FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Comprei a Brixton Academy por uma Libra

Durante os anos em que fui o proprietário e administrador da Brixton Academy, apanhei, fui esfaqueado, atacado com gás lacrimogêneo, ameaçado com bombas pelo IRA e com armas na cara mais de uma vez.

O autor (à direita) com o colega Johnny Lawes.

Durante os anos em que fui o proprietário e administrador da Brixton Academy, apanhei, fui esfaqueado, atacado com gás lacrimogêneo, ameaçado com bombas pelo IRA (o Exército Republicado Irlandês) e com armas na cara mais de uma vez. Também organizei os melhores shows da Grã-Bretanha em uma década e meia, e o lado maravilhoso disso tudo é que lá no início, eu comprei o espaço por uma libra.

Publicidade

Eu tinha apenas 23 anos na época, mas consegui na lábia uma reunião com a cervejaria responsável pelo prédio. Eles fizeram uma oferta de venda para mim de 120 mil libras. Eu não tinha 120 mil libras.

“Deixe-me fazer outra oferta”, disse eu sentado calmamente, inclinando-me para frente. “Dou uma libra para vocês pelo espaço.”

Os dois caras mais velhos do outro lado da mesa me olharam com total incompreensão e desprezo, como se eu tivesse começado a lambuzar as paredes com minha bosta. Aproveitei o bote antes que eles tivessem chance de reagir: “Vocês me vendem o Astoria Theatre, em Brixton, por uma libra e eu assino um contrato para vender só a cerveja de vocês por dez anos. Se eu fizer mais de 200 shows por ano, é cerveja pra caramba”.

Agora, lembrando disso, imagino que tenha sido uma atitude bem descarada, mas eu era jovem, idiota e entusiasmado demais para me importar. O que eu pensei era que esses caras eram de uma cervejaria, o que significava que eles estavam no ramo de vender cerveja. E com aquele espaço abandonado, eles não estavam vendendo cerveja nenhuma. Quase que, para meu próprio espanto, no fim daquela reunião, selamos o acordo.

Então, em 1983, a algumas semanas do meu 24º aniversário – e sem nunca ter montado um show num bar na vida – recebi as chaves do prédio que eu renomearia de Brixton Academy.

Era um grande risco. Se desse errado, eu poderia ter que pagar milhões na reforma do prédio. Mas eu pensei: “Foda-se – estou quebrado mesmo. Eles não podem tirar nada de mim porque não tenho nada a perder”. Além disso, àquela altura, eu já tinha sido fisicamente expulso de todas as principais casas de show de Londres. Eu sabia o que fazia um bom show de rock‘n’roll e tinha certeza de que, se conseguisse botar as mãos naquele espaço, faria as melhores apresentações que a cidade já vira.

Publicidade

Soul II Soul na Academy.

Levei alguns meses para dar uma geral no espaço antes de começar a pensar em show – naquela época, era só o meu diretor de palco e eu, armados com uma caixa de ferramentas e uns pincéis. Mas parafusar o piso e passar uma demão de tinta nas paredes descascadas não era nada comparado aos problemas que enfrentamos quando começamos a agendar os shows de fato.

Brixton, em 1983, ainda remoia os protestos do ano anterior. A região estava dilacerada por prédios incendiados e a tensão racial se encontrava em ponto de ebulição. Ninguém queria saber daquele gueto caribenho pobre e violento, então, a conversa com os agentes da indústria fonográfica normalmente acontecia da seguinte maneira:

“Oi, aqui é o Simon Parkes da Brixton Academy.”

“De onde?”

“Da Brixton Academy – é um espaço novo excelente na Stockwell Road.”

“O quê, aquele cinema velho e destruído?”

“É, mas ele reabriu. É um espaço fantástico com capacidade para cinco mil pessoas.”

“Olha, amigo, não quero fazer graça, mas não tem a menor chance de você conseguir botar uma banda de rock para tocar em Brixton. Não é o nosso público.”

Depois de inúmeras interações desse tipo, no fim das contas, nós pensamos: “Eles que se fodam. Se eles não conseguem ver o público deles em Brixton, vamos atender ao público que já está aqui”. Assim, começamos a fazer shows de reggae com artistas como Eek-A-Mouse, Burning Spear, Dennis Brown e Yellowman. Quando trouxemos o Fela Kuti de Lagos, ele veio com 30 de suas esposas, que fizeram os vocais de apoio.

Publicidade

Uma das dançarinas de apoio/esposas do Fela Kuti.

Os shows eram fantásticos, mas lidar com os artistas do reggae significava fazer negócios ao estilo jamaicano. Foi um aprendizado confuso e violento. Depois de nosso segundo show, pegamos o promoter tentando fugir pela janela de um camarim com sacos de dinheiro. Meu chefe da segurança enfiou o cara na parede, pegou a chave do carro dele e gritou: “Paga tudo que a gente devolve o carro!”. Ele pagou no dia seguinte.

Nosso grande momento veio com o The Clash. Em 1984, no meio da greve dos mineiros, Arthur Scargill, o então sindicalista, militante trabalhista e futuro fundador do Partido Trabalhista Socialista do Reino Unido, queria fazer um grande show beneficente para seus seguidores. As casas de show tradicionais, como a Hammersmith Odeon, não queriam nem chegar perto desse tipo de coisa, mas a Academy era feita para isso. Fizemos três noites com o The Clash tocando num lugar cheio de mineiros bêbados e furiosos. Foi magnífico pra caralho.

Depois disso, viramos o pico de toda causa política progressista ou banda que queria se mostrar um pouco provocativa e contra o sistema. O Style Council tocou pela Nicarágua, o Edwyn Collins anunciou o fim do Orange Juice em outro show beneficente para os mineiros e o último show dos Smiths foi na Academy com os Artistas Contra o Apartheid.

Também éramos a única casa de shows de Londres que se aproximava do hip hop, que estava chegando dos Estados Unidos naquela época. Fizemos apresentações caóticas e brilhantes com todas as estrelas do começo do rap, de Schooly D e NWA a Run DMC e Public Enemy.

Publicidade

Jesse Jackson e Flavor Flav em frente à Academy.

Era maravilhoso estar, finalmente, conseguindo algum progresso, mas nosso sucesso recém-descoberto não chamou atenção só dos fãs de música: os mafiosos jamaicanos pesados que controlavam as ruas de Brixton viram que ali era uma oportunidade de ganhar dinheiro e vieram com tudo.

A manobra que usavam, em geral, era o clássico truque da proteção em que encenavam uma briga e batiam em alguns fãs, daí mandavam dois caras grandalhões depois do show, que se ofereciam para “cuidar da nossa segurança”. Consegui ficar longe deles, mas, de fato, rolavam várias pancadarias, tiroteios e ataques com gás lacrimogêneo no processo.

Fui oficialmente colocado sob proteção policial duas vezes: uma, quando um bandido jamaicano botou a minha cabeça a prêmio e outra, quando recebi ameaças de morte de neonazistas hardcore por fazer shows contra o apartheid.

Uma das primeiras raves legalizadas da Academy.

Em 1989, parecia que todo o Reino Unido estava alucinado com acid house. Durante todo o Segundo Verão do Amor, a polícia pagava de trouxa e não conseguia acompanhar a galera que tomava bolinha, usava camisetas enormes e dançava no meio do mato. O que me deu uma ideia.

Fiz uma oferta para a polícia: “Vocês têm um problema com as raves ilegais, eu tenho a solução: legalizem. Me deem autorização para funcionar a noite toda e aí vocês conseguem fazer o pessoal das raves parar de botar pânico nos leitores conservadores do Daily Mail”.

Publicidade

Mais uma vez, fiquei ligeiramente impressionado quando eles compraram a ideia.

Recebi a primeira licença de funcionamento até as seis da manhã no Reino Unido e as primeiras raves legalizadas deslancharam na Academy. Foi um sucesso imediato e retumbante, e foi uma sensação incrível estar na vanguarda do movimento musical mais interessante das últimas décadas.

Mas, mais uma vez, nosso sucesso chamou todo tipo de atenção errada. O ecstasy na Academy se tornou um negócio de um milhão de libras por fim de semana, então, obviamente, todos os grandes grupos criminosos do Reino Unido queriam controlá-lo. Já não eram mais os bandidos jamaicanos de Brixton, mas sim, organizações criminosas perigosas, cruéis e fortemente armadas. Não vou dar todos os detalhes aqui, mas como você deve imaginar, houve muitos momentos de atuação desses caras os quais eu não gostaria de reviver.

Sonic Youth ao vivo no palco.

No meio de toda a agitação dos anos de rave, nos tornamos também a principal casa de shows do Reino Unido para todas as bandas grunge e alternativas que brotavam dos EUA. Aliás, alguns de meus shows favoritos da Academy aconteceram nessa era: bandas como Pixies, Sonic Youth e Pavement. No entanto, foi mais ou menos na mesma época que o Kurt Cobain quase me levou à falência.

Nós tínhamos shows esgotados do Nirvana agendados para quatro noites em abril de 1994, as primeiras apresentações da turnê europeia da banda. Em 8 de abril, quase tive um infarto ao ler a manchete pela manhã: Kurt tinha sido encontrado morto com uma ferida de bala na cabeça. Eu não só era um grande fã do Nirvana, mas quatro shows cancelados significavam reembolso de £250 mil – um número que poderia acabar com a gente.

Publicidade

No meio do pânico que se seguiu, naquela tarde, fui entrevistado pela Zoe Ball na Radio 1. Totalmente sem pensar, eu me vi dizendo: “Com certeza é extraordinário – tem fãs do Nirvana de todo o mundo ligando para nós, tentando comprar os ingressos desses shows. Tem gente dos Estados Unidos e do Japão nos oferecendo mais de £100 pelos ingressos do Nirvana, um pedaço da história”.

Não faço ideia de onde tirei aquilo, mas minha mentira repercutiu na imprensa. De repente, começamos mesmo a receber telefonemas de gente do mundo todo querendo comprar ingressos para “o show que o Kurt jamais faria”. Tivemos que contratar uma equipe extra para dar conta do número de ligações. No fim das contas, só cerca de 20% das pessoas devolveu os ingressos, que revendemos rapidamente por até mais de £200.

Meu golpe improvisado nos salvou da falência imediata, mas a morte do Kurt teve outros efeitos indiretos que acabaram por me levar a vender tudo e deixar a Academy de vez.

Mas, se quiser saber de todos os detalhes sórdidos, você vai ter que comprar o livro.

Live At the Brixton Academy de Simon Parkes e JS Rafaeli, publicado pela Serpent's Tail, já está à venda.

Veja mais fotos do Justin em justinthomasphotography.co.uk