Organizadores do Fyre Festival torraram a grana com modelos, jatinhos e iates

FYI.

This story is over 5 years old.

Música

Organizadores do Fyre Festival torraram a grana com modelos, jatinhos e iates

'Vamos fazer isso e ser lendas, cara'

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE NEWS .

Um mês antes de milhares de millennials bem de vida chegarem a uma ilha remota nas Bahamas pro Fyre Festival, onde esperavam se divertir em iates, esbarrar com modelos famosas e assistir a shows de bandas como Blink-182 e Major Lazer, os organizadores tinham um grande problema.

Eles estavam ficando sem dinheiro, o festival ainda não tinha instalado as necessidades básicas – banheiros e chuveiros, por exemplo – e o tempo estava acabando. Um fornecedor disse à VICE que quando foi contratado pelo festival, em abril, eles disseram aos organizadores que nem todo o dinheiro do mundo conseguiria passar os trailers de banheiros e chuveiros pela alfândega a tempo, porque esse é um processo que leva semanas. O festival estava marcado pro último final de semana de abril e primeiro final de semana de maio.

Publicidade

"Não havia infraestrutura nem para suportar os equipamentos. Eles nem tinham um cais de carga, não sabiam que veículos eles tinham na ilha para transportar as coisas quando o navio chegasse", disse o fornecedor. "Eles diziam coisas como 'Não se preocupe com a alfândega. É só por um final de semana, não se preocupe'."

Acontece que a alfândega era algo com que Billy McFarland, o jovem empresário de 25 anos fundador do Fyre Festival, deveria ter se preocupado. No sábado, as autoridades bahamenses fecharam o local fatídico. "A alfândega fechou a área porque Billy não pagou os impostos de importação pros itens que trouxe pra ilha", disse o Ministério do Turismo das Bahamas, numa declaração obtida pela ABC. Naquele momento, o festival tinha pelo menos um trailer de chuveiros e um punhado de banheiros químicos, mas os convidados já tinham vazado há muito tempo, comparando as "tendas de luxo" com um acampamento de refugiados.

Entrevistas com dezenas de pessoas, incluindo ex-empregados do Fyre, empreiteiros e investidores em potencial, revelaram que os organizadores por trás do festival sabiam, com meses de antecedência, que não conseguiriam fornecer nem uma fração do que estavam vendendo. Apesar de todo o marketing, McFarland e sua empresa, a Fyre Media, tinham pouco a oferecer aos investidores além da sessão de fotos agora infame com 10 das modelos mais populares da agência IMG, e um comunicado à imprensa sobre a parceira com a YatchLife, um aplicativo de fretamento de iates de luxo.

Publicidade

Um planejamento sério da logística do festival só começou no final de fevereiro – menos de dois meses antes da chegada das pessoas a quem McFarland vendeu um evento luxuoso e exclusivo numa ilha particular.

O fornecedor de banheiros e chuveiros, que não pegou o contrato do Fyre Festival, disse aos organizadores que custaria US$ 1 milhão só para encomendar o equipamento – um pedido de última hora com um valor que ele rotulou, sem ironia, como "preço de desastre". E esse valor não incluía os custos de transporte do equipamento pra ilha e os custos com as barcaças para remover os resíduos criados por milhares de pessoas usando os banheiros e chuveiros por quatro dias.

O colapso do festival virou piada internacional. Os envolvidos acreditam que McFarland e seu coorganizador Ja Rule começaram querendo entregar o prometido – uma experiência de luxo extremo numa ilha particular que já tinha sido propriedade de Pablo Escobar, com modelos famosas dançando em iates, serviço de bar nos shows à beira mar, e tesouros escondidos acessíveis apenas por jet ski. Mas todos concordam que eles sabiam ou deviam saber com meses de antecedência que não daria certo.

Desde então, McFarland tem tentado culpar o tempo ruim pela desgraça toda, e Ja Rule, numa declaração, disse que o festival "NÃO É CULPA MINHA" e "NÃO É UM GOLPE".

FREE GETAWAY ALERT
Enter to win a free, VIP trip to Fyre Festival in the Bahamas! More details here: https://t.co/mFy1AwNDuGpic.twitter.com/UEypK8FWZ8 — Complex Music (@ComplexMusic) April 17, 2017

Publicidade

Se o Fyre Festival parecia um evento de última hora, é porque era mesmo. McFarland teve a ideia em outubro de 2016 e anunciou o festival no Instagram um mês depois, gastando milhões de dólares em modelos, jatinhos e iates particulares para promover o que seria seu primeiro evento em larga escala, disseram fontes familiarizadas com o planejamento.

Ele gastou US$ 250 mil numa única postagem no Instagram da meia-irmã de Kim Kardashian, Kendall Jenner, e citou centenas de outros influencers menos conhecidos, todos recebendo não menos que US$ 20 mil pela publicidade, segundo uma fonte por dentro dos pagamentos.

Apenas uma modelo – a atriz de Garota Exemplar, Emily Ratajkowski – rotulou sua promoção como publicidade, como exigido pela Federal Trade Commission dos EUA. A omissão das outras modelos agora está sendo abordada com uma ação judicial coletiva.

"Essas 'postagens patrocinadas' foram uma violação direta das diretrizes da FTC sobre revelar a ligação material entre anunciantes e endossantes", sugere o processo. " Influencers das redes sociais não revelaram aos consumidores que estavam sendo compensados por promover o Fyre Festival. Esses influencers estavam dando a impressão de que a lista de convidados do evento estava cheia de pessoas da elite e celebridades."

Funcionários do Fyre Festival disseram que o planejamento do evento parecia mais uma grande festa de Spring Break de fraternidade. McFarland e outros membros de sua equipe voavam "quase todo final de semana para destinos luxuosos" em ilhas próximas, mas só os funcionários homens e modelos tinham permissão de embarcar. "Billy levava seus amigos pra lá, só os homens", disse um funcionário. "Eles não paravam de falar em comer vadias e vagabundas nas reuniões."

Publicidade

Empregados também disseram que McFarland gostava de urinar em seu escritório com a porta aberta, para que os funcionários vissem. "É um clube do Bolinha", disse uma funcionária. "Eles riam disso." Outro fornecedor chamou o ambiente de "sexista e racista".

Alguém que trabalhou por um curto período na organização do festival e preferiu permanecer anônimo disse, "Eles estavam empolgados em comprar casas de férias lá. Parecia que eles não estavam levando o negócio a sério".

Segundo Chloe Gordon, coordenadora de produção, a equipe ria dos alertas de que o festival não ficaria pronto a tempo. "Vamos simplesmente fazer isso e ser lendas, cara", um dos caras da equipe de marketing teria respondido ao conselho de que eles deveriam adiar o festival para 2018.

Em março, as coisas começaram a ficar desesperadoras. O festival estava ficando sem dinheiro, apesar dos investimentos consideráveis de uma socialite de Nova York, que também trabalhou com McFarland em sua empresa fracassada de cartões de crédito para millennials, a Magnises.

McFarland e sua equipe começaram a solicitar uma segunda rodada de investimentos, segundo várias pessoas que receberam a oferta. Em pelo menos uma reunião com investidores, McFarland informou que a Fyre tinha gasto milhões de dólares com endosso de celebridades e marketing, e agora precisava de dinheiro para pagar fornecedores, funcionários e artistas.

Apesar da apresentação para investidores que prometia 10 mil pagantes por final de semana, as vendas foram baixas e com vários descontos. A maioria dos convidados pagou algo entre US$ 500 e US$ 2 mil pelos ingressos, apesar de rumores de que as pessoas estavam comprando pacotes por centenas de milhares de dólares. O público-alvo não era a elite – eram pessoas que queriam esse estilo de vida mas não podiam pagar, até que o Fyre Festival apareceu.

Publicidade

Um ex-empregado da Fyre Media, que pediu para permanecer anônimo, lembra como McFarland e o diretor do Fyre Festival Grant Margolin deram a ideia à socialite de Nova York. "Ela comprou a história deles. Eles a levaram para a mesma ilha onde filmaram as modelos. Ela não fazia a menor ideia da realidade", disse o empregado.

Suas promessas também foram mudando com o tempo. Pablo Escobar nunca foi dono de uma ilha nas Bahamas, e mesmo se tivesse sido, o festival foi montado num campo de obras abandonado em uma praia pública perto de um resort Sandals. Numa das primeiras apresentações aos investidores, obtida pela Vanity Fair, a equipe de McFarland dizia que o festival tinha recebido US$ 8,4 milhões em propriedade em Black Point, Exuma, "em troca de hospedar o festival e promover a ilha". Mas fontes dizem que McFarland e Margolin, que tem 24 anos, procuraram uma ilha particular para comprar em dezembro, depois que o primeiro lote de ingressos foi vendido, mas abandonaram o plano porque o local escolhido não tinha eletricidade, água potável nem espaço para 10 mil convidados.

Inicialmente eles disseram que esperavam vender 40 mil ingressos até 31 de março. Depois esse número caiu para 20 mil, mas a parte da "ilha particular" continuou no material de marketing. Depois que ingressos foram vendidos, a empresa abruptamente mudou as opções de alojamento de "chalé rústico", mostrado no site usando fotos de modelos 3D, pras tendas de refugiados que estavam lá quando os convidados chegaram.

Publicidade

As vilas anunciadas no site nunca existiram, disse um funcionário da Fyre – elas foram listadas como uma piada porque eles não esperavam que ninguém comprasse. Os organizadores ignoraram e-mails e deixaram os pagantes no escuro sobre informações de onde decolariam até dias antes do festival.

Um acordo com o dono de restaurantes Stephen Starr para fornecer um serviço de alimentação gourmet foi cancelado no dia 2 de abril, depois que os organizadores não fizeram os pagamentos combinados, disse um funcionário familiarizado com a transação. Starr confirmou numa declaração que "não estava envolvido ou fornecendo serviços para esse evento". A Bloomberg informou que os organizadores recusaram a estimativa de seis dígitos dada por Starr.

Muitos dos fornecedores envolvidos disseram que ainda não foram pagos.

Durante esse período, segundo vários ex-empregados e um empresário de artistas escalados para tocarem no festival, muita gente estava sem receber, e quem recebia era em dinheiro vivo direto de McFarland. A folha de pagamento parou abruptamente no escritório da Fyre Media em outubro, segundo um funcionário da empresa.

"Começamos a receber diretamente da conta do Billy e uma vez [em janeiro] fomos pagos em dinheiro. Eles continuavam pagando os influencers e as modelos", disse o funcionário.

Assustados com o que estava acontecendo, vários empregados se demitiram depois que ficou claro que seu empregador não estava interessado nas suas preocupações, disse o funcionário.

Publicidade

"No South by Southwest deste ano, toda festa tinha alguém que tinha trabalhado no Fyre, e todo mundo dizia que o evento era 'uma baita zona'", disse uma fonte que trabalhou brevemente no festival.

Os organizadores também passaram por várias equipes de produção, dispensando algumas que diziam que o trabalho era impossível, e fazendo outras se demitirem com pagamentos atrasados e tarefas inviáveis, segundo várias fontes. Uma equipe chegou ao hotel de Miami só para descobrir que as informações do cartão de crédito dadas pela Fyre não passavam. O mesmo aconteceu quando eles chegaram às Bahamas.

"Eles queriam que a gente usasse nossos próprios cartões de crédito para pagar o hotel", um membro da equipe de produção disse. "E os organizadores estavam andando por todo lado com rolos de dinheiro para pagar as pessoas."

Um ex-funcionário da Fyre disse que McFarland vendeu um "sonho impossível" a Ja Rule, mesmo com provas sugerindo que o artista veterano deveria saber o que estava fazendo. Vídeos sobre o festival, que ele postou no Twitter e depois deletou, incluíam filmagens do palco principal, que tinha escadas precárias e não possuía barricadas ou uma saída de emergência. "Alguém podia ter morrido ali", disse um empregado da produção.

O primeiro site do festival também foi tirado do ar – depois que a Fyre não conseguiu pagar a empresa que o criou, segundo um empregado da Fyre.

Na quinta passada, os organizadores do festival, incluindo McFarland, começaram a alertar convidados VIP para não irem ao evento, segundo um processo de $100 milhões entregue no domingo por Mark Geragos.

McFarland e a Fyre Media se recusaram a comentar esta matéria, mas ainda não desistiram de vender seu festival. Na segunda-feira, os organizadores começaram a circular um formulário oferecendo aos pagantes a opção de ingressos grátis para o Fyre Festival 2018, em vez do reembolso prometido.

"Você prefere trocar seu(s) ingresso(s) de 2017 por passes VIP adicionais para 2018, em vez de receber o reembolso? (Ex: Se você comprou 3 passes para 2017, você receberia um total de 6 passes VIP para 2018", pergunta o formulário. "Recebemos o apoio e comprometimento de vários músicos para tocar no evento do ano que vem. Ficaríamos gratos de ter seu apoio também."

Tradução: Marina Schnoor

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.