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Spike Jonze e Chris Milk Discutem o Futuro dos Filmes em Realidade Virtual

"É como se você não tivesse um corpo. Você é capaz de sentir empatia sem ter a autoconsciência de estar a 60 centímetros de alguém ou invadindo seu espaço."

Um still do VICE News VR: Millions March, um filme em realidade virtual sobre manifestantes num protesto contra a brutalidade policial em Manhattan. Cortesia de Chris Milk.

Algumas semanas atrás, me vi na casa de Spike Jonze, em Chinatown, desviando de crianças sírias que jogavam futebol. Eu estava usando um headset que me jogava num documentário em realidade virtual de 360º filmado num campo de refugiados na Jordânia. Quando virei a cabeça para seguir a ação no campo, perdi o equilíbrio e chutei a perna de uma mesa próxima. Não estou acostumado a ver filmes em realidade virtual convincentes (e quem está?) e me senti sobrecarregado com a tecnologia, tipo quando um velho ouve uma tour em áudio num museu e fica gritando com as pessoas, porque não consegue ouvir a própria voz.

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Esse filme era um dos três que Jonze e o diretor Chris Milk me fizeram experimentar usando o headset. Eles também têm uma animação na qual você está parado no meio de um lago. Um trem vem na sua direção, passa por você e explode em centenas de pássaros. O terceiro é uma filmagem em extremo close up de manifestantes protestando contra a brutalidade policial em Manhattan (e foi produzido em parceria com a VICE News, já que Jonze é o diretor-criativo da VICE de longa data). A empresa por trás desses filmes é a VRSE, uma produtora de realidade virtual fundada por Milk e apoiada por Megan Ellison, da Annapurna Pictures, e dinheiro de capital de risco. A VRSE impressionou a indústria do entretenimento no Sundance e líderes globais no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. O possível futuro da VRSE deixa Jonze e Milk extasiados como se estivéssemos nos primeiros dias do cinema e eles fossem Eadweard Muybridge. E, mesmo que a emoção de assistir a esses filmes seja difícil de explicar, posso dizer que esses caras estão aprontando alguma coisa grande, mesmo que ninguém saiba muito bem o que.

Entrevistei os diretores, enquanto Jonze dedilhava suavemente uma guitarra acústica.

VICE: Se a VRSE pudesse se tornar qualquer coisa, o que vocês queriam que ela fosse?
Spike Jonze: Agora, isso é apenas o primeiro milímetro de uma mídia totalmente nova. Não é o que queremos que ela seja - é sobre as possibilidades.

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Chris Milk: Estamos descobrindo o que funciona e o que não funciona. Cinema é um mecanismo de empatia, e isso permite sentir compaixão por pessoas que são muito diferentes de nós em mundos que estão muito distantes do nosso. Realidade virtual leva essa ideia a um nível inteiramente novo. Depois de cinco minutos, você começa a sentir profundamente o que essas pessoas sentem num campo de refugiados. O que essa tecnologia está fazendo, fundamentalmente, é permitir que você sinta como se estivesse sentado com essa pessoa. Mesmo seu cérebro sabendo que é tudo uma ilusão, isso se apresenta para a sua consciência de maneira muito alinhada à maneira como você recebe o mundo real. Você sai disso sentindo algo mais profundo e conectado num nível muito mais profundo.

Jonze: É como se você não tivesse um corpo. Você é capaz de sentir empatia sem ter a autoconsciência de estar a 60 centímetros de alguém ou invadindo seu espaço.

Vocês podem explicar o fascínio de assistir a esses filmes?
Milk: Há uma pureza de estar naquele momento que não é atrapalhada por todas as coisas que vêm com a realidade. Você pode existir ali sem nenhum ego. Pode ver todas as nuances e respirar toda emoção. Outro dia, mostrei o filme para pessoas que estavam no protesto [contra a brutalidade policial], que acharam isso bastante poderoso, mas não choraram. Depois, elas assistiram à versão em realidade virtual e saíram chorando muito.

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Jonze: Estar ali é diferente. Não quero dizer que é melhor, mas é uma experiência diferente. É realmente emocionante.

Milk: Qualquer um pode ir a um protesto, mas não poderia ir a um campo de refugiados - pelo menos, a maioria.

Vocês acham que essa câmera estranha, com lentes por todo lado, vai afetar o comportamento das pessoas nessas situações?

Jonze: Em certo sentido, é algo menos imponente, porque a câmera tradicional é como um cano de uma arma apontado para você. Você está na mira. Isso não está mirando nada.

Qual é o próximo documentário de notícias que vocês planejam produzir?

Milk: O filme no campo de refugiados sírios veio de uma parceria com a ONU, e vamos fazer uma série de filmes sobre diferentes pessoas em crises pelo mundo. A equipe vai à Libéria em algumas semanas fazer uma história sobre o ebola. E a ONU está fazendo um laboratório de realidade virtual onde vai mostrar esses filmes para diferentes líderes, dignitários visitantes e pessoas que trabalham na ONU. E acho que é aí que isso se torna algo realmente especial: quando você pode compartilhar uma história com alguém que pode realmente agir e ajudar.

Vocês veem a VRSE produzindo longas de narrativas com enredo?
Jonze: Sim, claro. Cem anos atrás, o cinema era uma tecnologia nova, e a linguagem do filme tem sido inventada e reinventada incontáveis vezes, e regras são criadas e quebradas infinitamente. Quando estávamos editando essas matérias da VICE, estávamos inventando regras e brincando que, em cinco anos, ou um ano, toda regra que inventamos vai ser quebrada e reinventada. Então, sim: narrativa, arte, animação, documentário, qualquer coisa. Você sabe que isso vai ser usado para pornô. Provavelmente, é aí que a tecnologia vai avançar mais, porque há muito dinheiro na indústria.

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Milk: O pornô comandou a adoção do VHS, da internet, etc. No final das contas, a realidade virtual precisa ter sucesso não no pornô, mas em ter conteúdo atraente a que humanos gostem de assistir. E humanos são necessários para assistirem a esse conteúdo. Você precisa de um público e precisa de coisas a que o público assista. A tecnologia finalmente alcançou o sonho; e, agora, o conteúdo tem de alcançar a tecnologia.

Jonze: O mais interessante vai ser quando crianças, que crescerem com isso, começarem a escrever para esse tipo de filme. Elas estarão escrevendo do ponto de vista em que isso seja inerente ao jeito como elas pensam. Comecei a fazer clipes quando isso era algo bastante novo. Sempre achei isso emocionante, porque os clipes podiam ser qualquer coisa no ritmo da música. É ainda mais que isso. Geralmente, a tecnologia vem primeiramente e o resto se adapta. Esse é o primeiro passo. Tenho certeza de que, em cinco ou dez anos, vamos olhar para isso e tudo vai parecer muito datado.

Como os primeiros dias da internet.
Jonze: É. Havia essa ideia de vídeo na internet, e levou um tempo para isso se tornar o que é o YouTube hoje. Tipo uns seis anos. Espero que não leve tanto tempo com a RV, que todo mundo tenha uma câmera 360º e possa filmar e postar coisas. Imagine o Vimeo e o YouTube com realidade virtual.

Milk: Isso. Aí você tem histórias que podemos contar. Você tem intimidade com um tema. E as pessoas estão se abrindo, porque são as autoras disso. E também [podem] apenas registrar momentos e vivê-los de novo. Eu tive essa experiência quando estávamos fazendo testes alguns meses atrás: num dos testes, eu estava com a minha agora ex-namorada, e estávamos de mãos dadas e sendo felizes juntos. Aí terminamos alguns meses depois, e essa filmagem foi costurada junto. Eu coloquei o headset, e foi como se eu tivesse sido transportado por uma máquina do tempo e estivesse ali de novo com a minha ex-namorada. E todos aqueles sentimentos voltaram. Não foi como olhar uma foto ou um vídeo. Eu estava ali de novo, experimentando isso como um fantasma viajante do tempo.

Como vocês se sentem sobre os outros grupos que estão começando a investir mais em realidade virtual agora?
Milk: Há, definitivamente, uma corrida do ouro da RV no momento. É incrível. A comunidade precisa de estímulo para criar trabalho. Meu único medo é que muita gente faça coisas não muito boas. O que você precisa é de um conteúdo muito bom para atrair o público. Quero que todo mundo faça coisas ótimas. Vamos produzir filmes em RV com diferentes roteiristas, diretores e produtores, mas também há um esforço maior para expandir a linguagem da narrativa em RV, experimentar e publicar os resultados. Se você também quer fazer RV, queremos te ajudar. Há um aplicativo da VRSE para distribuir conteúdo em RV: VRSE.works, onde fazemos conteúdo, e VRSE.farm, nossa incubadora de conteúdo em RV com a Megan [Elison], onde cultivamos o conteúdo e a linguagem.

Jonze: É um laboratório para explorar o que o meio poderia ser em diferentes áreas.

Milk: Tudo que aprendemos a respeito disso deveria ser compartilhado abertamente. Se eu descobrir uma maneira atraente de fazer uma cena num carro entre duas pessoas, eu deveria compartilhar o que aprendemos sobre a linguagem com todo mundo, porque isso ajuda a todos nós. Quanto mais as pessoas fizerem conteúdo bom e atraente em realidade virtual, mais isso ajuda a comunidade. Não há limite para quanto conteúdo bom podemos ter. Nunca atingimos um ponto de saturação em qualquer outro meio, no qual simplesmente haja muita coisa boa para continuar. Ninguém diz: "Não quero assistir a esse filme incrível, porque já vi muitos filmes incríveis".

Tradução: Marina Schnoor