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O Filme Que Me Fez...

“A Tortura do Medo” Foi o Filme que Fez eu me Apaixonar por um Serial Killer

As pessoas por quem você sente atração nem sempre são perfeitas e não devem ser idolatradas. Elas são tão problemáticas e complexas quanto todo mundo.

Vou começar com algo que eu não devia precisar dizer: violência (especialmente contra mulheres) não é sexy nem sedutora. Na vida real, acho isso totalmente broxante. Na tela, no entanto, é outra história. Pense em Warren Beatty em Bonnie e Clyde; Martin Sheen, em Terra de Ninguém (homicídio múltiplo nunca foi tão sexy); ou mesmo Nicolas Cage, em Coração Selvagem (OK, talvez só aquela jaqueta). Ninguém ia querer namorar esses caras, mas nos filmes eles são glamourosos.

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A Tortura do Medo, de Michael Powell, foi lançado em 1960, o mesmo ano de Psicose, de Hitchcock – outra película sobre um homem problemático que mata mulheres por causa de traumas psicossexuais com os pais. A recepção crítica dos dois filmes variou muito: depois de uma onda inicial de desaprovação, Hitchcock voltou a ser um tesouro nacional, apesar de sua relação francamente problemática com mulheres na vida real.

O filme de Powell também foi recebido com choque e consternação, mas esse choque e consternação continuaram por décadas. As atrizes envolvidas se distanciaram do projeto e se recusaram a falar com Powell de novo. A carreira cinematográfica do diretor – após uma sequência surpreendente de filmes em colaboração com Emeric Pressburger (Narciso Negro, Os Sapatinhos Vermelhos, Neste Mundo e no Outro) – foi pulverizada. Ele fugiu para a Austrália, sofreu para encontrar trabalho e foi lentamente esquecido.

Deu a maior merda, basicamente, mas isso até o superfã dele e de Pressburger, Martin Scorsese, aparecer no final dos anos 70. Scorsese redescobriu o filme e, impressionado com sua mistura de Freud e psicopatia, o tirou do esquecimento. (Nas palavras dele: "A Tortura do Medo e dizem tudo que precisa ser dito sobre produção de filmes".) Os críticos de cinema, então com ideias um pouco mais avançadas do que seus colegas dos anos 60, reapropriaram essa película como uma obra de arte.

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Scorsese sobre A Tortura do Medo.

Mas o que deixou as pessoas tão horrorizadas em primeiro lugar? A resposta é provavelmente o protagonista feito por Karlheinz Böhn, com suas feições esculpidas e uma beleza de menino. Alguns anos antes, ele tinha interpretado o Príncipe Encantado em Sissi, a trilogia melodramática sobre a "imperatriz trágica" austríaca. A Tortura do Medo foi uma guinada drástica na carreira do ator – o equivalente moderno ao Zac Efron recebendo um banho de mijo da Nicole Kidman em Obsessão depois daquela coisa Shiny Happy People que ele fazia antes.

Na trama, Böhm interpreta Mark Lewis, um auxiliar operador de câmera em sets de filmagem que faz filmes particulares nas horas vagas, além de fotos picantes no andar de cima de uma loja decadente no Soho (melhor fala do filme: "Você não consegue isso na Sight & Sound".) Ele não tem problemas para atrair mulheres, mas, quando chega a parte interessante, ele coloca de lado sua câmera e as mata com um espeto. Claro, ele teve uma infância problemática: mais tarde, ele descobre que seu pai o torturava psicologicamente, jogando lagartos em sua cama e filmando para capturar o olhar de medo no rosto do filho. Um puta babaca.

Eu podia discorrer um monte sobre como a história é filmada do ponto de vista do protagonista e como isso implica o espectador na culpa do assassino; sobre a paleta de cores sinistra, as ligações feitas entre a produção cinematográfica e o comportamento obsessivo de Mark, além da discussão sobre como sua escopofilia (ou voyeurismo) se liga a um mal maior da sociedade e o olhar masculino, blábláblá. Mas quero falar sobre como o protagonista é uma delícia, com aquele cabelo loiro e os ternos bem cortados.

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Para o meu eu adolescente, ele era o homem perfeito: gentil, sensível, bonito, em conflito, criativo, interessado em cinema – tudo que as pessoas fingem ser no perfil do Tinder. Se não fosse essa coisa de matar mulheres… ele, sem dúvida, seria um cara 10. Mas, bom, é só um filme. E o fato de haver uma explicação para as ações dele, se não uma justificação, me dava uma carta de "saia da cadeia" por achar ele gato. E, no final, também há a possibilidade de "redenção através do amor de uma mulher"; então, ele não é tão ruim assim. Esqueça o enorme espeto da morte – ele é só um menino traumatizado.

Os espectadores são ativamente encorajados a gostar de Mark com sua cara de ídolo da matinê, um passado triste e seu sotaque austríaco cativante mas nunca explicado. Esse retrato de um assassino demente como alguém não muito diferente do rapaz da casa ao lado deve ter causado sentimentos conflitantes e não totalmente agradáveis nos corações e nas calcinhas dos espectadores. Agora que estamos cercados de anti-heróis e sua zona moral em 50 tons de cinza, isso não é mais um problema: a carreira de Ryan Gosling se baseia em criminosos adoráveis. É uma boa lição de vida: as pessoas por quem você sente atração nem sempre são perfeitas e não devem ser idolatradas. Elas são tão problemáticas e complexas quanto todo mundo.

Vendo o filme agora, Mark não é tão bonito e charmoso quanto eu lembrava, mas a atração continua. Você tem aquela sensação de que, em circunstâncias diferentes, com uma criação diferente, ele provavelmente seria um cara legal. Mas, se tivesse sido assim, A Tortura do Medo seria um filme chato pacas.

@kathryn42

Tradução: Marina Schoor