A Saga de Pedro Pimenta: De Tetramputado a Polibiônico
Crédito: Helena Wolfenson

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A Saga de Pedro Pimenta: De Tetramputado a Polibiônico

Pedro Pimenta perdeu as pernas e os braços com 18 anos, mas 5 anos depois ele se vê como única pessoa no mundo que utiliza quatro próteses

É preciso olhar pra cima para encarar Pedro Pimenta. Não é força de expressão. Durante a entrevista, ele fica de pé e eu, sentado, tenho de levantar a cabeça para trocar uma ideia. "Passo a noite deitado, gosto de ficar em pé quando acordo", diz. Eu também passo a noite deitado, escovo os dentes, pratico esporte, ia pra faculdade até pouco tempo, já morei sozinho e fico em pé. Pedro faz tudo isso (e mais) com quatro próteses de braço e perna.

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"Acordo, ponho as próteses e começa meu dia, igual ao seu. Na época que eu namorava eu cozinhava, mas agora eu fico no trio do solteiro: omelete, Miojo e cereal", diz ele, rindo. Pedro é um dos poucos tetramputados que utiliza todos os membros biônicos. Provavelmente, o único brasileiro. Ele próprio nunca viu ninguém nas suas condições com tanta independência movida a pernas e braços com uma aura meio steampunk, meio ciborgue.

As pernas são modernas. Elas têm sensores nos pés que transmitem informações aos joelhos eletrônicos, responsáveis por controlar pistões na perna equivalentes a músculos. "O microprocessador na articulação sabe em que estágio da passada estou, o quão rápido estou, qual a inclinação do terreno em que estou", diz Pedro. Feitas de alumínio, aço inoxidável e fibra de carbono, cada uma das próteses inferiores pesa 10 quilos.

Os braços também são feitos desses componentes, mas pesam 2 quilos e meio cada um e funcionam somente com mecânica. Quando o cotovelo trava, o punho dobra; quando o punho trava, suas mãos trabalham com precisão milimétrica. Tudo é controlado por cabos e correias presos às costas de Pedro, como um coldre. "É um sistema da segunda Guerra Mundial. Esses cabos são parte do meu sistema nervoso. Eu consigo sentir pela tensão dele o quanto estou abrindo os ganchos", explica ele, enquanto brinca com seu braço.

A simbiose que ele alcançou com seu corpo biônico é impressionante. Com uma caneta stylus, ele usa o smartphone depois de deixar uma garrafa de energético de lado. Enquanto fala segurando o aparelho junto ao rosto, anda sem problemas. Nada de mais perto do que faz em dias normais. Pedro mora sozinho nos EUA. Ele dirige um carro normal para ir à faculdade, onde estuda economia. Quando tem um tempo livre, cola em algum bar com os amigos.

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Crédito: Helena Wolfenson

Pedro mora perto de um estádio de baseball, mas esse esporte é muito parado pra ele. Ele já participou de competições de triatlon, retirando as próteses na parte da natação. Aliás, ele nada periodicamente. "E faço academia todo dia", conta. Não bastasse essa correria toda, Pedro tem que dispensar mais energia que o normal nas atividades. "Duas amputações acima do joelho trazem um gasto de 3 a 4 vezes maior do que em quem tem pernas. Perdi metade do meu fêmur", diz.

Para chegar a esse estágio, Pedro teve de passar por um treinamento voltado a veteranos de guerra do Afeganistão e do Iraque na cidade de Oklahoma, nos EUA — um processo mais cansativo que qualquer esporte que ele tenha feito. "Nesse lugar eles me falavam: suas próteses são seu corpo, elas fazem parte de você e são suas ferramentas para sua sobrevivência." Foram quase dois meses num regime caxias para sair de lá andando por conta própria. Antes disso, o cara era desacreditado por médicos logo após sua amputação.

Me falavam: "suas próteses são seu corpo, elas fazem parte de você e são suas ferramentas para sua sobrevivência"

Tudo aconteceu em 2009. Ele tinha 18 anos à época e fazia cursinho para prestar vestibular e, quem sabe, estudar economia. Numa madrugada de sexta para sábado ele acordou em estado de choque. "Não conseguia falar, me levantar, e até para me movimentar e pegar o celular do outro lado da cama foi difícil", lembra. Ele conseguiu ligar para o irmão e dali em diante só recorda de ter acordado no hospital dias depois.

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"Olhei pros meus braços e pernas e eles estavam gangrenados, apodrecidos. Minha mão parecia mão de múmia, fininha e preta. Foi a fase do terror", conta. Ele fora vítima de meningococcemia, infecção generalizada causada pela mesma bactéria da meningite. No caso de Pedro, em vez de chegar às meninges, a bactéria tomou a circulação sanguínea e demorou pouco tempo até que as extremidades do seu corpo atingissem o estágio de necrose.

Crédito: Helena Wolfenson

Ele não tem ideia de como contraiu a bactéria, transmitida através da mucosa, mas sabe que sua imunidade estava baixa, o que favoreceu a doença. Para sobreviver, era imprescindível cortar fora os membros apodrecidos. "A notícia de amputar até foi boa. De alguma forma, se eu quisesse seguir com a minha vida, teria que ser como amputado", diz ele. Depois de 5 meses, Pedro saiu do hospital.

No dia 6 de dezembro de 2010, após a recuperação nos EUA, ele abandonou a cadeira de rodas. 40 dias depois foi a vez do cuidador dele rodar. Desde então ele viaja pelos Estados Unidos e pelo Brasil dando palestras e colaborando na recuperação de outros amputados. Pedro acabou de colocar sua história no papel, no livro "Superar é Viver", embora saiba que tem mais coisa pela frente. "Quero desenvolver a parte de filantropia aqui no Brasil, quero começar uma fundação aqui", planeja.

Por enquanto, ele fica nos EUA. Depois de três anos morando sozinho, Pedro vai montar uma república com uns amigos. Talvez o único papo diferente na casa será sobre a manutenção dos membros biônicos. "Usar quatro próteses é ir no mecânico toda hora. Tem que trocar parafuso, trocar não sei o quê. Agora a perna esquerda está quebrada porque teve um vazamento de líquido do pistão. Parece que a gente está falando de carro!"