Ouvir música clássica, à partida, parece uma tarefa complicada. Diz-se por aí que alguns dos efeitos secundários envolvem sonolência, formigueiro nas pernas — demasiado tempo sem mexer os pés faz mal, certo? — e, a pior celeuma da lista, o aborrecimento. Pois, mas eu (que nunca tinha ido a um, chamemos-lhe assim, evento erudito) provei na primeira pessoa que os preconceitos existem para estarem errados de vez em quando.
Maldita pontualidade, a minha.
Só me faltava a companhia, não queria ir sozinha ver a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música. Ir a um concerto sozinha já é mau — a um concerto de música clássica, pior ainda. Pensei em levar comigo alguém que fizesse música, de preferência que não fosse clássica, e liguei ao André Tentugal, o senhor We Trust, para ver se ele me podia acompanhar na minha estreia pelos adágios. Sorte a minha: ele aceitou logo.
Tive de imprimir os bilhetes a dobrar porque a senhora das limpezas deitou fora os primeiros.
Então, na sexta-feira passada, lá estava eu, a olhar para o relógio, à espera que o André chegasse. Íamos ver os Mestres Russos. O foco era a Sinfonia n.º2 do Rachmaninoff, mas, antes de entrar, não estava a pensar na antiga URSS, mas sim na minha roupa — éramos (entretanto, o André chegou) oficialmente as pessoas mais informais na Suggia, eu de sapatilhas, o André de calções (para ver se o Verão chega de vez). Antes de entrarmos, ainda fiz um pequeno questionário ao André: “Rachmaninoff, Bach, ou Izmailov — qual destes é um compositor russo?” Ele não se perdeu na rasteira e deu a resposta correcta, claro.
Finalmente, lá nos sentámos. Enquanto o André me confessava que não tinha, propositadamente, pesquisado de antemão nada sobre a peça, eu olhava em volta: pessoal mais velho, bem arranjado e com um ar compenetrado — para a próxima tenho meeesmo de passar por casa depois de sair do trabalho.
Prémio informalidade 2013.
O silêncio na sala era de admirar. Um a um, os 90 membros da orquestra subiram ao palco (sim, contei-os). Há uma evasão incrível na erudição, senti-me parte de um filme. No intervalo, o André foi-me tentando ensinar algumas coisas sobre música clássica — ele, apreciador de orquestras (com quem gostaria, um dia, de actuar), sabia bem mais disto do que eu. Durante mais de uma hora, muitas vezes de olhos fechados, senti a viagem (desculpem a metáfora batida, mas, a sério, não há outro nome para isto).
No final, tomámos café.
VICE: Então, André. Gostaste?
André Tentugal: Bastante, mesmo.
Comparativamente aos teus concertos, qual é que dirias que é a maior diferença de uma actuação de música clássica?
A maior diferença é, claro, a quantidade de gente em palco. E depois são os arranjos. Na pop, como há menos músicos, há menos arranjos e os pormenores acabam por ser mais importantes. Aqui, com uma orquestra, há uma soma das partes que cria este todo fantástico, super emocional.
Costumas ouvir música clássica?
Sim. Ouço Antena 2, de vez em quando. E quando tenho oportunidade de ouvir música clássica, fico preso. Isso também me acontece com o jazz. Tento arranjar tempo para ouvir música clássica.
Há pouco dizias-me que encontravas um fio condutor entre a pop e a música clássica.
Acho que na música clássica existem vários elementos dramáticos que eu associo à música pop. Existem melodias que se repetem, chamadas, que, para mim, fazem parte do universo pop. Há compositores clássicos que eram os artistas pop na sua altura. O Mozart era o músico popular da altura dele. É irónico.
Reparaste que éramos as pessoas mais novas da sala?
Sim, sim.
E por que achas que é assim?
A música clássica não é fácil. É preciso estares com alguma predisposição para a ouvir. Tem regras muito específicas na sua estrutura, com mudanças de tempo e de acordes. Mas, ao mesmo tempo, acho que a malta jovem lhe devia dar mais oportunidades.
Enquanto músico, vias-te a ser acompanhado por uma orquestra?
Completamente. É um dos maiores sonhos que tenho.
És realizador e músico. Ouves cinema na música clássica?
Sim. E já a minha música é cinematográfica. Para mim, a música clássica é a mais próxima do cinema. Quando ouço música clássica, estou a ver os cenários, as personagens a dialogar. Para mim, é uma música muito imagética, como se fosse o cinema sem imagens. Se é que isso é possível…
Boa. Obrigada por teres aceitado o convite.
Fotografia por Rui Oliveira