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Sexo

Como funciona o negócio dos castings porno em Espanha

Os milhares de vídeos "amateur" que proliferam na Internet são uma mina de ouro para as produtoras, que tipicamente podem contar com o rapaz de forma gratuita e pagam entre 200 a 400 euros à rapariga por uma cena.
aspirantes a actores porno em casting

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

O porno está sempre um passo à frente da sociedade. Sabe do que gostamos ainda antes de sequer o termos pensado e investe em I+D (Investigação e Desenvolvimento), como se fosse uma multinacional farmacêutica. Basta olhar para os últimos anos e para a forma como evoluiu e assimilou os hábitos contemporâneos, com bastante mais perspicácia que o sistema educativo, as empresas de táxis, ou os assessores políticos.

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Em pouco tempo, passámos dos filmes de argumento vago e manhoso, música de violino e gemidos em off, para o sexo explícito em quartos bem iluminados e, finalmente, para as filmagens de câmera na mão em residências de estudantes. Até chegarmos aos vídeos em 3D, com panorâmicas de 180º que podemos encontrar agora e em que este género cinematográfico é pioneiro. Tudo isto num instante. Se olharmos para os interesses dos espanhóis na hora de carregar na vasta imensidão das etiquetas das páginas porno na web, nos 10 primeiros lugares, de acordo com dados de 2015 tornados públicos pelo site Pornhub, estão, por exemplo, "españolas", "teen", "anal", ou "casting".

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Troca inicial de mails entre o casal protagonista desta história e o site FAKings.com

Tirando essa preferência nacional por encontrar o prazer onanista a observar os nossos compatriotas, os vídeos de gente a fazer as primeiras cenas nesta área são dos mais visitados. Um fenómeno que as produtoras têm sabido aproveitar, através de uma estratégia de marketing imbatível: pagam entre 200 a 400 euros à rapariga, dependendo do que esteja disposta a fazer e, no geral, bastante menos, ou mesmo nada, ao rapaz. A lógica parece ser a de que os homens já ficam satisfeitos se tiverem sexo de borla.

São valores irrisórios, principalmente tendo em conta os presumíveis lucros milionários destas páginas, ainda que não haja propriamente dados publicados sobre essa questão. A Cumlouder, página número um de conteúdos porno em Espanha e quinta a nível mundial, recebe, de acordo com o seu director de conteúdos, Daniel Casado, cerca de 18 milhões de visitas por dia. É a marca principal de Nacho Vidal, que há alguns meses assinou por eles, bem como casa de uma nova vaga de actrizes espanholas. A empresa funciona mais ou menos como o resto da indústria: anúncio, telefonemas de curiosos e uma oferta com resultados mais do que lucrativos.

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"Contactam-nos através de um formulário digital. Não fazemos propriamente um formato de casting, mas sim, aceitamos raparigas e, se estivermos perante um caso excepcional, também aceitamos um ou outro rapaz. No entanto, temos o nosso próprio plantel", salienta Casado. "A elas paga-se entre 250 euros, o mínimo dos mínimos, e 400 euros. A eles só se paga se ejacularem. Entre 150 a 200 euros. Se não, nada", argumenta o responsável. E acrescenta: "O conceito de trabalho grátis não existe: se as pessoas trabalham, são pagas".

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Uma imagem do "casting" de Aitor e Briseida. Todas as fotografias cortesia de FAKings.com

Para além disso, os novatos recebem informação antecipada sobre o que vão fazer, têm de levar resultados de análises recentes para garantirem que não têm doenças sexualmente transmissíveis, assinam um contrato de cedência de direitos de imagem e, se houver disponibilidade para tal de ambas as partes, podem optar por outras possibilidades de trabalho: webcam, novas cenas…

Condições idênticas, aliás, àquelas que publicitava Torbe, o "rei do porno", recentemente detido por alegados abusos de menores, difusão de pornografia infantil e tráfico de seres humanos. No seu portal PutaLocura.com explicava com detalhe o modus operandi, parecido com o da Cumlouder. "Queres ser actriz porno?", perguntava. "Finalmente, um lugar onde conseguir trabalho", respondia.

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Captura de ecrã do Putalocura.com

No site também se diz que "se paga desde o primeiro dia", sem, no entanto, se especificar quanto. "O dinheiro a ganhar depende de vários factores: do resultado da primeira entrevista pessoal, do aspecto físico e da forma de trabalhar", adianta. "O que te vamos propor serão lotes de 3, 5, 10 ou 20 cenas. Sumando tudo podes sacar facilmente vários milhares de euros. Também assessoramos gratuitamente quem quiser trabalhar no estrangeiro, ou podemos até ajudar a encontrar trabalho noutras produtoras amigas".

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FAKings é uma dessas produtoras e completa o tridente do panorama espanhol. Nos seus escritórios, Arnaldo Chamorro, de 34 anos, dono e fundador, recebe os candidatos sentado à frente do ecrã de computador. Desde 2002 que está no mundo do porno e há seis com esta empresa, que regista cerca de 360 mil visitas por dia. "Para além disso, temos mais ou menos 40 pessoas que fazem webcam", conta-nos.

Esta tarde tem no escritório um casal que quer mostrar em público o que faz na intimidade. O processo que seguiram para chegar aqui foi o mesmo que nas situações anteriormente relatadas. Vêm de Sevilha e vão ganhar "entre 250 e 300 euros, mais despesas de viagem". No total, cada cena colocada na web rende-lhes uns mil euros.

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Noa e Tomi, os actores de FAKings

Chamam-se Aitor e Briseida e têm entre 30 e 26 anos. São acompanhados por Noa e Tomi, veteranos na arte de copular em frente às câmeras. "Estamos juntos há nove anos. Eu sempre gostei de exibir-me e estou desejoso de começar", solta Aitor. E as consequências? Passar a fazer parte de um arquivo eterno a que se pode aceder praticamente de qualquer parte do Mundo? "É-nos igual. Estamos aqui para desfrutar", afirmam depois de tomarem um duche e escolherem o vestido e a roupa interior.

As directrizes de Arnaldo são simples. Este falso casting começará com uma suposta surpresa de uma namorada ao seu par como prenda de aniversário. Qual é a surpresa? Ver ao vivo e em acção os seus ídolos da fornicação.

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O casting de Aitor e Briseida com os actores Tomi e Noa

Para as filmagens há dois planos fixos, graças a dois tripés escondidos por trás de um biombo do Ikea e a um operador que se move entre as posições dos casais, calçado só com meias. Silêncio e um ou outro suspiro precedem o grito de "Acção!".

"Nós levamos isto muitíssimo bem, mas no início também tínhamos um bocado de vergonha", conta Noa, 30 anos, antiga empregada de mesa e actualmente actriz com nove anos de experiência e actividade repartida entre webcams, telefone erótico e canal web pago. "Oferecem-me outras coisas agora, mas não quero", salienta, orgulhosa.

"Se vês que não o levantas, não te preocupes. Está tudo aqui", aconselha Arnaldo apontando para a cabeça. Depois de mais algumas indicações, faz-se a apresentação inicial e parte-se para a acção. Cunnilingus, felação e as primeiras investidas frontais. Entretanto, o casal do casting observa no sofá. Tiram as roupas prosaicamente e terminam como previsto: a dar tudo na posição de quatro. Cada barulhinho ecoa pela sala como se o edifício inteiro estivesse desabitado. No final, a pontuação geral é positiva.

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Ter estado a poucos centímetros de alguém a praticar sexo oral, faz com que uma pessoa se lembre de frases de La Ceremonia del Porno, de Andrés Barba e Javier Montes: "Lá bem no fundo, é impossível alguém não se sentir profundamente perturbado ao ver porno. É certo que não será igualmente perturbador ou misterioso para toda a gente de forma igual, mas seguramente que para toda a gente há porno profundamente comovente. A experiência pornográfica é irregular, descontínua e variável. Num sentido profundo - além das convenções sociais mais ou menos restritivas e cada vez mais obsoletas - o porno continua a ser incómodo, como poucas outras coisas são".

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Numa pesquisa rápida pela Internet encontram-se, para além de páginas com conteúdos similares aos que acabámos de relatar, dezenas de anúncios com o mesmo tema: "Procuram-se actrizes para casting". Ao que parece, em todo este assunto deveras complicado está subjacente uma base sociológica mais ou menos sólida. Segundo os mesmos dados do Pornhub já mencionados, 74 por cento dos espectadores de porno são do sexo masculino, passam uma média de oito minutos e quatro segundos em cada cena e a sua média de idade é de 35,3 anos. Os ingredientes mais que certos para justificar que pouco se pague aos actores.

A isto junte-se a crise financeira e uma maior abertura moral, ainda que Arnaldo Chamorro garanta que a situação económica é mais uma questão de moda que algo real. "Não é que não tenha contribuído ou afectado a situação, mas quase ninguém faz isto por dinheiro. Isso é outro negócio completamente diferente".


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