Foto: Marko Popadić (400nm.de)
Desde 2012, em São Paulo, a dupla Denny Azevedo e Ricardo Don tem promovido eventos que se constituem na ideia de tradição, folclore e herança do passado através do ¡Venga-Venga!. O projeto, que começou como uma festa de rua, ganhou novos contornos ao longo dos anos (com mais figurinos extravagantes, sets psicodélicos e eventos cada vez maiores), até finalmente culminar num projeto autoral que Denny e Don nesse ano, intitulado Folclore do Futuro.
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O EP reúne a ideia de reinvenção cíclica da cultura aos personagens excêntricos encarnados pela dupla, e é arrematado pela produção do espanhol Miret, que Denny e Don conheceram durante uma apresentação num festival na Croácia.
A dupla vai liberar uma música do EP a cada 30 dias nos próximos meses; a primeira é a faixa-título do trabalho, que o THUMP lança exclusivamente nessa sexta (7). Acompanhada de um clipe tão naturalista quanto psicodélico, dirigido por Beatrix Guedes, “Folclore do Futuro” define o tom para o resto do trabalho.
Enquanto assiste o clipe abaixo, leia a entrevista com o ¡Venga-Venga! sobre a visão da dupla de folclore e a trajetória que os guiou ao lançamento de seu primeiro trabalho autoral.
THUMP: Vocês levaram quatro anos desde o surgimento do ¡Venga-Venga! para lançar um projeto autoral. Por que a demora?
¡Venga-Venga!: Não “esperamos” quatro anos, foi algo como sentir que chegamos num ponto do projeto em que se fazia necessário poder criar canções autorais e passar também nossa própria mensagem, mas isso aconteceu de uma maneira muito natural. Conhecemos o Miret num festival que tocamos na Croácia e voltamos juntos para Barcelona. Ali, em seu home studio da Villaroel, começamos a fazer experimentos de voz e letras, ter nossas primeiras noções de produção musical, foi quando nasceu a canção que também é o nome do projeto: “Folclore do Futuro” e que depois cresceu com outras canções que resolvemos acompanhar de vídeo-arts a serem lançados com as músicas.
O trabalho da ¡Venga-Venga! nas festas e atividades culturais sempre é colaborativo, e tentamos fazer que seja também múltiplo. Por isso, tudo parte da parceria com o Miret e a criação musical, mas se desdobra em imagens, festas, performances. Para isso contamos com a colaboração do fotógrafo alemão Marko Popadic para a capa e o primoroso trabalho da Bea Guedes como diretora do nosso primeiro videoclipe.
Vocês falam de um “Folclore do Futuro” — que sentido vocês atribuem à palavra “folclore” nesse contexto?
Basicamente, sempre trabalhamos, desde o início da ¡Venga-Venga!, a mescla de tradições, ritmos e usos populares, que nada mais são do que… o folclore! Mas o folclore nao está somente nas lendas clássicas que conhecemos, ele está e se renova e modifica de geração em geração.
Somos influenciados pelo folclore brasileiro e suas nuances, não apenas na nossa identidade cultural básica, mas também ao longo da nossa formação artística que ao longo dos anos foi sofrendo interferências do folclore de outras partes do mundo.
Quando decidimos cantar sobre tal tema, pensamos que isso deveria ser feito de uma maneira que pudesse questionar as pessoas sobre a relevância e, acima de tudo, criando esse estímulo “qual é o seu folclore?”
Acreditamos que, neste caso, “Folclore do Futuro” seja ao mesmo tempo aquele momento de reflexão que te instiga de maneira muito poética a se questionar: “Mas e aí?”, “Qual é o folclore do futuro?”, “O que vem depois?”, “O que vem além?”, “Qual o futuro do folclore?”, “Como lidamos com nossas influências ancestrais?”, “Qual o real valor que tem pra você o folclore?”…
Uma série de perguntas que surgem e que queremos criar na mente das pessoas para levar a mensagem de que o folclore pode ser — e é — tudo o que te leva a ser alguém que imagina, que deixa a imaginação fluir, que inventa e se reinventa e a importância disso no período atual, onde talvez ser um alguém que imagina além pode te levar ao instigante desconhecido.
Nós propomos uma mistura sem fronteiras, ampla: falamos de cultura universal que assimile cada identidade regional.
Por que “Folclore do Futuro” foi a faixa escolhida por vocês pra ganhar um clipe e ser a primeira a ser lançada do EP?
Ela foi justamente a primeira música a ser criada por nós três juntos e que inaugurou o projeto. Estávamos pesquisando as Missões de Pesquisas Folclóricas do Mário de Andrade, que é uma de nossas grandes referências musicais. Sampleamos uma delas e começou toda a colagem de referências folclóricas. Ao definir o estilo onde queríamos chegar, surgiu o nome da canção: “Folclore do Futuro”, uma exortação aos folclores muitas vezes esquecidos, atualizado, contemporâneo.
Não teria outra opção senão começar por ela. É o manifesto geral do trabalho e mostra o feeling do nosso conceito autoral.
De que maneira a estética do Miret combinou com o a que vocês queriam para o trabalho do ¡Venga-Venga!?
Miret é um artista bastante diverso como nós. Catalão nascido no México, tem na veia a globalidade. Desde que nos conhecemos a afinidade foi rápida e ele passou a se influenciar e se apaixonar também por nossa estética tropical, brasileira.
Foi ele quem disse: ‘vocês precisam iniciar seu projeto autoral já!’, dando voz a uma inspiração antiga nossa. E, com sua experiência e a maneira meticulosa com que produz, foi direcionando tecnicamente o projeto. Ele que assimilou a influência do hip hop e de synts oitentistas, por exemplo, ao nosso trabalho.
Como a identidade das músicas é global, porém acima de tudo brasileira, era um constante jogo das suas impressões “gringas” sobre nossa alma tropical, quase uma antropofagia ao contrário.
Vocês dizem que criaram “personagens” para o clipe de “Folclore do Futuro”. Quem são e como surgiram esses personagens?
Pensamos com a Bea — Beatrix Guedes, diretora do vídeo-art — em uma espécie de fábula em que nós, os três alquimistas, desbravávamos esse jardim tropical cruzando seres folclóricos que ali habitavam.
Nesse conceito que trabalhamos sempre de fazer releituras com arquétipos e elementos culturais de várias partes, sem uma definição, convidamos os seres que habitam o nosso mundo real, das festas performáticas e da cena paulistana para contribuir com sua estética. Performers e personalidades como Eduardo Laurino, Arlete Alves, Juliano Ferrari e Marquesa Amapola deram vida aos personagens: o xamã, a burlesca, de fauno a monstros lúdicos e odalisca de maiô, não deixa de ser a verdadeira mistura pop que vivemos. Como diria Gilberto Gil “os identifisignificados novos seres que virão!”.
Onde foi gravado o vídeo, e como aconteceu a escolha do local?
Logo na primeira reunião que tivemos com a Beatrix sobre como seria este videoclipe já tivemos dela a sugestão de rodar as cenas nos jardins dessa casa modernista, uma jóia escondida em São Paulo. Essa casa é um dos exemplares mais relevantes da arquitetura modernista no Brasil e assinada pelo polonês Eugenio Slasgisz, premiada na Bienal de Arquitetura de 1972. Nossa paixão por descobrir reentrâncias urbanas nas nossas festas, se fez valer aqui também. O jardim da casa, que virou nossa floresta, foi feito pelo Burle Marx nessa área remanescente da Mata Atlântica original. Não nos deixa de fazer pensar que o modernismo brasileiro ja pensava no “folclore do futuro” e que talvez sejamos a realização desse futuro!
Ficamos muito empolgados por estar nesse oásis tropical em meio ao caos cosmopolita. Todo o cenário estava ali, pronto e abundante! A selva mística do “Folclore do Futuro” mais do que de pressa foi tomada pelos seres e personagens que evocam o hedonismo e a liberdade.
Me contem um pouco mais sobre as outras faixas de Folclore do Futuro.
Além de “Folclore do Futuro”, nós três já havíamos criado um tema com o mestre búlgaro Kosta Kostov, foi o clique inicial!
As demais canções aconteceram um ano depois quando Miret veio pela primeira vez ao Brasil e estava impregnado de influência tropical. Criamos em casa mesmo e gravamos no home studio do Atimos, DJ residente da ¡Venga-Venga!. Tudo num clima de descoberta e prazer em poder abrir outras portas. Agora que temos essa ideia toda mais materializada, fazemos o lançamento em doses homeopáticas, mostrando o processo criativo mesmo, felizes e ansiosos para apresentar ao público essa nova faceta do nosso trabalho.
Todo o trabalho de pesquisa que desenvolvemos nos fez perceber que Folclore do Futuro é um apanhado de muitas referências as quais acreditamos serem ingredientes indispensáveis para essa poção mágica e cheia de ritmos e influências, não só folclóricas e com percussão e sonoridade de raízes brasileiras, mas também uma mescla que transita entre o antigo que revisitamos e do contemporâneo universo dos beats eletrônicos que estão presentes nas outras faixas. Às vezes mais psicodélico, em outros momentos com pitadas de hip-hop que lembram repentes, reggae, dub… Uma musicalidade que traz consigo poemas e canções com experimentos onomatopoéticos.
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