O PS galambizou-se, a coligação aguentou-se, e Costa ficou a ver navios
Fotografia de José Goulão via Wikimedia

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O PS galambizou-se, a coligação aguentou-se, e Costa ficou a ver navios

Quem diria que, depois de quatro anos de austeridade, Passos Coelho seria reeleito?

Quem diria que, após quatro anos de austeridade, com aumentos brutais de impostos e uma enorme quebra do rendimento disponível, depois de o PIB se ter afundado e a emigração e o desemprego terem disparado, Pedro Passos Coelho conseguia fazer-se reeleger para um segundo mandato? Até há cerca de um ano, ninguém ─ mas foi precisamente isso que aconteceu no Domingo à noite.

António Costa, o homem providencial do PS e mesmo de toda a esquerda, que há pouco mais de um ano arredou Seguro da liderança do PS com o argumento explícito de que ele só conseguia vitórias poucochinhas (e a justificação implícita de que era um pamonha, ao contrário dele, Costa, que era providencial), acabou por dar com os burros na água e arrancar uma derrota das garras de uma vitória que todos davam como certa.

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Foi um feito absolutamente extraordinário. O Governo aumentou impostos, cortou salários e subsídios e acabou com feriados, e é reeleito, enquanto o PS, que prometia aumentos salariais, descidas de impostos e mais feriados, fica a olhar para S. Bento desde a bancada da oposição. Como é que isto se explica?

O Governo aumentou impostos, cortou salários e subsídios e acabou com feriados, e é reeleito…

João Galamba, Isabel Moreira e Pedro Nuno Santos, o núcleo duro que zela pela chama do Verdadeiro Socialismo e do Único Bem-Estar, têm, na sua inesgotável excitação, a resposta pronta a saltar das goelas iradas: foram os comentadores de direita que deturparam, foram os jornais e televisões que não informaram, foram os entrevistadores ao serviço do Governo que sabotaram. Em privado, talvez acrescentem que é o Síndroma de Estocolmo, uma inapelável tendência masoquista ou subserviente entranhada nos genes desde o Salazarismo, ou que o eleitorado é simplesmente demasiado estúpido para compreender que não deve votar nem no PSD nem no CDS nem na CDU nem no BE, nem na verdade em mais ninguém, visto que a única coisa sensata e inteligente que pode possivelmente fazer é, obviamente, votar no PS, porque o PS.

É claro que há sempre a possibilidade de haver uma outra explicação, como por exemplo o facto de o PS ter espaventado o eleitorado moderado ao assumir uma postura de recusa total de compromissos ao centro, embrulhando o seu discurso eleitoral numa retórica de extrema-esquerda, ao mesmo tempo que afugentava o eleitorado mais à esquerda ao incluir no seu programa uma série de medidas que esse eleitorado associa à direita. O eleitorado, que teima em não perceber que deve votar no PS porque o PS, ficou confuso, e como tem horror à confusão e gosta de coisas simples, votou à esquerda na CDU e no Bloco (que teve um crescimento espectacular), e à direita nos partidos da coligação e na abstenção.

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Costa, o grande fazedor de pontes, só estava na verdade disposto a fazê-las se não precisasse realmente delas.

Nada disto, no entanto, perturba os Galambas e as Moreiras, porque os Galambas e as Moreiras estão tão inchados da sua inquestionável superioridade moral que não têm espaço no seu âmago para acomodarem a realidade. Para eles e para uma considerável franja dos defensores do Verdadeiro Socialismo, o PS não perdeu porque foi demasiado agressivo e porque se encostou demasiado à esquerda, mas antes porque não foi agressivo que chegue e não se encostou o suficiente à esquerda. Há, contudo, que entendê-los: são os mesmos que aplaudiram a vitória do Syriza na Grécia e a chegada de Corbyn à liderança do Labour no Reino Unido. O erro é um hábito que, uma vez entranhado, não se quebra facilmente.

Entretanto Costa, que espantosamente ainda anda por aí, e que provavelmente continuará a arrastar o seu cadáver político até às presidenciais à espera de algum milagre de Lázaro, já mandou o BE e o PC à fava, tendo compreendido desde sempre que um governo nacional com dois partidos de matriz revolucionária, anti-capitalista e anti-europeísta seria um suicídio político para o PS. Costa, o grande fazedor de pontes, só estava na verdade disposto a fazê-las se não precisasse realmente delas.

A grande preocupação de Costa (e dos Galambas e das Moreiras) neste momento, é como podem derrubar o mais rapidamente possível um governo PSD/CDS sem serem responsabilizados pela instabilidade política que daí resultaria. Costa, mais do que os outros, que para além de turcos são jovens, tem pressa, porque está a apostar a sua sobrevivência política no cenário de novas eleições a curto prazo ─ seria esse o seu momento Lázaro, embora ninguém perceba muito bem como é que ele tenciona aguentar-se até lá. A esplanada do Pão de Canela já fervilha de intrigas desde que abriu na segunda de manhã.

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Este é um exercício complicado, por isso os Galambas e as Moreiras agora falam muito de humildade e de compromissos ─ eles sabem que se o PS se juntar à CDU e ao Bloco para chumbar um Orçamento ou aprovar uma moção de censura sem ter gerado no eleitorado a percepção de que fez tudo para tentar chegar a um compromisso com a coligação arrisca-se a dar de bandeja uma maioria absoluta ao PSD e ao CDS. Todos se lembram de como Cavaco conseguiu a sua primeira maioria absoluta ─ e Cavaco acabou por dominar a política portuguesa durante muito tempo.

…dos três líderes, Costa será o que tem menos incentivos para procurar genuinamente um entendimento.

Cavaco, que estudou "cui-da-do-sa-mente" todos os cenários, estará sem dúvida preparado para este, que é de resto um que ele vem preparando há muito tempo: o da necessidade de um grande entendimento entre PSD, CDS e PS. O problema é que enquanto o PS continuar sob a liderança de António Costa e sob a influência das Moreiras e dos Galambas, esse grande entendimento será sempre impossível. Noutras condições continuará a ser difícil, mas nestas será seguramente impossível.

Portanto quando Cavaco começar a receber os partidos em Belém, dar-se-á início a uma curiosa farsa, em que PSD, CDS e PS falarão muito de sentido de Estado e da necessidade de compromissos que assegurem a estabilidade, sabendo perfeitamente que ao mínimo deslize o país será atirado para eleições antecipadas. E, dos três líderes, Costa será o que tem menos incentivos para procurar genuinamente um entendimento.

Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, pelo contrário, serão as pessoas mais sinceras que Cavaco ouvirá: eles são absolutamente genuínos no seu desejo de derrubar qualquer governo que faça cedências à realidade e se interponha entre eles e a fantasia de um país livre do euro e da UE, com a banca nacionalizada e a economia estatizada, vivendo feliz sob a acção directa de assembleias populares de inspiração chavista (Catarina), ou banhando-se na nostalgia da imorredoura glória da União Soviética (Jerónimo).

Quanto ao PAN, ninguém sabe muito bem o que fará com o seu deputado, e duvido que alguém se importe muito com isso.