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Corações, mentes e joinhas de Facebook: uma conversa sobre a direita radical no Brasil

Conversamos com o historiador Odilon Caldeira Neto, que há anos estuda a direita radical do Brasil.

Não sei se é só impressão minha, mas parece que o termostato da direita andou aumentando de uns tempos para cá. De seu amigo de infância curtindo aquela página de Facebook alertando famílias contra a ditadura comunista a militantes de esquerda sofrendo tocaia, o noticiário e o debate público vêm mostrando silhuetas que parecem se delinear em novos grupos e discursos conservadores.

Para entender um pouco mais sobre a coisa, conversamos com o historiador Odilon Caldeira Neto, que há anos estuda a direita radical do Brasil. Pesquisador e doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Odilon se especializou na trajetória da direita por aqui e investiga desde sua construção histórica até suas ações no ciberespaço. Na entrevista, conversamos sobre a atuação da direita radical brasileira nas ruas e na internet.

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VICE: Alguns defendem que as pautas vagas em alguns dos protestos recentes seriam sintomas de despolitização. Ao mesmo tempo, outros acreditam que a pressão por pautas apartidárias, não orientadas, serviriam a interesses de grupos conservadores. Há algum fundo de verdade nessa hipótese de uma movimentação mais à direita?
Odilon Caldeira Neto: Olha, acho que essa hipótese faz sentido sim. Só que a vejo como pequena, mais residual. Até porque esses grupos têm uma ordem mais rizomática, são espalhados e pequenos. Vejo que isso poderia acontecer num sentido de radicalização de certas agendas, mas tenho algumas dúvidas de que essas pautas sejam amplamente encampadas pela direita radical. Creio que há nisso tudo uma maior possibilidade de surgimento de um discurso ultranacionalista, um sentimento, diria, até anticomunista, mas não vejo alguma grande organização política de direita que tenha a capacidade de arregimentar essas movimentações em benefício próprio. É uma questão mais difusa mesmo.

E a existência, em boa parte dos protestos, de palavras de ordem contra partidos políticos? Haveria nesse discurso algum sentido que viesse a ser compartilhado por grupos de direita radical?
Acho difícil. O que vejo nesses discursos contra partidos são mais sintomas de despolitização e de insatisfação difusa. É complicado, porque não há uma definição clara de bandeiras da direita radical nesses eventos. Há relatos de ataques ocorridos a grupos de esquerda, mas em episódios que não conseguiria ver como relativos ao cerne da manifestação. Como em muitos dos grandes eventos, esses grupos não mostram suas bandeiras, então fica um pouco complicado mapear isso. Sabemos que há, sim, casos como o de alguns grupos de mobilização existentes no Facebook que, embora sejam de direita, não se assumem como tal. Mas é difícil, pelo modo como o cenário se desenha atualmente, afirmar de modo definitivo que essa ação esteja em curso numa mobilização mais ampla.

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Alguns gritos, como contra os partidos, não se mostraram evidentes no começo das manifestações, quando a pauta era ainda completamente centrada na tarifa do transporte público em São Paulo. Mas a partir do momento em que entram nas manifestações setores mais elitizados, parece que começa a tomar forma o sentimento antipartidário. Nas agressões sofridas por manifestantes de esquerda na passeata do dia 20 de junho, em São Paulo (quando manifestantes ligados a partidos, sindicatos e movimentos sociais sofreram agressões e foram expulsos do ato ocorrido na Avenida Paulista), há essa definição mais clara, com a alegoria de que o “gigante da direita” teria acordado. Mas é difícil afirmar ao certo, porque não houve manifestações abertas, com grupos da direita radical se apresentando como tal. Por isso, é complicado mapear de modo claro a ação de organizações de fato numa guinada à direita da rota das manifestações. De todo modo, para além dessa atuação claramente mapeada de organizações de direita radical em alguns dos protestos, há o fato de militantes de partidos e movimentos de esquerda terem sido abertamente hostilizados em algumas manifestações, como no episódio de São Paulo. Existiria nisso algo a remeter, se não à clara ação de grupos organizados, ao discurso e ao imaginário da direita radical?
Creio que sim. Os registros das agressões ocorridas contra militantes de esquerda em São Paulo, por exemplo, mostram um modus operandi próximo ao das milícias. Algo que remete ao método de atuação de grupos como o dos Carecas ou dos neonazistas — embora, a partir das imagens que vi, não tenha como afirmar ao certo, porque não há mostra de que estivessem trajados como de costume. Um dos temas que estudei em minha pesquisa foi a tentativa de cooptação, na década de 1980, dos skinheads por grupos ultraconservadores integralistas, algo que acabou não funcionando. Não sei se agora poderíamos estar testemunhando algo análogo a isso. De todo modo, eventos como o ocorrido em São Paulo me dão a clara impressão de que, para além da efetiva e aberta participação de grupos de direita radical, parece existir, sem dúvida, a presença de membros ligados a essas organizações.

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Você falou da existência de uma aproximação entre integralistas e Carecas nos anos 1980. Isso se desdobrou em tentativas de disputa política em mobilizações de rua?
A princípio não, era um movimento mais voltado a debates, convites para palestras, essas coisas. Mas houve um evento que, acho, pode ser recuperado no arquivo digital do Jornal do Brasil. Na década de 1980, foi organizada uma manifestação de 1º de maio na Praça da Sé, na qual Carecas e integralistas foram juntos, uniformizados, com a bandeira do Sigma e tudo mais (a letra grega sigma foi adotada como símbolo iconográfico do integralismo). Lá, eles tentaram roubar bandeiras da CUT e, se não me engano, também do PT. O plano era que subissem no palco e cantassem o hino nacional. Mas aí entrou a questão de se apresentarem abertamente com seus símbolos — como estavam com suas bandeiras, foram logo hostilizados no evento, tomados como inimigos, e não conseguiram fazer coisa alguma. O que nos traz de volta à questão dessa movimentação recente. Os protestos surgem como uma pauta da esquerda, de setores da esquerda articulados. Daí passam a ter um caráter difuso, bastante complexo, no qual fica difícil mapear bandeiras e reivindicações, no qual emerge o elemento do patriotismo, de um certo nacionalismo, a partir do qual começam a se delinear de maneira clara agendas a dialogarem com essa direita. Mas não consigo enxergar uma tentativa de tomada organizada da pauta geral. Há, claro, eventos como as marchas contra o aborto, mas são eventos mais isolados, com clara pauta de direita, que não se apresentam como vetor de ampla mobilização. Aí é possível mapear as instituições organizadas envolvidas em sua organização — como, por exemplo, a Instituição Pró-Vida de Anápolis, a TFP, a FIB (Frente Integralista Brasileira). Você falou da relação entre a emergência do nacionalismo e a articulação do que parece ser uma agenda mais à direita. E houve uma enorme campanha para que, nas manifestações, os símbolos de movimentos organizados sejam trocados pela bandeira nacional. Há alguma ligação tradicional entre esse resgate do nacionalismo, dos símbolos nacionais e os movimentos de direita?
Em princípio, não. Talvez essa forte presença da bandeira brasileira tenha a ver até com o fato de o ponto crítico das mobilizações ter ocorrido paralelamente à disputa, no Brasil, da Copa das Confederações. Mas é bastante recorrente, nessas grandes manifestações, o resgate de símbolos pátrios em mobilizações ao longo de todo o espectro ideológico, tanto à direita quanto à esquerda. Embora, às vezes, sua presença pareça mais clara em movimentos da sociedade organizada apartidários e mais próximos da elite. Seria possível traçar um panorama de como os movimentos de direita radical se organizam no Brasil? Como se desenha sua atuação organizada para a disputa nas ruas e no espaço ideológico?
Se formos tratar somente da disputa política, podemos lembrar, por exemplo, de grupos como o ruralista, que é extremamente organizado e tem bancada eleita. Mas aí é uma movimentação da direita tradicional, não de direita radical. No caso da direita mais extremista à qual você se refere, há uma enorme fragmentação, uma desarticulação tanto externa quanto interna. O que venho notando nos setores mais extremistas é que eles vêm trazendo para perto de si pessoas radicais, com baixa capacidade de diálogo — o que, evidentemente, se desdobra em dificuldades para sua própria articulação, tornando-os difusos.

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Os Carecas, por exemplo, são um grupo marginalizado da vida política e colocam-se à margem mesmo — o que pode ser visto na própria tentativa frustrada de sua cooptação pelos integralistas. Os integralistas são bastante fragmentados, divididos em várias siglas que brigam muito entre si e não preveem qualquer possibilidade atual de formação de uma agremiação partidária para lutar pelo poder. O Prona, que foi o último grande partido de direita radical a disputar o poder (ou de extrema direita, como considerado por alguns autores), até tentou: dialogou com integralistas, com grupos norte-americanos, com alguns setores evangélicos ultraconservadores, com católicos conservadores, mas também não teve êxito. A nova Arena também é bastante difusa. Enfim, você vê que não há um histórico de organizações de média duração de “direita mais à direita” no Brasil. Até porque o processo de redemocratização por aqui reinseriu os agentes da ditadura militar na ordem política institucional sem problema algum. Você falou que esses grupos são fragmentados. Poderíamos, entre esses, citar alguns que seriam mais significativos?
Um que é evidentemente muito bem articulado é o setor mais reacionário da Igreja Católica, como o Pró-Vida de Anápolis, no interior de Goiás. Eles são muito ativos e foram responsáveis pela construção do texto do Estatuto do Nascituro desde o seu início, quando era encampado somente por um deputado do Prona. Eles têm certo grau de influência dentro de alguns partidos e junto a alguns deputados. Pelo que vejo, sua ação é mais no sentido de oferecer e encampar certas propostas. No caso de deputados como Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP), há um fenômeno mais ligado a ações individuais, não tão ancorado em agremiações de extrema direita de ampla trajetória — é algo que tem mais a ver com indivíduos que conseguem capitanear certas pautas da extrema direita. O que não deixa de ser um reflexo do caráter fragmentado dessa direita. O Bolsonaro, por exemplo, é do PP, um partido cujo posicionamento ideológico é bastante difuso.

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Em grupos da sociedade civil organizada, temos a TFP, que é bastante tradicional e tem uma larga trajetória. Há ainda os Arautos do Evangelho, uma organização muito estruturada que tinha planos de investir na construção de universidades, e é mais aberta, com a participação de mulheres, diferentemente da TFP. Uma organização que tenho estudado é o Movimento de Solidariedade Ibero-Americana, oriundo de um grupo de direita radical dos EUA chamado Lyndon LaRouche. Sua atuação é contra os movimentos ambientalistas, numa ação de lobista dos interesses fundiários. No Rio de Janeiro e São Paulo, há a questão da participação um tanto mais forte dos integralistas, eles são particularmente presentes nesse eixo. O cerne da Frente Integralista Brasileira é carioca.

Foto via E quanto aos neonazistas? Seu movimento é pulverizado ou se concentraria mais em torno de algum eixo?
No caso dos neonazistas é mais complicado mapear, pois varia muito. As notícias mudam — num momento parece que são mais presentes no Rio Grande do Sul, em seguida dizem que se enfraqueceram por lá para, na sequência, surgir a informação sobre estarem ganhando maior presença no Paraná. No Rio de Janeiro, há alguns anos, houve a organização de um show com bandas neonazistas. Os grupos que tocaram eram de São Paulo — uma banda do Rio, de hardcore, acabou deixando de tocar, mas ela não mostrava uma postura política mais evidente. No entanto, a presença mais forte mesmo, ao que parece, é no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Brasília. Alguns números tentam estimar o número de neonazistas no Brasil a partir de sua presença no ciberespaço, relacionando o aumento no número de sites neonazistas com o número de simpatizantes do movimento. Mas é complicado fazer essa relação direta, porque o fato de novos sites serem abertos não significa que o foram por pessoas diferentes. Muitas vezes o dono de um desses sites o deixa parado e abre outro na sequência.

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Aproveitando que você levantou a questão da presença desses grupos na internet. Como a direita radical se organiza no ciberespaço?
No caso de minha experiência de estudo a respeito dos neointegralistas, tenho a impressão de que a internet é usada mais como forma de divulgação. Mas não é uma propaganda voltada ao choque de ideias e à disputa em redes sociais. É algo mais estruturado na propaganda e na divulgação de canais de contato. Os neointegralistas têm sites de educação à distância — como no caso do Instituto Plínio Salgado. Mas eles também estão inseridos nesse universo, têm páginas de Facebook, usam o Twitter. No caso do Twitter, não há muita interação, é algo mais no sentido de oferecer links para os conteúdos de seus sites de forma automatizada. No entanto, eles usam bastante o Facebook; a página da Frente Integralista Brasileira tem algo em torno de seis mil curtidas. Eles produzem bastante material criticando o governo, tentam fazer discussão. Além disso, seu site oficial foi reformulado há pouco, dando destaque para artigos importantes para o integralismo atual e resgatando textos históricos do movimento. Há uma mudança, algo que vai de um movimento de resguardo da memória para um segundo momento de produção intensa de material. O que pode sinalizar o fato de que tem gente lendo e que talvez o movimento esteja aumentando. Seria possível afirmar que esses espaços de debate integralista na internet têm algum intercâmbio com páginas como as que, no Facebook, pedem a volta de um regime militar no Brasil?
As reuniões integralistas agregam pessoas de várias organizações. Numa análise do que aconteceu por volta da década de 2000, seus encontros reuniam pessoas da TFP, monarquistas, o pessoal da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra) e os Carecas. Esses grupos tradicionalmente têm algum diálogo. Muitas vezes, um integralista não é só integralista: ele faz parte da TFP, debate em páginas de direita apartidária do Facebook, etc. Certamente, se formos fazer um levantamento dos membros dessas páginas que pedem a volta do regime militar, muitos seriam integralistas ou teriam alguma participação nas comunidades integralistas on-line. E nisso os debates vão se misturando. Não à toa, pois podemos testemunhar uma retomada da iconografia integralista por esses diversos grupos em seus muitos espaços de atuação, andando lado a lado com seu discurso.

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Siga o Tiago C. Soares no Twitter: @elgroucho

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