Vince Staples não tem explicação

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Música

Vince Staples não tem explicação

Comemos sushi no estúdio com o prolífico rapper de 23 anos enquanto ele nos contava sobre o seu próximo disco, ‘Big Fish Theory’.

Esta matéria apareceu originalmente na edição de março da revista VICE.
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Fotos: Sandy Kim

Vince Staples não podia evitar fazer um comentário. Embora ele claramente não estivesse a fim de tocar no assunto e já tivesse falado mais amplamente sobre imagem, estrelas pop e a mídia, era um alvo fácil. E já que íamos falar sobre dinheiro, música e cultura popular em geral, o que ele nem queria discutir, em primeiro lugar, certamente havia tempo para um parêntese. Então ele nos deu um: "Todos os rappers ficam tipo: 'Sou rico pra caralho. Você quer ser rico também? Isso aí. Olha só o meu Bentley'. E [eu fico] tipo: 'É, é um carro feio. É um carro horroroso'". Ele parou um pouco, pensando nisso, e concluiu: "Você sabe quanto aquele motor consome? Porque por fora ele parece muito pesado. Duvido que o tempo dele de 0 a 100 KM/h valha o preço".

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Ele disse tudo isso com o tom cético e informado de quem já comparou os benefícios relativos de vários carros de luxo, o que eu não duvido que ele tenha feito, embora estivesse vestido quase igual a mim, uma pessoa que não compra carros, usando moletom e jeans pretos, com um cinto de tecido tão comprido que dava quase duas voltas ao redor da sua cintura finíssima. "Os carros elétricos são uma realidade agora", ele acrescentou. "Compre um Fisker, o preço é o mesmo. Um Fisker deve custar uns 100, 110, 125 mil [dólares], por aí. Gaste essa grana. Salve o meio ambiente. E você não precisa pagar gasolina!"

Ri porque não tinha uma resposta relevante sobre assunto, e então mudei o rumo da conversa para algo de que ele não queria falar. Não me ocorreu na época, sentado ali, comendo sushi em uma cabana no telhado de um estúdio em Hollywood, mas depois percebi que esse tipo de silêncio deve ser comum para Staples. Afinal de contas, ele deve ser quase sempre a pessoa mais carismática e sagaz por onde passa.

Essa sagacidade, tanto quanto o rap extremamente criativo que ele faz, se tornou a sua marca registrada, seja detonando babacas racistas no Twitter, fazendo críticas ácidas de salgadinhos em uma série de vídeos que ele faz para a GQ ou zoando qualquer marca que o contrate para fazer shows. O seu carisma, também presente, pode ser mais difícil de identificar, já que ele é meio rabugento; o seu charme não está tanto numa habilidade em deixar todo mundo animado e contente, mas em falar as coisas na cara. Se isso vai inspirar as pessoas a projetar uma autoconfiança similar ou acabar com elas e com as ilusões que elas alimentam, isso vai delas, mas o ponto é que Staples não pode evitar que elas prestem atenção nele. Mas isso não é tão desejável para um entertainer quanto parece.

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Correndo o risco de explicar demais: Vince Staples está cansado de dar explicações.

"Como músicos, é nosso trabalho explicar", ele disse, como se estivesse — bem, explicando algo terrivelmente óbvio. Em breve, ele vai ter que dar muitas explicações. O seu novo disco, Big Fish Teory, sem dúvida vai ser notícia e motivo de muitas perguntas desanimadoras. Até onde ele se deu ao trabalho de explicar, durante nosso tempo juntos, o novo disco busca "explicar certas coisas" sobre músicos para não-músicos. Mais especificamente: "Nós odiamos músicos. Nós os tratamos feito lixo. Especialmente se são bons". Sobre o lance de ter que explicar, ele acrescentou: "A maneira como eu vejo a música é que, se você tem uma opinião sobre a música de alguém, você tem uma opinião sobre a vida dessa pessoa, que não tem nada a ver com você, e é por isso que ninguém devia ter opinião nenhuma sobre um músico. Fica de boa e cala a porra da boca". Correndo o risco de explicar demais: Vince Staples está cansado de dar explicações.

Ele tem bons motivos: se alguém se esforçou para ser um músico bem-sucedido em meados dos anos 2010, essa pessoa é ele. Para começar, ele faz uma música excelente, do tipo que
mistura sem esforço elementos considerados antagônicos no mundo do rap, tão dado a dissidências. Ele canta com um lirismo tão evidente que qualquer figurão da velha guarda pode apreciar, e com uma franqueza tão áspera que é capaz de juntar a molecada toda num mosh, do skatista ao nerd de fórum de internet. Fundamentado na sua voz, um tenor sem expressão, capaz de silenciar uma sala, o seu som pode variar de paisagens eletrônicas explosivas ao funk vibrante da costa oeste, dependendo da ocasião.

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Ele também faz um show afiadíssimo e evita basicamente todo tipo de distração (Staples não bebe nem usa drogas, e tampouco se envolve em dramas extra-musicais), conseguindo, ao mesmo tempo, ser tão divertido e cativante quanto é humanamente possível fora da sua música. Ele já falou franca e repetidamente sobre sua infância e adolescência em Long Beach, Califórnia, uma cidade dominada por gangues, esmiuçando esse universo com o olhar afiado de um sociólogo. Ele já contou exaustivamente a sua trajetória, de amigo da crew Odd Future, de Los Angeles, a pupilo de Mac Miller, até finalmente ser contratado pelo Def Jam, narrando em detalhes a sua relação com a Syd tha Kid, o Earl Sweatshirt e o No I.D. Ele defendeu o Lil Bow Wow e os artistas dos anos 2000 da fúria dos tradicionalistas do hip hop dos anos 90, tornando-se uma referência nas infindáveis batalhas geracionais do gênero. Além disso, ele cunhou inúmeras frases hilárias sobre atletas, salgadinhos e, principalmente, os benefícios de beber Sprite (ele estrela os anúncios da marca desde 2015). Ainda assim, perguntam a ele o que as letras dele significam, como se ele já não tivesse falado uma caralhada de coisas sobre todo assunto imaginável, e como se elas não significassem exatamente o que dizem.

"A arte deve ser — bem, por que ela existe, por que é assim? Porque é arte", ele disse, lembrando que somos menos propensos a perguntar, digamos, a diretores de cinema como sua vida pessoal influencia o seu trabalho. "Essa é a resposta para todas as perguntas, mas nós ainda perguntamos. É uma contradição estar sentado aqui agora. É mais sobre a persona. Não é sobre as músicas."

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As músicas do novo disco são excelentes, uma exploração mais profunda do som pesado, quase industrial, que dominou a produção do seu aclamado disco duplo, Summertime '06, de 2015, e apareceram com mais força ainda no EP Prima Donna, de 2016, que também explorava as contradições da sua fama incipiente. Em Big Fish Theory, Staples brinca com a ideia de expectativas conflitantes, misturando, por exemplo, "água benta com Voss". O single principal, "BagBak", declara: "Tell the president to suck a dick because we on now" [em tradução livre, "diga ao presidente para chupar um pau porque estamos no ar agora"] sobre um baixo eletrônico massivo.

"Gosto desses sons e não gosto dos outros", disse Staples. "Eu costumava fazer outro tipo de coisa, mas nunca gostei. Tipo: 'Cante sobre essa batida'. OK." Ele foi enfático ao dizer que as músicas são para as pessoas chegarem às suas próprias conclusões: "Tipo, se você é um chef, alguém te faz uma comida, você vai lá e pergunta para o chef, 'Como você fez isso?'. É tipo, "não sei, não estava lá". Ele ressaltou que não está fazendo nada que não se encaixe nos seus objetivos criativos. "Fiz muitas coisas que não queria fazer", concluiu, atribuindo essas decisões ao fato de ser muito jovem e ter poucos recursos. "Tipo, percentualmente, provavelmente foi mais do que a metade."

Naquele momento, ele estava se referindo a decisões criativas, mas a ideia ecoou quando ele descreveu "muitos brunches com jornalistas" no Ace Hotel sobre ser um "membro de gangue". Ele riu lembrando disso, mas ali estava uma pista para o que está nas entrelinhas dele não querer se explicar: a sua grande epifania sobre a modernidade. À medida que a saturação midiática extingue a barreira entre artista e público, o lugar para a incerteza é eliminado. O impulso de pedir aos artistas que justifiquem tudo que criam gera uma demanda por mais justificativas, um ciclo que os transforma em acessórios, representando sua música tão literalmente quanto possível.

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Gostamos do Staples porque o som dele é bom pra caralho. Mas gostamos dele, também, porque ele sempre parece acertar na mosca — ele tem uma visão que parece absurdamente avançada para um cara de 23 anos. Ele é a história americana perfeita, o garoto cuja enorme inteligência fez dele uma estrela. As pessoas parecem orbitar ao seu redor, o que não faz muito sentido, considerando a sua insistência em afirmar que não gosta de interagir socialmente e que tudo que ele faz é trabalhar.

No dia da nossa entrevista, o rapper canadense Tommy Genesis deu uma passada no estúdio, aparentemente só para relaxar um pouco. O barbeiro do Staples, depois de cortar o cabelo dele, ficou por lá para ouvir um som. O diretor de videoclipes Nabil Elderkin também apareceu por lá, tomando um chá. E a assessora do Staples mencionou várias vezes que faz de tudo para passar um tempo com ele, o que, a princípio, vi como uma hipérbole para me fazer gostar dele. Mas depois me ocorreu que ela provavelmente estava falando a verdade. Staples parece ter esse efeito sobre todo mundo.

Esse magnetismo torna fácil acreditar que Staples tem todas as respostas, que a música dele vai nos dar o que precisamos para ser felizes. E isso até pode ser verdade, de certa forma. Mas pode não ser. Cabe às pessoas ouvir e decidir por si mesmas. No início da nossa conversa, Staples descreveu sua música como se ela fosse totalmente irrelevante. Mas, quanto mais você pensa nelas, mais se torna plausível que elas sejam mesmo tudo que você precisa. "Temos algumas músicas", ele disse. "Temos algumas batidas e algumas letras, sabe. E depois isso se materializa. Você junta tudo. É como um smoothie. E depois você bebe."

Kyle Kramer é editor do Noisey. Siga-o no Twitter .

Tradução: Fernanda Botta