Como o Maior Banco Criogênico do Mundo Está Sendo Construído
Crédito: Smithsonian / Donald E. Hurlbert

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Tecnologia

Como o Maior Banco Criogênico do Mundo Está Sendo Construído

A Iniciativa do Genoma Global, da Smithsonian, abre suas portas em 2015. Eis o que você precisa saber sobre a maior iniciativa científica sobre o assunto já feita.

Para entender o novo projeto de preservação do Smithsonian, é preciso esquecer os leões empalhados e os ossos de dinossauros. Ao invés disso, imaginem laboratórios reluzentes repletos de enormes tanques de aço, cada um deles contendo milhares de âmpolas mergulhadas em nitrogênio líquido. Dentro de cada âmpola, há uma amostra de pele congelada, um embrião ou sementes, vindos de seres vivos de todo o mundo: aqui temos o material genético de pássaros da África Oriental, de sapos do sul da Ásia e de peixes dos corais caribenhos.

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"Estamos reconstruindo os museus para a ciência do século 21", disse Jonathan Coddington, o futuro diretor da Iniciativa do Genoma Global. Essa é a nova iniciativa do Instituto Smithsonian: crio-preservar organismos de cerca de 80.000 espécies da árvore filogenética e estudá-los com o uso de novas tecnologias de estudo de DNA.

Para isso, o Smithsonian está mobilizando um exército — formado por 28 instituições de 14 países e centenas de cientistas — para ajudá-los na maior operação de coleta científica da história.

Criada em 2010, a Iniciativa do Genoma Global vem formando parcerias e ampliando sua infraestrutura nos últimos quatro anos. O lançamento oficial do projeto acontecerá no começo de 2015.

Crédito: Smithsonian / Donald E. Hurlbert

Estamos vivendo na era de ouro da pesquisa genética. Nos anos 90, cientistas levaram 10 anos (e quase 3 bilhões de dólares) para completar a primeira descrição do genoma humano; hoje, podemos esmiuçar todo o material genético de um organismo em alguns dias, por alguns milhares de dólares. Mas há um forte antropocentrismo na lista dos genomas analisados — especialmente se tivermos em mente as mais de oito milhões de espécies de plantas e animais existentes na Terra.

"A maioria dos genomas estocados são de espécies com valor medicinal ou econômico para os humanos", disse-me Coddington. "Do ponto de vista da biodiversidade, nossa abordagem da ciência genômica é limitada, quase elitizada."

E aí que entra a Iniciativa do Genoma Global. "Atualmente, não temos o conhecimento necessário para entender alguma estruturas básicas da árvore filogenética — como quais espécies estão interligadas. Com uma abordagem estratégica da biodiversidade genômica, aprofundaremos nossa compreensão acerca das relações evolucionárias do planeta, em uma época marcada pelo risco de perdê-las", disse Coddington.

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O MUNDO BIOLÓGICO É REPLETO DE TECNOLOGIAS INCRÍVEIS, E O ESTUDO DOS GENOMAS É ESSENCIAL PARA COMPREENDÊ-LAS E UTILIZÁ-LAS

O primeiro (e meio óbvio) resultado da iniciativa de decodificar os genomas da vida na Terra será a possibilidade de identificar organismos específicos mais rapidamente. O projeto também nos permitirá a identificar e compreender características que gostaríamos de ter.

"Os tubarões não desenvolvem câncer; há uma espécie de água-viva que é, para todos os efeitos, imortal; abutres comem coisas em decomposição e não passam mal — o mundo biológico é repleto de tecnologias incríveis, e o estudo dos genomas é essencial para compreendê-las e utilizá-las", disse-me Coddington.

O Instituto Smithsonian irá se unir a uma rede de bio-repositórios—bancos criogênicos capazes de armazenar vastas quantidades de amostras genéticas — que incluem os Museus Nacionais da Dinamarca, da Hungria e Austrália, assim como o Banco de Genes Nacional da China. A Iniciativa do Genoma Global funcionará como um intermediário, permitindo que cientistas que queiram estudar um organismo específico obtenham amostras de qualquer bio-repositório da rede.

Crédito: Smithsonian / Donald E. Hurlbert

Nos próximos seis anos, a Iniciativa do Genoma Global pretende preservar criogenicamente amostras de cada umas das 10.000 famílias de seres vivos. O instituto possui cientistas em várias partes do mundo, dos recifes caribenhos às florestas do sul da Ásia, recolhendo amostras e enviando-as, congeladas, para o bio-repositório do Smithsonian, no subúrbio de Maryland, que reúne mais de 200.000 amostras.

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Um projeto de coleta dessa magnitude atrai algumas críticas. Em uma carta enviada em maio para a revista Science, o biólogo Ben Minteer, da Universidade do Estado do Arizona criticou a prática de guardar organismos vivos em coleções de museus, citando casos nos quais curadores foram tão cuidadosos com seus espécimes favoritos que os levaram à extinção.

"A vontade de colecionar espécimes aumenta conforme esses organismos se tornam mais raros", escreveu Minteer. "Essa prática pode aumentar o risco de extinção de populações pequenas e isoladas."

A carta foi recebida com críticas pela comunidade científica, que afirma que o argumento de Minteer está arraigado em "exemplos isolados", e além disso, que não existem provas conclusivas para afirmar que as extinções citadas estão ligadas às coleções científicas.

A VERDADEIRA CONSERVAÇÃO, NESSE MUNDO EM ETERNA MUDANÇA, ENVOLVE MANIPULAÇÃO BIOLÓGICA E ORGANIZAÇÃO

"As coleções modernas tem que seguir uma lista de regulamentos e guias de conduta, incluindo a limitação da coleta de espécimes a um número irrisório e que não afete sua população total", afirma uma carta escrita por dezenas de cientista em resposta à de Minteer.

A carta explica como o ato de coletar espécimes vivos pode auxiliar na conservação dessa espécies ao possibilitar o estudo minucioso da informação biológica necessária para inserir um organismo na Lista de Risco da IUCN.

É loucura afirmar que a maioria dos espécimes são coletados em prol da conservação; no entanto, as coleções biológicas são utilizadas para fins muito inesperados. Pesquisas à parte, qual poderiam ser esses outros usos dos bancos criogênicos da Iniciativa do Genoma Global?

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Em primeiro lugar, evitar ou desacelerar a sexta extinção mundial em massa. Já levamos mais de 1.000 espécies à extinção em nossos 200.000 anos na Terra. Antes mesmo dos primórdios da civilização, nossos ancestrais já participavam da matança da mega-fauna do planeta — mamutes, cangurus e bicho-preguiça gigantes, entre outros.

"Caso uma espécie seja extinta, as células congeladas são a informação vital necessária para reviver esse organismo", disse-me Ben Novak. Novak é um paleogeneticista do Revive and Restore, uma ONG que, nos últimos anos, virou líder do movimento que planeja ressuscitar espécies extintas.

Crédito: Smithsonian /Donald E. Hurlbert; Brittany M. Hance; James Di Loreto

A "desextinção", uma ideia que existiu por muito tempo no limite entre a realidade e ficção científica, está se tornando uma possibilidade viável. Existem pesquisas científicas legítimas com o objetivo de ressuscitar o pombo-passageiro e o mamute-lanoso. Infelizmente, no caso de espécies extintas há muito tempo, nós não temos o material genético necessário para a clonagem. Os cientistas precisam reconstruir o genoma do organismo extinto a partir de fragmentos de tecidos deteriorados. O processo é tão difícil quanto parece.

"Usar tecidos não-criogenados como taxidermia e fósseis torna o processo extremamente desafiador, ou até mesmo impossível", afirma Novak.

Os esforços para reviver espécies extintas há muito tempo podem ser cheios de desafios, mas não são apenas um passatempo. Eles trazem uma base de otimização dos métodos que poderão ser utilizados para restaurar grande parte da biodiversidade do planeta no futuro (mas reviver os mega-predadores das pradarias norte-americana é outra história).

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Crédito: Smithsonian /Donald E. Hurlbert; James Di Loreto; Britnay M. Hance

"As descobertas feitas em pesquisas sobre espécies extintas nos permitirão utilizar os recursos da Iniciativa do Genoma Global de forma mais completa possível", disse Novak. "O sucesso da desextinção abre novos caminhos para a preservação de espécies em risco."

Ressuscitações à parte, armazenar a biodiversidade da Terra é, sem dúvidas, algo vantajoso para a conservação. A diversidade do genoma é uma parte essencial da capacidade de adaptação de uma espécie, e a primeira característica a desaparecer quando uma população decresce.

"No futuro, células criopreservadas poderão ser um repositório de informações genéticas perdidas", explicou Novak.

A reintrodução de genes perdidos poderá proteger pequenas populações do futuro sombrio do Antropoceno. Usando amostras de esperma congeladas há 20 anos, cientistas estão testando técnicas de "resgate genético" no furão-de-pata-preta, uma espécie salva por muito pouco — só haviam dezoito espécimes em todo o mundo.

As ferramentas utilizadas pela biologia sintética podem até ser experimentais, mas a criação da Iniciativa do Genoma Global representa uma mudança no paradigma vingente: atualmente, a preservação não é apenas para os vivos (a mudança vem em boa hora — a conservação tradicional não tem dado muito certo). O objetivo é arquivar a essência da vida para as gerações futuras.

"A verdadeira conservação, nesse mundo em eterna mudança, envolve manipulação biológica e organização" disse Novak. "A conservação se beneficia com o sucesso de programas como a Iniciativa do Genoma Global, e sobretudo com o uso desses recursos."

Então, independente do que aconteça no próximo século, podemos nos consolar com a visão desses mamutes, em laboratórios estéreis espalhados pelo mundo, vigiando silenciosamente a nossa herança para os tempos futuros.

Tradução: Ananda Pieratti