mantendo uma certa melodia em meio ao caos. Em termos líricos, a banda segue com temas políticos como em “Executioner’s Tax (Swing of the Axe)” e “Waiting Around to Die”, adotando uma mentalidade distorcida e absurdista que é o que faz da música pesada algo tão maravilhoso. — Eric Sundermann

Chamar Future de prolífico agora já virou clichê. Ele lança MUITA coisa. É assim que o cara funciona. O artista de 34 anos lança projeto após projeto, sempre se desafiando como artista de forma a crescer e mudar com cada som enquanto mantém a essência do que faz suas músicas tão atraentes. Em FUTURE, um de seus três lançamentos deste ano, o rapper chega com um de seus trabalhos mais completos até então. Nayvadius sabe que esse é o que melhor lhe representa — ele batizou a parada como FUTURE, afinal. Faixas como “Draco” e “Mask Off” mostram seu hedonismo festeiro, enquanto “Might as Well”, “When I Was Broke”, e “Feds Did a Sweep” revelam o lado destrutivo de nosso herói e suas noitadas regadas a drogas e arrependimento. O mundo segue girando e Future continua aqui — mais belo e trágico do que nunca . — Eric Sundermann

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Para crentes fervorosos nas possibilidades radicais do prazer, o segundo disco de Fever Ray tem só hinos. Vivendo à beira do desastre nuclear, ecológico e pessoal, Karien Dreijer — a força motriz do projeto — oferece uma forma de retomar o poder, ainda que de forma minimalista: “every time we fuck we win”. O destaque do disco vai para “This Country”, de sonoridade rave industrial, já seu single “To the Moon and Back” aborda o poder transformador do desejo queer, explorando a forma com que existências pessoais tornam-se inerentemente políticas e as maneiras com que estas explorações podem remapear as dinâmicas de poder tóxicas e abusivas que ameaçam a existência da humanidade. Tudo ao som desesperançoso e ruidoso de Dreijer e seus produtores, que incluem Peder Mannerfelt, Paula Temple, Nídia e mais. Tudo acaba soando bastante apocalíptico, mas o mundo é assim, né? — Colin Joyce

Millennials são pessoas deprimidas que adoram a sonoridade dos anos 80, então faz sentido que o quinto e melhor disco do Paramore, After Laughter, seja um disco que afete qualquer um meio jovem e cheio de ideia errada na cabeça. É complicado definir — de maneira que não soe puro fetichismo — a o que Hayley Williams se refere aqui. Ainda assim o álbum reforça Williams como cronista de sua geração de forma que muitos gostariam de ser, fazendo a ansiedade de viver e a necessidade de reconhecer sua própria dor soem como algo divertido e cheio de sintetizadores. Mas mais importante que isso tudo, Williams admite que há espaço para luz também: “They say that dreaming is free”, canta, vulnerável, na faixa mais calma do disco “26”, “But I wouldn’t care what it cost me”. — Larry Fitzmaurice

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O segundo disco do Ragana, You Take Nothing, muitas vezes encobre sua raiva e melancolia com a luz fria do inverno, com poucas passagens melódicas e sussurros atuando como a canção de ninar ameaçadora que vem antes da tempestade. A dupla de Olympia, Washington leva consigo o espírito terroso e enevoado de sua cidade natal, conferindo a You Take Nothing (e seu predecessor, Wash Away) um quê de abertura, selvageria, e, crucialmente, vulnerabilidade. É difícil descrever porque o Ragana é tão especial: só ouvindo mesmo. No fundo, You Take Nothing é um disco bastante emotivo, onde o político é pessoal e vice-versa. Cada sílaba gritada aqui é uma oração e uma maldição, cada nota, um aviso. A postura anarco-feminista da dupla e dedicação ao faça-você-mesmo ganham destaque em tudo que fazem, dando a banda um senso de urgência radical, raiva fervilhante e profundidade emocional. — Kim Kelly

Desde o começo de Swear I’m Good at This, Diet Cig quer que você saiba qual é a da dupla. A primeira faixa “Sixteen” começa com uma tremedeira, mas três minutos depois deixa claro que se trata da desaprovação furiosa de um relacionamento cagado — através de lembranças sexuais menos do que ideais — com uma sonoridade pop punk acelerada. É uma declaração bem abrangente. Ao colocar a franqueza no centro de tudo, Swear I’m Good At This soa catártico para quem ouve e quem toca, ao passo em que Alex Luciano exorciza seus demônios (sua voz é tão pura que não teria nunca como disfarçar o que sente) e você vai na dela, lamentando um aniversário triste ou furiosa com a desigualdade de gêneros no punk rock. Swear I’m Good at This é um disco com o qual nos identificamos porque fala o que pensa — tudo mesmo. E é foda, o que também ajuda. — Lauren O’Neill

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Turn Out the Lights, o segundo disco de Julien Baker, soa como a parte dois de um disco duplo — a primeira sendo o excelente Sprained Ankle de 2016. Se aquele disco lidava com Deus, abuso de substâncias, saúde mental e relacionamentos, Turn Out the Lights lida com o vazio deixado por isso tudo. Dessa vez Baker está menos silenciosa, trocando o folk de antes por luxuriosas composições com piano, guitarra e cordas (só após algumas audições você percebe a falta de percussão). Cada faixa pega aos poucos; a voz de Baker muitas vezes surge meio rachada, com confissões simples do tipo “But there's a comfort in failure / Singing too loud in church / Screaming my fears into speakers / 'Till I collapse or I burst”. E então ela transcende, cantando sobre momentos de fraqueza e transformando-os em vitórias — não é bem uma resolução, mas é catártico do mesmo jeito (se o final de “Claws in Your Back” não te arrepiar, vá, ao médico). Turn Out the Lights é de uma sinceridade que dói, e no final, ancora-se no único tipo de esperança que faz sentido: “Maybe it's all gonna turn out alright” ela canta em “Appointments.” “Oh, I know that it's not, but I have to believe that it is.” — Andrea Domanick

Courtney Barnett e Kurt Vile se juntando num disco faz tanto sentido que seja lá quem for o presidente do Indie Rock precisa ser tirado de lá por não ter feito isso rolar antes. Lotta Sea Lice é um disco perfeito pras tardes de domingo. Dois amigos que são ótimos no que fazem se juntam e tocam nove faixas mostrando o quão bons são no que fazem. A pegada espontânea das letras de Barnett é bem apoiada pelo amor de Vile por riffs brisados que sempre se fizeram presentes em sua música. Faixas como “Over Everything” e “Continental Breakfast” mostram bem como a dupla funciona, uns maconheiros aceitando a alegria psicodélica que só pode ser encontrada numa guitarra, mas o bicho pega mesmo quando um faz versão de um som do outro. A versão de Barnett para “Peepin’ Tom” é uma faixa-modelo de composição introspectiva, já “Outta the Woodwork” na versão de Vile é um country lerdo meio blues que vai te fazer desejar ser tão cool quanto esses riffs. — Eric Sundermann

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O rock não costuma ser arena de debates para discussões sobre domesticidade. Talvez porque deva ser uma fuga do cotidiano. Em Cowgirl Blues, porém, Katie Ellen cria uma importante exceção, lidando com relacionamentos, casamentos, morar junto, amor e estar pronta (ou não) para tudo isso. Ao longo de dez faixas, Anika Pyle mergulha na luta mental que é lidar com expectativas da sociedade, suas emoções e realidade, resultando em uma fascinante colcha de emoções — raiva direcionada à instituições, frustrações práticas (“Love is not enough”, já dizia um refrão), e a ideia de que às vezes, o que você quer só não dá certo — tudo isso acompanhado de instrumental power pop e indie mais lentinho. É sinceridade do mais alto calibre, o que faz com que Cowgirl Blues alcance um feito todo seu: é um disco que fala a verdade. — Lauren O’Neill

É tentador falar do terceiro disco de Mackenzie Scott como Torres como uma grande salto a um território único, o que seria verdade até certo ponto. O pulsar mínimo, sintético, que caracteriza seu misticismo metropolitano aqui não esteve presente em seu disco de estreia de 2013, bem como guitarras estavam presentes em Sprinter, de 2015. Mas ela sempre foi implacável do ponto de vista sonoro e espiritual, confrontando Deus, tecendo comentários sobre sua criação complicada e testando os limites de sua guitarra. Em Three Futures, ela se mostra mais à vontade e ambiciosa com tamanha inquietude, com controle de tudo. Este disco é a trilha de uma casa com dez quartos e todos os cheiros, sabores, cores e texturas nesta, onde Scott cria ritmos desoladores rumo a grandes crescendos, antes de destruir tudo de novo. Ela usa sua voz de maneiras diferentes aqui — suave e divida em um momento, rugindo e aterrorizante no outro, sempre cativante e nada menos que isso. Com tamanha genialidade, ficamos pensando que espaço ela decidirá habitar futuramente. Uma da maiores rockstars de nossa geração, quem sabe, mas talvez ela já esteja lá. — Alex Robert Ross

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Syd tem só 25 anos e já parece veterana na indústria. Parte essencial do grupo de R&B The Internet, além de ter ligações com o coletivo Odd Future, incluindo Tyler, the Creator e Frank Ocean entre seus amigos e colegas. Era quase absurdo que ela ainda não tivesse estourado sozinha, com tanto talento sobrando. Sendo assim, Fin é um título peculiar para um disco de estreia. Fin pode muito bem ser uma referência a uma fase de sua vida que se encerra, onde a artista se coloca sob os holofotes, como em seu primeiro single “All About Me”, em vez de fazer parte de um coletivo. Relacionamentos e amor são alguns dos temas dominantes, então o final especialmente complicado de um relacionamento também pode ser o tal fin, como ela canta na última faixa do disco, a jazzeada “Insecurities”. Porém, há um momento de pura alegria sexual e sensual no auge do disco, “Body”, uma faixa clássica de R&B completa com gemidinhos e uma batida que vai fazer você levantar as sobrancelhas. O compromisso de Syd em escavar sonoridades R&B descoladas é o que faz este disco brilhar. — Sarah MacDonald

Vince Staples é conhecido por sua percepção e língua afiada ao fazer comentários crueis e direto ao ponto feitos de forma a desafiarem e documentarem a dura realidade da vida. Nada disso mudou em seu segundo disco, Big Fish Theory. O que mudou foram as batidas, ao menos um pouquinho, já que sonoridades industriais sempre estiveram presentes nos projetos Summertime 06 e Prima Donna, mas as batidas decididamente eletrônicas de “745", próximas de gente como MC Frosty, como dito pelo próprio Vince, diferem das outras. Em “Yeah Right” questiona narrativas falsas dentro do rap, enquanto a faixa produzida por SOPHIE bate e borbulha com graves sem forma, mantendo um equilíbrio até seu final. A visão concisa do rapper não deixa nada escapar, enquanto o tenso disco de 12 faixas apresenta sua tese sobre os perigos do sucesso (“Couple problems my cash can't help / Human issues, too strong for tissues/ False bravado all masked by wealth”) enquanto prende sua atenção. Com comentários simples e inteligentes, com pouca paciência para excessos, Staples entrega algo em Big Fish Theory que soa diferente e familiar, se destacando em relação aos seus colegas de gênero. Deus abençoe Staples e a participação de Ray J neste álbum. — Jabbari Weekes

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Fãs de rap sempre esperam que JAY-Z defina o tom do movimento no futuro próximo. Quando ele disse que camisetas não serviam mais pra marmanjo e era hora de trocá-las por camisas de botão gigantes, muita gente ouviu. Quando ele disse que o autotune estava saturando o mercado do rap, a galera ouviu — um pouco. Mas assim que ele começou a falar sobre arte que ninguém teria como comprar, a coisa mudou de figura. Como descrito pelo próprio em uma recente entrevista ao New York Times, se a carreira de um rapper está indo certo, a próxima fase de se gabar por comprar coisas impossíveis anteriormente é a compensação de que “o que há de mais bonito não são objetos. As coisas mais belas estão dentro”. 4:44 trabalha com essa teoria quase que exclusivamente. Jay fala sobre trair sua mulher e o medo de revelar essa dura verdade, do orgulho de sua mãe encontrar o amor do seu jeito e de como a terapia pode ser uma forma de libertação. Por mais que seja improvável um homem de 48 anos convencer gente de 20 e poucos a fazer terapia, só o fato de que um cara considerado um dos melhores do gênero falar de saúde mental já dá sinal de coisa boa pro futuro do rap. — Lawrence Burney

Phil Elverum falou de A Crow Looked at Me, um disco sobre lidar com a morte de sua esposa Geneviève como se mal fosse música — e ele está certo. Poucas das 11 faixas aqui tem mais de um ou dois instrumentos, a maioria deles pertencente à Geneviève. Tal minimalismo é o sinal mais óbvio do tema mais evidente do disco: de como a morte pode nos tirar tudo. Elverum descreve em detalhes o declínio de Geneviève — das alterações na fisionomia de seu rosto a ter que cuidar do lixo cheio de lenços ensanguentados – e os sentimentos contraditórios que vieram depois. Ele descreve como a levará consigo, tanto em histórias quanto na criação de sua filha. Na última faixa do disco, ele descreve ouvir aquela doce voz murmurando em meio ao sono, enquanto tira um cochilo apoiada em sua mochila durante uma caminhada, uma única palavra, mas que parece esperançosa em meio a tanta dor: “Crow”. — Colin Joyce

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Kristina Esfandiari esteve em toda parte esse ano. A nativa da Bay Area tem feito shows feito louca com seu projeto solo Miserable e sua banda de doom King Woman; além disso, cantou em shows com o Thou (dentre outros), além de ter supervisionado o lançamento da estreia do King Woman na Relapse Records, Created in the Image of Suffering, sendo este seu mais impressionante feito em meio a um ano cheio de vitórias e sucessos. Misturando doom, drone, shoegaze e post-rock em um disco pessoal de pura emoção, Esfandiari e seus colegas de banda Joey Raygoza, Peter Arensdorf, e Colin Gallagher criaram algo único. Como comentado pelo Noisey, sua voz terrosa acaba por ser o epicentro de qualquer tempestade musical onde se atire. — Kim Kelly

Quando Margo Price estreou em 2016 com Midwest Farmer’s Daughter, ela trouxe algo que estava em falta no gênero. Misturando o lirismo de Dolly Parton, Loretta Lynn e Emmylou Harris com uma sonoridade única, ela nos contou a história de sua vida da forma mais durona possível, o que lhe rendeu respeito e chamou a atenção de quem deveria. Um ano e meio depois, All American Made poderia ter saído como algo apressado, uma observação pouco aprofundada do estado em que todos ficaram após a vitória de Trump numa tentativa de compreender tudo. Mas Price, ainda que claramente afetada, não nos pediu para que a acompanhássemos numa espiral de raiva e sim nos apresentou uma série de canções para que não esqueçamos que a dor, ainda que não seja nova, é produto 100% americano. — Annalise Domenighini

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O sétimo disco do prolífico cantor-compositor Alex Giannascoli se constrói com sonoridades country, do piano de “Proud” à melancolia perfeita de “Bobby” e o minimalismo de “Powerful Man”. Não bastasse o tanto de LPs completamente diferentes lançados desde RACE em 2010, Rocket chega pra provar que o cara não consegue ficar parado. “Brick” é uma loucura post-hardcore industrial; “Sportstar” brinca com R&B; “Horse” é inclassificável em meio a tantos sintetizadores e teclados. Rocket é maravilhoso em sua diversidade sonora, cimentando a imagem de Giannascoli como alguém que pode fazer o que bem entender, quando quiser e sempre sairá algo fascinante. Ele merece tudo isso, mas Rocket é mais que uma exibição de seu talento; o disco mostra Giannascoli alternando vários personagens e diferentes máscaras, questionando-se no decorrer do processo. Confiante e sabichão num momento, então aterrorizado e desconfiado no outro. Na faixa de abertura do disco, ele canta “Now I know everything” e poucos minutos depois passa a falar de depressão e fica sem respostas. Em “Sportstar” ele quer ser machucado, então se liberta: “I play how I wanna play / I say what I wanna say”. Ele é honesto — talvez mais do que deveria em alguns momentos e é isso que faz de Rocket seu melhor disco e fará que as pessoas o admirem muito depois dele deixar de ter sido um prodígio. — Alex Robert Ross

Lana Del Rey sempre dividiu as pessoas. Há quem a considere superficial e chata. Outros a veem como uma grande contadora de histórias, rainha da transformação de iconografia pop em simbolismo, uma artista que é também um gênio cinemático. Se você é dos que a odeia, então nem deve ter dado uma chance ao seu quinto álbum, caso contrário Lust for Life é o auge de Lana. Na faixa título ela se junta ao seu gêmeo the Weekend e canta sobre dançar sobre o H do letreiro em Hollywood. Em “13 Beaches” ela despista paparazzis e sonha com amor de verdade. Em “Heroin” ela cita Charles Manson, tempo quente, lojas de bebidas, estrelas do cinema e decadência. Do começo ao fim, a coisa toda soa doentiamente doce, boba e totalmente gloriosa. — Daisy Jones

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Black Origami é o equivalente daqueles adesivos holográficos: ao tentar olhar numa parte específica, ele perde seu efeito, o que era meio que a intenção de Jlin. “Não sou daquelas pessoas que precisa saber porque está fazendo algo”, disse. “Eu preciso saber o que estou estudando e porque funciona como funciona”. Ela falava de sua afinidade pela matemática, mas isso vale bem para o quebra-cabeças que é seu segundo disco — que a coloca ao lado de verdadeiros alquimistas sonoros como Holly Herndon e William Basinski. O resultado é uma cativante colagem de contradições: Black Origami vem das raízes de Jlin, com sonoridades percussivas, de Bollywood, ambient e industrial, sendo um disco de música eletrônica sem gênero definido. É profundamente arrítmico, ganhando força nos espaços entre batidas, com partes brilhantes, ainda que exijam do ouvinte, criando uma experiência que soa natural, até mesmo simples. Black Origami bate forte — música para ser sentida e não ouvida. — Andrea Domanick

American Teen de Khalid é uma coletânea de pop açucarado e sintetizadores oitentistas que poderia muito bem estar na trilha de um filme de John Hughes, uma força nostálgica movida pela incerteza da juventude. Seu compositor — um moleque de 19 anos do exército, natural de El Paso e que acaba de se formar no ensino médio — soa muito mais sábio do que a idade entrega, tentando aceitar e entender o que é amadurecer. Ao longo de sons pop como “Location”, “Young Dumb & Broke”, e “Hopeless” Khalid mostra seu tom barítono, uma das melhores vozes na música no momento. Além do que, as letras tratam de temas gerais da juventude — crescer, se apaixonar, temer o futuro — mas com uma pegada moderna (o refrão do single foca em mandar a localização pra alguém). Pra completar, a forma como o disco passou a fazer parte da cultura pop é poética a ponto de ser clichê: por conta do Snapchat de Kylie Jenner. Demais, né? — Eric Sundermann

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Em teoria, 45 minutos de música eletrônica dissonante não devem soar tão charmosas a não ser que você seja o tipo de pessoa que escreve haikais e acha sacolas plásticas bonitas. A real é que o terceiro disco de Arca é estonteante e uma delícia de ouvir. O produtor venezuelano e parceiro frequente de Björk usa sua voz como outro instrumento, distorcendo-a em diferentes texturas, em meio a teias de eletrônicos, sintetizadores gelados e batidas industriais. O resultado é um disco recheado de faixas frias e românticas, expansivas e intimistas, caóticas e meticulosas. É como olhar uma pintura a óleo e pensar que ela tem uma única cor e perceber que é feita de tantas cores ocultas que não dá nem pra contar. É respirar fundo e absorver. — Daisy Jones

Regionalismo é o que está no centro do novo rap e o torna tão empolgante, servindo de portal para seus ouvintes compreenderem o que leva sua cultura além, de fronteiras, ou caso você seja de uma região em especial, pode afirmar sua identidade e experiências. É o que faz do rap da Costa Oeste especial, é o que faz o trap de Atlanta infiltrar o mainstream e faz do drill de Chicago ser a extensão sonora de uma cidade em crise. Quando sua cidade não tem um som característico isso pode ser um desafio. E foi isso que o GoldLink pegou para si e saiu vitorioso com o lançamento de At What Cost. Em vez de se basear no som clássico de DC, ele captou a essência da cidade ao relembrar memórias da infância e convidar colegas locais para brilhar onde se sentiam mais à vontade. Wale aparece para falar de flertes de tempo da escola, (“Summatime”), “Have You Seen That Girl?” relembra os locais da adolescência de Link na área da DMV e “Crew”, indicada ao Grammy, chega com Shy Glizzy e o melhor verso escrito por ele em muito tempo, contando ainda com participação brilhante de Brent Faiyaz. — Lawrence Burney

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The Unlawful Assembly é um dos mais importantes discos de metal de 2017. Como escrito no Noisey em setembro, o Dawn Ray’d mistura um espírito revolucionário a uma sonoridade black metal que deve tanto a Iskra e Anti-Cimex quanto às tradições da classe operária inglesa e o black metal norueguês clássico. Além de impressionar musicalmente, o público reagiu: a aceitação tem sido incrível e a banda assinou com a gigante Prosthetic Records. Claro que metaleiros podem muito bem partir para as raízes escapistas do gênero e falar de dragões, putaria ou violência — mas alguns de nós prefeririam fazer do mundo um lugar melhor para a próxima geração. Este é um disco que também traz consigo a pequena, mas resistente tradição esquerdista do gênero. A mudança só pode vir de dentro, não é possível fazer uma revolução, você só pode ser a revolução. Ou faz parte do seu espírito ou não existe — e há uma chama queimando ali no Dawn Ray’d que é necessária. — Kim Kelly

Seguindo o sucesso nas paradas de “Bad and Boujee” nas primeiras semanas de 2017, as expectativas enfrentadas pelos Migos com o lançamento de Culture eram altíssimas. Mas elas foram atendidas e ninguém deveria se surpreender: o trio de Atlanta sempre deixou claro que o grupo é coisa de irmão mesmo e que sua química é resultado de anos juntos e não há exemplo melhor que este disco. As rimas e melodias de faixas como “T-Shirt” e “Get Right Witcha” fazem pensar em nado sincronizado, só que com mais drogas. Além do que, praticamente todas as faixas do disco são pedradas, caso de “Call Casting,” “Slippery,” “What the Price”. O álbum mostra ainda o amadurecimento de cada integrante também. Enquanto Quavo tem mais popularidade com ouvintes casuais, Offset prova ser um artista solo viável e Takeoff mostrou sua genialidade lírica. Pensando em cultura e seu impacto neste ano de 2017, não havia disco com melhor título. — Trey Smith

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HNDRXX é o projeto de Future pelo qual todos esperávamos desde que o rapper apareceu. É mais do que uma versão melhorada de Honest, uma exploração de uma estética pop e R&B que sempre esteve presente no trabalho do rapper. Faixas como “Use Me,” “Neva Missa Lost,” e “I Thank U” seguem o estilo de artistas dos anos 90 Jodeci (sampleados em “Neva Missa Lost”) e New Edition. HNDRXX é um dos discos mais maduros de Future — ele fala de amor com mais arrependimento do que amargura, e as partes cantadas tem mais beleza que dor. “Fresh Air” é um retorno ao som “feliz” de Future que muitos fãs e críticos acreditavam não existir mais. HNDRXX mostra Future decidindo não lamentar mais onde errou ou o que sentiu, olhando para o futuro, empolgado com novos relacionamentos que virão. Fora isso, “Sorry” é um outro tão bom senão melhor que “Codeine Crazy”, sério mesmo. — Trey Smith

Nos anos que virão, seus filhos puxarão a barra de suas calças perguntando como surgiu a Melhor Banda do Mundo. Você os pegará no colo e contará a história do Sheer Mag. Após três dos melhores EPs de rock do Século XXI — I, II, e III, lançados entre 2014 e 2016 — a banda lança seu primeiro disco, Need to Feel Your Love, em julho de 2017. Ao fazê-lo, eles assumiram seu trono como reis de todas as possibilidades existentes dentro da música com guitarras. Este é um disco técnico e que ainda assim soa como um pico de adrenalina, com refrões grudentos, sem deixar de lado os riffs maravilhosos e rockeiragem pura da voz de Tina Halladay. O disco prova que a banda é das grandes mesmo, inspirando-se em clássicos como Neil Young and Crazy Horse e suas raízes punks. É isso que você dirá aos seus filhos e eles ouvirão o disco e amarão. — Lauren O’Neill

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Lorde é uma escorpiana orgulhosa, caso você se importe com referências zodiacais (ela sim), e escorpianos piram numa intensidade. Em seu disco de estreia de 2013, Pure Heroine, Lorde mostrou parte de si, mas em Melodrama ela põe tudo à mostra e nos conclama a observar tudo que rola dentro dela. É um disco confiante e sincero. Muitas vezes artistas pop sofrem resistência por conta de autenticidade, argumentam que tudo que fazem é fabricado, um ponto de vista muito estreito pra ser levado em consideração e até mesmo insincero no caso de Melodrama.

Ao longo do álbum, Lorde mostra toda a intensidade de um coração partido: após o fim de um relacionamento de três anos, deixando de ser uma adolescente e virando uma mulher aos olhos do público, Melodrama é um manifesto pop que trata do que é preciso ser feito, vivendo, sofrendo e aprendendo — tudo isso ao som de batidas de hip hop, sintetizadores e um piano. A produção a cargo do amigo e membro do Bleachers Jack Antonoff ajudou a complementar os momentos mais peculiares de Lorde.

Melodrama é um álbum coeso. Soa como uma noitada, começando com “Green Light”, aquele som típico pré-bebedeira, passando então por “Sober” e a frenética “Homemade Dynamite”, para o pós-balada de “Liability”, que lida com a realidade de ficar sóbria e não só o brilho de se perder na noite, mas se perder na noite de Nova York. A maior força do disco, porém, não está na sua coesão: faixas soltas soam tão impactantes quanto em conjunto. “Supercut” poderia muito ser um hino daqui 20 anos. (“We were wild and fluorescent / Come home to my heart” é uma letra que arrepia.) Se Melodrama fosse uma carta de tarô — pra manter o tom místico de nossa cria pop criada a base de Stevie Nicks — seria A Torre. E por mais que a imagem destrutiva desta carta seja aterrorizante, ela também é libertadora: queime tudo e comece mais uma vez. Foi que Lorde fez aqui, lindamente. — Sarah MacDonald

Se o disco autointitulado de St. Vincent é sua ascensão à persona Homo Superior Bowie, MASSEDUCTION é o hematoma de uma mulher que bateu de cara com o planeta. Lá se vão os adornos de realeza e olhar confiante de 2014. É díficil manter uma aura de cool quando sua vida amorosa 100% mundana ganha a fascinação do público em meio a fofocas de tapete vermelho e Instagram. Com todos a observando, Annie Clark mandou tudo à merda e chamou a gente pra entrar, resultando em seu trabalho mais vulnerável até então.

MASSEDUCTION é um disco tumultuoso sobre excessos pós-término, com synthpop frenético abrindo espaço para corais, teclados pesarosos e tristes, e, ainda, guitarras distorcidas: é como o glitter na sua pele pós-ressaca, a claridade inevitável do sol entrando pela janela, a garrafa vazia. Mal chegamos aos três minutos quando Cara Delavign, ex de Clark, aparece cantando o robótico refrão de “Pills”, em que ela não esconde sua overdose: “I can’t even swim in these waves I made / From the bath to the drain, and the plane to the stage / To the bed, to give head, to the money I made”.

“Sugarboy” é a paulada pop mais forte do disco, com um produção sintética que quase engole a voz soprano de Clark enquanto detalha amantes de ambos os gêneros. Seu gemido derrotado no refrão destrói sua imagem de deusa alienígena: “I am a lot like you / I am alone like you”. Quando chegamos em “New York” a mais pungente balada ao piano a encaixar um “motherfucker”, o prazer do sexo e drogas sem limites se esvai com a saudade de amigos, heróis e amores perdidos. A estonteante “Los Ageless” cristaliza sua motivação: "How could anybody have you and lose you and not lose their minds too?". A perda de Clark é o ganho de St. Vincent: MASSEDUCTION prova que ela tem a sensibilidade pop necessária acima de todo seu virtuosismo. — Jill Krajewski

Kelela só lançaria um disco de estreia quando estivesse pronta, coisa que deixou claro em uma postagem no Instagram de julho deste ano, enquanto criava o successor de Cut 4 Me, mixtape de 2013 e do EP Hallucinogen de 2015. O resultado é o apaixonado e íntimo Take Me Apart, que pulsa com uma intensidade que vai de uma conversa pós-término no apartamento do ex, passando pelo carro, boate e então quarto quando vocês mais uma vez caem nos braços um do outro. Valeu e muito a espera.

Tudo isso porque Take Me Apart mostra uma Kelela na versão mais honesta de si mesma até então. Há uma abertura e vulnerabilidade familiares que acabam, em suas mãos, brilhando mais que o sol. Um brilho que podemos imaginar ter vindo de conversas sinceras sobre amor, luxúria e limitações. Com todas as piadas sobre 2016 ter sido um péssimo ano, ou ainda um ano que não fez muito sentido, 2017 conseguiu superá-lo. Em um mundo que parece estar a um tuíte de distância de uma guerra nuclear, ou quando manchetes parecem pôr tudo a perder, Take Me Apart serve de refúgio e conforto, nos graves de “ Blue Light” ou na batida calma de “Altadena”.

Como foi o modus operandi de Kelela desde seu surgimento com Cut 4 Me, sua voz conforta ainda que a produção angular corte no meio disso tudo. Kelela foi produtora executiva aqui, o que vale ser mencionado, tendo em vista que como etíope criada em Washington, ela sempre se dividiu em dois mundos. Musicalmente, ela o faz com gêneros, estilos e texturas sônicas. Jam City, com quem ela tem trabalhado desde 2013, ajuda a fazer com que a faixa de abertura “Frontline” brilhe enquanto Kelela entoa “If you think I'm going back, you misunderstood” com toda a confiança de alguém que ainda não sentiu a dor do fim de um relacionamento. Em outro ponto do álbum, Arca é acompanhado por nomes como Ariel Rechtshaid, Kwes e Bok Bok (por vezes todos numa só faixa), contornando os synths e graves ao longo da voz de Kelela.

Ela sempre ocupou um espaço impreciso no tal “zeitgeist musical”. Sua voz pode ser R&B até a alma, mas ela não tem nenhum interesse em compor sons pra rádio ou ser vendida com o brilho que ela mesma sugere. Em vez disso, Kelela opta por lançar um disco que narra sua história como negra e sua vida amorosa, sem clichês. Há dor. Há uma franqueza única sobre querer trepar no single “ LMK”. Há lágrimas em “Onanon”. Claro que os fãs tiveram que esperar um pouquinho, mas Kelela se entregou como poucas para quem estiver disposto a ouvir. — Tshepo Mokoena

Semelhante a qualquer grande nome da economia norte-americana Drake é grande demais pra cair. Seu quarto disco de estúdio Views, acabou sendo criticado por fãs e críticos na mesma proporção por ser longo demais, inconsistente demais, e bom, Drake demais. Apesar disso, vendeu feito Adele em um ano que o cara basicamente estava disputando mercado com ela.

Drake, acima de tudo, tem noção do que acontece ao seu redor — e isso vai além de outdoors que até mesmo Frances McDormand diriam ter ido longe demais. “I was an angry youth when I was writing Views / Saw a side of myself that I just never knew”, admite em “Do Not Disturb”, faixa que encerra o excelente More Life lançado este ano. Ele está certo: Views pode ter sido um bom disco, mas completamente desolador em sua visão, mostrando um artista tão acostumado a ver as coisas por cima do ombro que acaba vendo coisas que nem existem. Em outro momento do disco, durante a outro da pesada “Can’t Have Everything”, sua mãe Sandi Graham confirma a existência deste calcanhar de Aquiles: “Essa atitude vai te atrasar na vida”.

More Life soa como Drake deixando as coisas rolarem — liberto das expectativas de terceiros e experimentando com novos sons como se fossem novos vestidos de baile. Muito se falou sobre sua decisão de chamar More Life de uma playlist, mas deixando de lado tais reflexões sobre os tempos modernos, foi uma forma bem esperta de tirar a pressão de cima de uma coleção de faixas sólidas e cheias de participações especiais. Ao longo do disco, ele flerta com grime e diferentes estilos de dance music, danço espaço para Quavo (talvez sem querer) apontar suas hipocrisias em termos de flow, faz uma piada duvidosa com o 11 de setembro e trata cada faixa como um cartão postal daquelas férias que você nunca vai poder bancar.

Nenhuma das canções aqui bombou esse ano e parece que todos deixaram More Life de lado após seu lançamento, mas mesmo assim Drake conseguiu criar um disco de pop vigoroso em menos de um ano depois de ter lançado um disco que aparentemente ninguém curtiu e ainda assim vendeu mais de quatro milhões de cópias. Loucura, não? — Larry Fitzmaurice

De tempos em tempos, a exuberância de um artista que está chegando à vida adulta abrilhanta o mundo do rap. Ele chega falando sobre mudar o mundo com seu talento e como sua música coloca o mundo em que cresceu no epicentro da cultura. Este mesmo artista nos apresenta uma nova cultura. Eles nos apresentam uma nova linguagem que tem origem em suas vizinhanças e grupos. Sua juventude nos empolga, assim como sua proximidade do perigo, infelizmente o ouvinte de música americano médio não olha para fora do país ao buscar esse tipo de personagem, mas ele certamente existe.

O maior exemplo disso é J Hus, londrino que chegou com seu disco de estreia Common Sense. O artista de 21 anos nos fez um favor ao criar um álbum que reúne muito das sonoridades empolgantes ligada à diáspora africana — dancehall, afrobeat, hip hop e grime — de maneira tão fluida que parece que o cara precisa de um gênero novo só dele. Em faixas como “Fisherman” e “Did You See” sua voz profunda reflete um tipo de harmonia mais associada ao afrobeat, mas no conteúdo lírico vem toda as narrativas típicas do rap. “Clartin” tem a energia desenfreada do grime, já “Spirit”, semelhante ao reggae roots, é uma bela declaração de que o valor de um indivíduo reside na superação de dificuldades e não nos seus bens. A faixa argumenta ainda que decisões consideradas imorais não necessariamente definem o caráter de alguém: “No money but we had life, I go hungry, let my brother take my slice/ Ride outs and drive-bys, but deep down they're nice guys”. J Hus é o novo prodígio do rap e Common Sense dá as bases daquela que parece ser uma carreira promissora. — Lawrence Burney

O quarto disco de estúdio de Tyler the Creator, Flower Boy, é representativo de quando o rapper finalmente foi capaz de imprimir em totalidade sua visão: um lugar em que as sementes que ele vinha espalhando por aí em seus últimos discos finalmente floresceram, gerando um álbum completo, colorido. Feito para ser ouvido durante a “hora de ouro” — um período de tempo não especificado pouco antes ou pouco depois do pôr do sol, com um tom alaranjado ardente — trata-se de um álbum centrado no panorama pintado por Tyler em seus últimos quatro álbuns, um lugar de beleza natural e lagos serenos.

Ao passo em que seus trabalhos anteriores tinham certo grau de escuridão, Flower Boy brilha. Não que lhe faltem momentos de maior pesar, sua faixa-destaque “9/11 / Mr Lonely” é uma ode franca à solidão, mas ainda assim a produção do disco se dá em tons de roxo, rosa e branco: uma sonoridade que se reflete no clipe em que diversas versões de Tyler dançam com árvores ao fundo. Há outros sentimentos também — referências à ansiedade profissional em “November” — tudo contrastado pela produção e convidados que mantém o disco centrado na tranquilidade e reflexão, sendo o primeiro álbum redondinho de Tyler. Um salve para o rei da criação, na esperança de que um dia eles finalmente lancem seu longa e seja mesmo dono de um planeta, enchendo-o de árvores, peônias e bicicletas. — Ryan Bassil

Em uma cena do curta Process, material audiovisual que acompanha o disco de estreia homônimo de Sampha, a câmera alterna entre imagens do artista tocando num beco e numa estação de ônibus, numa performance de “Kora Sings” ao piano. Em um primeiro momento, estas locações parecem simples pontos de ligação entre um destino e outro, mas dentro dos limites do vídeo, e para Sampha em especial, representam um limbo tanto figurativo quanto literal. Na letra da música, ele aceita o fato de que tem que deixar passar as memórias físicas de sua mãe enquanto tem esperança de algo a mais para ela no pós-vida: “But if you go away / Please don't disappear… My hands together looking at the stars / I really hope there's angels”. Em sua essência, Process mostra o cantor tentando lidar com o impasse entre luto e aceitação.

Process é um disco cheio de metáforas. A primeira voz que ouvimos ao dar play no álbum é uma gravação de Neil Armstrong durante a missão Apollo 11 à Lua, além disso, Sampha faz referência à parábola de Ícaro em “Plastic 100°C”, um alerta dos perigos de voar muito perto do Sol enquanto reflete sobre sua distância do mundo.

Os cowbells de “Blood On Me” e a divertida dança de cordas em “Kora Sings” elevam a produção a novos e interessantes patamares, mas o que faz este disco tão impactante está entre seus adornos sonoros. Sampha nunca abre mão das batidas emocionais que tenta explorar, lidando com ansiedades triviais e outras mais significantes. Em “Under” ele fala sobre o seminal anime Ghost In The Shell para contar a história de um relacionamento que fez seu espírito paralisar. Em “Timmy’s Prayer”, ele vai fundo na dor ao falar de seus pais, ambos falecidos por conta do câncer: “If heaven's a prison/Then I am your prisoner” Ainda assim, “(No One Knows Me) Like The Piano” soa como a alma deste disco, onde Sampha demonstra um raro momento de paz ao lembrar do amor e conforto da casa de sua mãe.

É isso que temos em Process: um épico intimista das piores horas, dias e anos da vida de Sampha Sisay, mas também uma história dos breves momentos de leveza que nos permitem encarar o que vem adiante. — Jabbari Weekes

O segundo disco de Archy Marshall como King Krule está todo cagado de vômito, sujeira, porra, fuligem, Coca-Cola, restos de cerveja vomitada, aquela gordura de yakissoba fuleiro da esquina com ácido estomacal e um tiquinho de sangue seco. The Ooz é como o próprio Marshal, consumido ao ponto da autodestruição. “Don’t be scared, don’t be scared, don’t be scared / Deface me already / I’m a waste, baby” ele canta em “Slush Puppy”. The Ooz cheira como os solventes, fumaça e perfume escroto em “Logos”, parece a meleca de “Vidual”; seu gosto é de butano e carne. O disco se arrasta em meio à imundície, guitarras arrebentadas e um baixo escroto tropeçando sobre batidas preguiçosas, tudo interrompido por saxofones atonais ao fundo.

Estes são os tipos de obsessões que se desenvolvem a partir da solidão prolongada: observar um lenço sujo de catarro e pensar em todas suas implicações, se preocupar com a cor da própria urina. Marshall tem as manhas de criar vida a partir de texturas tórpidas, seja no hip-hop ou com uma pegada jazz esquisitona. Do ponto de vista lírico, ele sempre estebe sozinho: não há nada de euforia comunal em seu disco de estreia de 2013 6 Feet Beneath the Moon ou em A New Place to Drown de 2015 (lançado sob seu nome de batismo. Em The Ooz porém, ele nem mesmo tira os olhos do chão à sua frente. O disco começa com “Biscuit Town” e seu teclado portentoso: “I seem to sink lower, gazing in the rays of the solar.” On “The Locomotive,” canta King Krule, “I’m alone, I’m alone / In deep isolation”, incapaz de distinguir outras pessoas senão pelos agasalhos que usam. Em “Sublunary”, sobre um fundo de jazz incrível, é como se Krule nem estivesse lá. Em “Half Man Half Shark”, sua súbita e descontrolada espiral descendente é articulada de forma clara: “Simple soft thoughts / Simple soft thoughts become menacing”.

O que brilha mesmo aqui é que tamanhas trevas parecem reais. Falaram muito da duração de The Ooz — 19 faixas em mais de 66 minutos — mas seu andamento muda o suficiente para manter o ouvinte interessado. Lá pela metade, a quase pop “Emergency Blimp” dá espaço para “Czech One” uma quase balada entristecida. Mais adiante, o ruído cerebral de “The Cadet Leaps” serve de introdução à belíssima e psicodélica faixa-título. Marshall quase sempre soa como um alcoólatra em crise, e aqui ele explora novas maneiras de usar esse timbre por meio de falas, sussurros e gritos em “Dum Surfer”, ainda cantando ao longo do jazz esquisitão de “Midnight 01”. (“Why’d you leave me? Because of my depression?” pergunta).

Ao longo de altos e baixos, ele cria seu próprio mundo, por mais aterrorizante e solitário que pareça. Marshall claramente odeia o rótulo de “voz de uma geração” que lhe impingiram após o lançamento de 6 Feet Beneath the Moon. Mas sua atenção ao realismo físico, pensamentos desoladores e surrealismo sonoro o tornam um artista único, quer ele queira ou não. — Alex Robert Ross

“To Pimp a Butterfly tratava do problema” disse Kendrick Lamar à T Magazine em entrevista no começo do ano passado, pouco antes de lançar seu quarto disco de estúdio DAMN. “Estou num momento em que não falo mais do problema”.

O “problema” em questão é o estado dos negros nos EUA, uma comunidade que sofre com brutalidade policial, criminalidade e falta de amor próprio, mas para Kendrick, focar nesses temas acabava atrapalhando todas as bençãos que recaíam sobre ele e o resto da diáspora. “Vivemos em um momento que acabamos por excluir uma grande parte dessa coisa chamada vida”, disse Kendrick durante a mesma entrevista, “Deus”.

DAMN. mostra um Kendrick às voltas com temas ligados aos israelitas negros — que propõem que os negros espalhados pelo mundo sofrem por terem se afastado dos ensinamentos de Deus — para tentar compreender o mundo ao seu redor. Este conflito, servir de exemplo para toda uma comunidade em busca de salvação e ainda ser uma pessoa com desejos humanos como luxúria e amor, dão o tom do disco, em faixas como “Lust” e “Love”. Canções como “Fear” mergulham nessas ambiguidade de cabeça, onde Lamar se compara a Jó, o personagem bíblico que, para provar sua lealdade a Deus, precisava sacrificar tudo que amava. É um puta fardo pra se carregar, mas por vezes é assim que o trauma geracional funciona: ter a certeza de que você não pode ser menos que sobrehumano para merecer qualquer coisa de boa que venha ao seu encontro. Kendrick confirma que ser o melhor rapper vivo não faz esses sentimentos sumirem. “The shock value of my success put bolts in me / All this money, is God playin' a joke on me?” canta.

Deixando de lado as mensagens subjacentes de DAMN., o disco oferece algo que muitos afirmaram To Pimp a Butterfly não ter: acessibilidade. Um álbum com forte influência jazz que oferece um ombro amigo a toda uma geração às vezes pode acabar soando como canção de ninar. Mas DAMN. é cheio de canções para dar um grau no seu ego e que se pode curtir sempre precisar ir muito fundo na interpretação. Faixas como “HUMBLE”, em que Lamar se orgulha de não precisar de drogas pra curtir e “ELEMENT”, em que ele se compromete a superar seus contemporâneos são prova de que neste ponto da carreira, o maior desafio de Kendrick Lamar é superar a si mesmo. — Lawrence Burney

Há uma espécie de solidão em especial que afeta jovens no mundo atual. Ter acesso ilimitado a tudo e todos a qualquer momento muitas vezes serve apenas para ampliar o silêncio, fazendo com que relacionamentos — possíveis, fracassados e passados — pareçam ainda mais confusos, de forma que se sentir culpado pela falta de conexões emocionais é mais comum do que se imagina (se você sofre para criá-las mesmo com todos aos redor a um clique de distância, o problema é com você, certo?). Além do que, fica muito mais fácil fugir de encarar certas coisas, criando um ambiente que pode ser resumido neste tuíte. Ctrl, sendo assim, é uma obra de arte nascida no meio de um campo minado.

Ao longo do álbum, a jovem de 28 anos SZA não enrola, independente do tema. Desejo, vingança, romance, autoimagem e ansiedade se juntam na mais poderosa demonstração de vulnerabilidad desde Blond(e), de Frank Ocean. Mas diferente desse disco, Ctrl não se utiliza de subterfúgios: não há cortina para SZA se esconder, ficando no meio dos holofotes, falando de forma direta. Ela não poupa palavras ao falar de seu histórico sexual e os papeis dos envolvidos, incluindo, especialmente, ela mesma.

O disco começa com um barulho de papel sendo rasgado e amassado, com uma voz dizendo “esse é meu maior medo — perder o controle ou não ter controle, coisas que seriam, sabe… Eu seria fatal”. É uma declaração de intenções clara, ainda que sutil. A narradora poderia estar rasgando qualquer coisa — uma carta recebida, uma carta que não foi enviada — ou então abrindo um envelope — algo documentado ou abrindo a si mesma. De qualquer forma, tal ação é demonstrada de forma decisiva: a narradora escolheu rasgar algo e começar de novo, tomar controle sobre uma coisa descartá-la; elementos externos tornam-se secundários.

Ctrl é tanto uma investigação de quem é SZA quanto um posicionamento. Na faixa inicial “Supermodel” ela canta sobre dormir com um amigo de um ex enquanto vingança. Em “Garden (Say It Like Dat)” ela admite precisar de atenção e afirmação para se sentir bem consigo mesma. Em “Normal Girl” ela deseja ser diferente (“type of girl you take home to your mama”), talvez não como a garota complicada que ela afirma ser em outros momentos no disco. “I really wish I was a normal girl”, vocalizando a insegurança que muitas mulheres engolem ao se sentirem indesejadas ou inconvenientes.

Por mais que hajam incontáveis momentos em que SZA soa confiante, dona de si, Ctrl se destaca ao ela admitir suas fraquezas e falhas. Assim como a destreza com que o disco brinca com R&B, soul e indie de maneira que impede sua categorização, o que o torna único é sua voz, o que o torna belo é sua força. Trata-se de um álbum que soa como se pudesse ter vindo de alguém que refletiu tanto sobre algo que chegou ao ponto da aceitação. Mulheres sofrem duro escrutínio — na vida em geral e como figuras públicas — mas muitas vezes a voz que mais machuca é a nossa. Ouvir SZA passar por tudo isso e não apenas se expondo, mas se aceitando, mesmo ao desejar ser diferente, é essencial e inestimável. — Emma Garland

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