O Baile de Formatura de Slab City

FYI.

This story is over 5 years old.

Fotos

O Baile de Formatura de Slab City

O Peter Bohler acompanhou a festança que celebra o fim do inverno na ocupação Slab City, a comunidade de moradores irregulares mais isolada da Califórnia

O fotógrafo Peter Bohler visitou Slab City — a comunidade de moradores irregulares mais isolada e erma da Califórnia, situada em uma antiga base militar numa parte cruel do deserto — pela primeira vez há sete anos para registrar catadores de materiais recicláveis que iam até as fronteiras de uma área de bombardeios depois da realização de testes, coletando cartuchos de latão de metralhadoras dos aviões. A 50 centavos de dólar a unidade, uma coleção de cartuchos mais a sucata de alumínio das bombas lançadas podem acumular mil dólares em uma noite depois de irem até o centro de reciclagem. Depois o Peter voltou lá para uma viagem divertida: o Baile de Formatura anual de Slab City. A gente quis saber tudo sobre o evento.

Publicidade

VICE: Como foi a sua viagem? Você se divertiu?
Peter Bohler: Sim! Cheguei lá na noite antes do Baile de Formatura — logo depois de escurecer, e estava com um amigo — e a gente ficou dirigindo e tentando ver quem poderíamos cumprimentar. Estava uma escuridão; não tinha luz em lugar nenhum. Passamos por umas formas fantasmagóricas de acampamentos no escuro. Muitos deles são feitos com trailers, mas tem gente que também faz com outras estruturas, incluindo todo tipo de construção — galpões e coisas colocadas em árvores. É muito confuso olhar para esses lugares e pensar: “Será que eu posso bater na porta de alguém?”.

Parece intenso.
E tinha cachorro latindo para tudo quanto é lado. Por fim vimos umas pessoas fazendo malabarismo com umas bolas brilhantes e brincando com aquelas coisas de fogo do Burning Man que você balança – com certeza isso tem um nome. Fui até essas pessoas e disse oi e elas foram superlegais, e isso acabou virando um passeio pela área delas em Slabs. Elas me levaram até um buraco de 2,5 metros de profundidade e quase dois de diâmetro que alguém estava cavando e me disseram: “É, um asteroide pousou aqui, dá para ver que a terra é diferente, é tipo pó espacial”. O que não me parecia muito plausível.

Ah, parece uma cova.
Foi no meio da noite e eles disseram: “Ei, quer ver um buraco?” Eu não fazia ideia de que seria tão grande assim. Aquela noite estava superquente. Na noite do Baile estava abaixo de zero e ventando. Então as pessoas se arrumaram todas e apareceram, mas não rolou tanta dança quanto eu esperava.

Publicidade

Como foi que você ficou sabendo do Baile de Formatura?
Acho que ouvi falar na última vez que fui para lá e estava voltando de um ensaio recentemente e acabei parando lá. Eles colocam pequenos panfletos cor-de-rosa na cidade com os eventos e o Baile é um deles. Acho que foi basicamente assim que descobri as informações e a data, apesar de que é sempre no último sábado de março.

Você foi a caráter?
Sim, fui com uma calça marrom meio boca de sino e uma camisa roxa meio brilhante. Com certeza muita gente foi a caráter, mas estava bem frio e ventando naquela noite. Conforme a noite foi passando, cada vez mais grandes e pesados casacos de lã foram sendo colocados.

Qual é o propósito de um baile de formatura para pessoas que não estão na escola?
Acho que, para muitos dos mais velhos, o baile é uma festa divertida que marca o fim do inverno. Muitas pessoas vão embora porque começa a ficar muito quente, então eles fazem uma grande festa para marcar o fim de mais um ano em Slabs. Fiquei com a impressão de que era uma oportunidade para as pessoas ficarem um pouco elegantes. Tem aspectos irônicos e debochados, mas ao mesmo tempo eles não moram em casas e nunca têm a chance de se arrumar assim. Então acho que também é que as pessoas ficam animadas por estarem bonitas pelo menos uma vez.

Quem é o cavalheiro com os dentes de vampiro?
Ele usa essa roupa toda vez que se arruma. Ele conserta geladeiras e é conhecido como Wayne da Geladeira ou Vampiro Wayne.

Publicidade

Eles têm geladeira?
Quem tem dinheiro tem geladeira no trailer. Uma coisa que é meio que engraçada lá é que, embora estejam vivendo uma vida alternativa no meio do nada, com certeza existe uma grande disparidade no tanto de dinheiro que as pessoas têm. Tem umas crianças de rua que literalmente não têm dinheiro nenhum. Conversei com um moleque que estava tentando chegar na cidade e ele disse: “Bom, primeiro tenho que ver como vou arranjar um dólar para o ônibus”. Tem gente aposentada que vive de pensão ou de Assistência Social, ou gente que pode ter uma pensão por invalidez e tem uma renda fixa. Não é muita coisa, mas se você mora lá sem gasto nenhum, é bem suficiente.

Parece que tinham uns vestidos disponíveis para o Baile?
É um cabideiro de vestidos velhos que eles têm lá e que qualquer pessoa pode pegar e usar.

Isso é bem legal.
Acho que esse é bem o espírito de Slabs, onde tem muita coisa que fica rodando para quem quiser pegar. Muita gente se ajuda. Tem até alguns lugares que servem refeições gratuitas para quem quiser. Comi espaguete no Haven, que é um acampamento mais cristão, mas durante o inverno eles fazem um grande almoço comunitário todo sábado. E tem outro lugar chamado Karma Kitchen que faz uma coisa parecida.

Quem é esse jovem casal?
É a Lexxi e o Justin, que são noivos. Eles moraram em Slabs durante todo o inverno. Ela estava muito a fim do Baile de Formatura porque disse que não teve o dela. Acho que para muitas das pessoas mais velhas era uma coisa mais maluca e ligeiramente erótica, mas para ela, era o Baile de Formatura dela. Foi o Justin que cavou aquele buraco na frente da casa deles, que é meio que aquela cabana com o cobertor na árvore. E essa é a perua deles. Eu os fotografei em frente ao acampamento deles. Foi muito fofo como eles estavam animados. Eles foram embora na manhã depois do Baile. Muita gente foi.

Publicidade

Para onde eles vão quando deixam o acampamento?
A Lexxi e o Justin e muitos dos jovens carregaram as peruas — provavelmente seis ou oito deles lá — e foram todos para São Francisco para o 20 de abril (4/20). Acho que algumas das pessoas mais velhas com trailers têm mais planos, como por exemplo passar o verão no estado de Washington. Mas não acho que exista outro lugar como Slabs. Quer dizer, pode ser que tenha, mas ninguém fala tanto quanto se fala de Slabs.

Aposto que você teve boas conversas naquela noite.
Comecei a conversar com um cara que passou uma temporada em Slabs quando era mais novo. Aconteceu alguma coisa — e ele foi bem vago ao falar sobre isso — e ele foi deixado para morrer em Slabs 15 ou 20 anos atrás. Parece que ele foi espancado e abandonado nos arredores. Uma família o encontrou e deixou comida e água com ele para uma semana e o ajudou a recuperar as forças. E aí ele foi embora para construir uma carreira, ter uma casa e tudo mais, mas basicamente quando a economia quebrou em 2008, ele perdeu tudo. Foi aí que ele diz que decidiu: “Slabs já salvou a minha vida uma vez, então pensei — por que não de novo?” Ele tinha muita paixão ao falar sobre o lugar. Estava morando lá sem dinheiro nem nada e as pessoas ajudavam bastante, e se ajudavam. Ele me disse: “É o único lugar no país onde as pessoas estão fazendo alguma coisa diferente. As pessoas aqui tomam decisões com base no amor e não no medo, porque já não têm nada a perder”.

Publicidade