Saúde

Porque é que milhões de homens perdem os amigos íntimos a partir dos 20 anos

À medida que envelhecemos, a vida começa a atulhar-nos em problemas. Daí até ficarmos sozinhos é só um passo.
Ilustração de Dan Evans
Ilustração de Dan Evans

Este artigo foi publicado originalmente na VICE UK.

É comum os homens considerarem-se lobos solitários. Lobo solitário com ambições no trabalho. Lobo solitário no Tinder. Lobo solitário em casa a jogar Fallout 4 enquanto come lasanha pré-cozinhada. À medida que envelhecemos e a vida começa, inevitavelmente, a deitar-nos merda para cima, devíamos começar a questionar-nos se haverá uma razão para a maioria dos lobos caçarem em manada.

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Apesar de, no geral, sermos bestas sociáveis durante a época da escola e da universidade, quando começam a surgir pressões no trabalho, alguns rostos que antes nos eram familiares podem começar a desaparecer das nossas vidas sem nós nos darmos conta do quão sozinhos estamos no mundo.

Este mês, uma sondagem realizada pela YouGov (empresa que faz estudos de mercado na internet) a pedido da Fundação Movember, revelou que 12 por cento dos homens com mais de 18 anos não têm um único amigo próximo com quem falar de problemas sérios. Mais de um quarto dos homens disseram que falam com os amigos menos de uma vez por mês e nove por cento disse não se lembrar da última vez que falaram com os amigos.

Isto pode converter-se num problema sério mais tarde na vida. Uma investigação organizada pela Organização Mundial de Saúde concluiu que a falta de amigos íntimos tem um impacto significativo na saúde dos homens a longo prazo, porque corremos o risco de sofrer de depressão, ansiedade ou até tendências suicidas.

Sarah Coghlan, líder do Movember (movimento em que os homens deixam crescer os bigodes durante o mês de Novembro para alertar para temas de saúde masculina) disse-me "Muitos homens com quem temos falado contam não se terem apercebido do quão superficiais as suas relações se tinham tornado até terem tido um problema importante, ou uma morte de um conhecido, ou o fim de uma relação amorosa, serem pais ou enfrentarem o desemprego. Essas situações nas que mais se precisa de bons amigos".

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Então, o que é que acontece com as nossas amizades à medida que vamos envelhecendo? Abaixo, seis homens em diferentes etapas da vida falam-nos das suas relações com os seus amigos.

Matt, 19 anos

«Entrei na universidade, mas tive um ano difícil por causa do relacionamento em que estava na altura, que não correu bem e, então, saí da escola. Desde aí que trabalho sazonalmente. Durante todo esse tempo, conversei sobre a minha relação com amigos meus com quem tinha andado no liceu e não com os meus novos amigos da faculdade, simplesmente porque eram os que conhecia melhor. Tenho a sorte de pertencer a um grupo de amigos, somos sete ou oito, a maioria rapazes mas há duas raparigas. Todos nós andámos no mesmo liceu, mas conheço alguns deles desde o ensino básico. Eu abro-me com todos eles, posso conversar com eles sobre qualquer coisa. Eles também recorrem a mim para falarem de coisas pessoais. Eu prefiro conversar com os meus amigos do que com a minha família, porque eles podem estar a passar por coisas semelhantes e serem capazes de me perceberem melhor. Tenho amigos e conhecidos do trabalho, mas os meus amigos da escola são os que passaram todos os testes. Passámos por muitas coisas juntos.»

Tom, 21 anos

«Depois do liceu, fui trabalhar. Talvez tivesse feito mais amigos se tivesse ido para a faculdade, mas o estilo de vida dos estudantes está profundamente ligado a apanhar bebedeiras e a dar em drogas e eu não faço nenhum dos dois. Eles ter-me-iam achado uma aberração, porque essas coisas nunca me chamaram a atenção. Tenho cerca de seis ou sete amigos íntimos, mas tenho também muitos amigos novos. Trabalho quatro ou cinco dias por semana, por isso aproveito os dias de folga para sair com eles, se eles estiverem livres. Noventa por cento dos meus amigos vão aos mesmos concertos que eu, encontro-os sempre entre a multidão. Nos últimos três anos foi a altura em que mais amigos fiz. Quando tinha 16 anos não tinha amigos. Agora tenho porque me tornei muito mais confiante. Quando era adolescente não conseguia comunicar bem, tinha medo de conversar com as pessoas. Agora, tenho dois amigos com quem posso contar para qualquer coisa. Eles deixaram-me ir morar com eles durante um mês, enquanto eu procurava apartamento e contei-lhes muitas coisas íntimas. São quase família.»

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Stefan, 24 anos

«Acabei o mestrado no passado mês de Junho. Na verdade, acho que só me dava bem com duas pessoas da faculdade. Os outros faziam parte de um grupo de "amigos" com quem eu ia para os copos muitas vezes, mas não eram pessoas com quem eu pudesse conversar sobre coisas íntimas. Desde que comecei a trabalhar que a maioria das pessoas com quem saio são do trabalho, o que é um pouco deprimente. São boas pessoas, mas tudo o que temos em comum é que trabalhamos no mesmo sítio. Tenho três amigos que vejo com frequência e outros com quem falo no WhatsApp, mas que nunca vejo pessoalmente. Eu acho que, com a idade, me vou tornando menos agradável e gentil com as pessoas. Na escola tentava pertencer a grupos diferentes, mas agora só saio com esses três amigos que conheço há muito tempo ou vou, obrigado, beber copos com pessoas do trabalho que já têm filhos. No entanto, não acho que a minha situação seja má, saio com pessoas de quem gosto, em vez de tentar fazer amizade com pessoas de quem não gosto. Se eu tivesse um problema sério, escolheria conversar com a minha namorada sobre isso, a menos que fosse sobre ela. Tenho um amigo que conheço desde os três anos de idade e que vejo duas vezes por ano quando ele vem à cidade. É com ele que eu falo sobre essas coisas.»

Ben, 26 anos

«Ainda tenho três ou quatro amigos da universidade, mas naquela época eu era uma pessoa totalmente diferente, era como se tivesse um botão de auto-destruição. A razão pela qual não não me dou com mais amigos da faculdade é porque as pessoas com quem me dava na altura não são o tipo de gente que, hoje em dia, quero na minha vida. Não quero voltar a fazer todas as estupidezes que fazíamos na universidade. Os meus colegas do liceu são os meus amigos mais próximos, mas não os vejo muito, o que é paradoxal, suponho. Vejo-os talvez cinco fins-de-semana por ano, geralmente em despedidas de solteiro ou casamentos. Sei que posso contar com eles. Alguns passaram por maus momentos e nessas alturas estivemos sempre em contacto. No entanto, é difícil reservar tempo para ver os amigos. Tenho a impressão de que as semanas passam a voar. Vejo a minha namorada uma ou duas vezes por semana, tento fazer exercício dois dias por semana e sexta-feira é uma lotaria… Onde é que arranjo tempo para fazer mais coisas? Não há tempo. Tive uma conferência de trabalho por telefone esta tarde, o que acontece com muita frequência. Portanto, é difícil que me sobre tempo e energia para fazer planos com amigos. É triste. É um bocado deprimente, quando penso nisso.»

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Colin, 28 anos

«Tenho um grupo de amigos que fiz no primeiro ano da faculdade com quem ainda vou estando, embora alguns agora morem no estrangeiro. O meu melhor amigo da universidade foi atrás de uma miúda para a Nova Zelândia, mas falamos todos os dias. O estranho no meu grupo de amigos é que a minha ex-namorada faz parte, por isso quando tento introduzir uma miúda nova no grupo começo a receber muitas mensagens dela. Fora esse pequeno problema, tento vê-los o máximo possível. Se tiver problemas sérios, há diferentes pessoas com quem posso conversar. Um dos meus amigos mais próximos é, provavelmente, a pessoa mais sensível que conheço, por isso tento não falar sobre coisas profundas com ele. Por outro lado, é um tipo muito engraçado e quando estou com ele esqueço todos os problemas.»

Michael, 30 anos

«Eu não andei na universidade, fui directamente para um ambiente de trabalho onde conheci um grupo de pessoas da mesma idade que eu e com quem ainda mantenho contacto - com algumas delas, vá. Quando tinha 25 anos saía sempre com os meus amigos aos fins-de-semana. Naquela altura, sentia que a noite nunca ia acabar para mim. Mas quando me aproximei dos trinta, tudo começou a mudar. As pessoas vivem as suas vidas de forma mais individual e dedicam-se a criar um futuro e a desenvolver-se profissionalmente. Ninguém tem tempo para se divertir. Só continuo a combinar coisas com alguns amigos íntimos, mas se quero falar sobre um problema sério ou algo profundo, faço-o com a minha namorada. A verdade é que eu gostava de passar mais tempo com os meus amigos mais antigos mas, hoje em dia, se não for eu quem está ocupado, são eles. É difícil arranjar tempo para nos vermos.»


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