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análise

Duas décadas depois do fecho da XFM, por onde anda a “imensa minoria”?

Descobre onde podes encontrar, hoje em dia, a herança multidisciplinar da estação de rádio que marcou uma geração.
Radio Ladin. Estúdio de gravação (1957) via WikiMedia Commons

Dizem que há unicamente dois géneros de música: a boa e a má. Obviamente, os gostos são discutíveis e o que é execrável para uns, pode ser uma maravilha para outros. Seja como for, nos anos 90 muitos foram os que se apaixonaram por uma rádio que marcava a diferença por ser única no panorama nacional.

A transmitir em exclusivo para Lisboa, a XFM (espécie de franchising da congénere inglesa) dizia ser um canal direcionado para uma "imensa minoria" de melómanos e cidadãos que não se reviam no que, por essa altura, se fazia no éter radiofónico. A playlist estava fora dos cânones habituais (geralmente dava airplay aos lados b dos singles) e os radialistas de serviço demonstravam um conhecimento profundo do panorama musical, sem necessitarem de ficar "sufocados" pelos hits que estavam na moda.

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Vinte anos após o fecho da X, a marca da "imensa minoria" disseminou-se eficazmente em várias áreas de divulgação. A rádio é, contudo, "a menina dos nossos olhos", melhor, ouvidos.

A RÁDIO QUE NÃO INSISTE NO "MAIS DO MESMO"

A relação do ouvinte com a música da rádio é a mesma que temos com a nossa roupa interior. Mais do que necessária, faz-nos sentir bem com nós próprios. Ainda assim, com tantas ferramentas que, hoje em dia, nos dão a música de que gostamos (sim, pode ser o Spotify), a juntar às nossas escolhas pessoais através de dispositivos como o iPod, por que raio precisamos de sintonizar?

Uma de três razões (ou todas elas): fartamo-nos de ouvir o que temos e conhecemos; adoramos ter a companhia do radialista, de preferência, com temas com que nos identificamos; gostamos de saber as novidades discográficas que pululam por aí. E é este último aspecto de que te vamos falar e poderás achar útil se não paraste nos anos 80 com o Joshua Tree dos U2 e o primeiro dos Guns, na década seguinte com Nirvana, Massive Attack e Radiohead, ou achas que, depois das estreias dos Arcade Fire e The Strokes, este milénio tem pouco para oferecer.

António Sérgio, o "John Peel" português (ou este o "AS" inglês, como preferirem), foi a voz de orientação de alguns e algumas que nos fazem companhia no FM neste século. Se na altura - principalmente nos idos dos oitentas - os meios de divulgação eram bastante reduzidos, hoje há um buffet ilimitado por onde podemos estar a par das boas novas. Por isso, António Sérgio foi essencial para que a mente dos que o ouviam fosse mais além do óbvio. Uivo, documentário de Eduardo Morais, espelha um pouco dessa magnificência, através de relatos de quem conviveu de perto com esta voz inconfundível, que também passou pela X. Se ainda não viste, podes recuperá-lo gratuitamente no YouTube (abaixo).

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A juntar à VOXX e Rádio Energia, a herança deixada pela XFM deu os seus frutos. Há vozes que estão aí para as curvas, como se fossem carros de Fórmula 1 constantemente na pole position. Podes agradecer-lhes por misturarem the new thing com pérolas do passado, tudo bem engendrado para não soar a "mais do mesmo". Estejas no carro, nos transportes públicos, no emprego (se o patrão permitir), no intervalo de alguma actividade escolar, a fazer jogging, ou no aconchego da tua casa, experimenta um destes nove divulgadores. E nem só rock se respira por aqui…

  • Inês Meneses na Radar: 10-13 horas, de Segunda a Sexta (e PBX com Pedro Mexia, 20-21 horas, às Quintas)
  • Ricardo Saló (A Profecia do Duque) na Antena 3: 22-23 horas ao Domingo
  • Paulo Lázaro (Expo Rock) na SBSR: 16-20 horas, de Segunda a Sexta
  • Isilda Sanches na Antena 3: 16-19 horas, de Segunda a Sexta (e Muitos Mundos, 00-02 horas, de Sexta para Sábado)
  • Rui Miguel Abreu (Rimas e Batidas) na Antena 3: 00-02 horas, de Quarta para Quinta
  • Henrique Amaro (Portugália) na Antena 3: 22-23 horas, de Segunda a Quinta
  • Ricardo Mariano (Vidro Azul) na SBSR: 23-00 horas, ao Domingo
  • Pedro Moreira Dias (Manhãs) na Vodafone FM: 08-14 horas, de Segunda a Sexta*
  • Francisco Amaral (Íntima Fracção) na Radar: 23-00 horas (repete de Domingo para Segunda à meia-noite)*

Além das rádios acima citadas, é de sublinhar o trabalho desenvolvido pela Oxigénio e, fora dos grandes centros, a perseverança da RUM (Braga) e da RUC (Coimbra). Aproveita e toca a sintonizar, pois lendo as medidas tomadas recentemente na Noruega no sentido de desligar o FM, um dia poderá ser apenas possível ouvir rádio através do digital.

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A PROLIFERAÇÃO DOS FESTIVAIS DE MÚSICA, O ONLINE IMPRESCINDÍVEL, AS EXCEPÇÕES NA TV E A IMPRENSA ESCRITA A JOGAR A DOIS

Os festivais também são plataformas onde as pessoas se ligam para constatar que determinado grupo existe, ou que aquela nova revelação é mesmo o que precisavam na sua vida. Para que tal aconteça com qualidade, destacamos, entre outros bookers, o papel de Artur Peixoto, da Everything is New, a quem se pode dar o título de "Jorge Mendes" da contratação de artistas. Por ele, passa decisivamente muito do que vemos no NOS Alive.

É o exemplo da importância do jogo de bastidores, que além de respeitar o negócio em si (e normalmente ter que incluir alguns "cromos" no cartaz), tenta oferecer o melhor que existe lá fora para o espectador português desfrutar. Neste campeonato de grande dimensão, o Alive disputa com o Super Bock Super Rock e o NOS Primavera Sound os melhores alinhamentos entre eventos citadinos.


Vê também: "Devoção, entusiasmo e loucura. Um documentário sobre o que é ser fã de música"


No tutti-fruti dos festivais (sim, há para todos os gostos), as micro celebrações têm sido importantes para estarmos a par de músicos que as maiores produções nem sempre conhecem ou ambicionam trazer. Já este fim-de-semana, por exemplo, temos o Lisbon Psych Fest.

Portugal tem tido, ao longo da última década, uma fartura de excelência e, felizmente, não são só Lisboa e Porto a acolherem espectáculos de primeiro plano. O Boom, em Idanha-a-Nova; o Vodafone Paredes de Coura; o Milhões de Festa, em Barcelos; o Músicas do Mundo, em Sines; o NeoPop, em Viana do Castelo; o Festim, na região de Aveiro; o Bons Sons, em Tomar; o Tremor, em São Miguel/Açores - a decorrer até este sábado; ou o Entremuralhas em Leiria; são motivos de orgulho para quem os concebe e para o público que por eles tem um carinho especial.

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Com o advento da Internet, são raras as pessoas que, se tiverem acesso, não perdem a oportunidade em pesquisar sobre os novos lançamentos, ou notícias sobre a sua música favorita. Neste capítulo e focando a atenção nos blogs e sites "made by portuguese", há os que revelam uma vocação irrepreensível - casos do bodyspace.net, a maquinadeescrever.org ou a Mondo Bizarre Magazine - este no Facebook - e existem os que dão a impressão de que foram criados única e exclusivamente com a intenção de terem acesso a uns tickets à borlix (vá, não sejas mauzinho e não nos peças para mencionar quais são…).

A televisão generalista quase não merece comentários. Dos quatro canais em sinal aberto, a RTP 2 é a única recomendável no capítulo da música – e não só, diga-se. Em parceria com a Antena 3, passa o Portugal 3.0, com o inigualável Álvaro Costa e mostra os sons portugueses em regime "live act", em No Ar. A mesma rádio colabora com o 5 Para a Meia-Noite para a selecção da banda que encerra o talk show da RTP1. Actualmente, estes programas encontram-se sem horário.

Na cabo e pondo de parte o produto estrangeiro e a dispensável MTV Portugal, as coisas melhoram ligeiramente. O Canal 180 (perdido nos confins das boxes da NOS e da MEO) tem diversos compactos com música ao vivo, às 18h30, de segunda a sexta, como Videoteca Bodyspace e 4Eyes Sessions. Aconselhamos igualmente espreitares o 180 Música, o Live Surprise, o Hoje Escolho Eu, e o Boiler Room. O Porto Canal apresenta uma lista de telediscos da cena indie pop/rock bastante actualizada em Radioactivo, aos domingos à tarde, se o desporto não atrapalhar. Se fores um incurável saudosista, podes rever o Pop-Off (seg. a sex.,19h45) via RTP Memória.

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Na imprensa escrita tradicional, são duas as publicações que recomendamos (clássicos incontornáveis). Às sextas, o suplemento do Público, Ípsilon, e, mensalmente, a revista BLITZ. Com os cortes efectuados anualmente no jornalismo (com redução de salários e pessoal), ainda bem que estes projectos editoriais vão resistindo.

Como vês, o espírito da "imensa minoria" não anda nada mal e recomenda-se até. Se a isto juntarmos o empenho de programadores, editoras, produtoras, associações, lojas especializadas, agentes, auditórios, cine-teatros, bares, discotecas e clubes espalhados por este "burgo europeu", a Cultura no seu todo é que fica a ganhar, apesar das queixas que o respectivo Ministério tem recebido de outras áreas.


*Os programas foram incluídos neste artigo em 20 de Abril de 2018.

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