O Brasil nasceu de Portugal (e daqui vamos mudá-lo)

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O Brasil nasceu de Portugal (e daqui vamos mudá-lo)

A democracia não tem fronteiras.

Para a malta que vive numa caverna e que de lá só saiu agora, eu explico: o Brasil #acordou e está a arder. Bem longe de casa — mas não dos problemas —, centenas de brasileiros desceram até à Avenida dos Aliados, no Porto, em solidariedade com os seus compatriotas.

Para quê? Para protestar contra o aumento das tarifas dos transportes, contra a pobreza extrema, contra a economia de casino, contra a violência urbana, a política fraudulenta, a comissão dos direitos humanos presidida por um deputado homofóbico e racista, contra os custos absurdos do Mundial, contra o final da Avenida Brasil, contra a precariedade dos serviços públicos… Enfim, podia passar o dia nisto. O copo transbordou. E, como nós, brasileiros, dizemos: o Brasil virou uma bagunça — e das grandes. Por isso, eu e um amigo meu, português, também fomos à manifestação. Chegámos aos Aliados à hora certa do evento, marcado no Facebook, cinco da tarde, e já lá estava uma boa concentração de pessoas a  gritar em coro: "Da copa eu abro mão, do que o país precisa é de saúde e educação!" Entretanto, apanhei uma conversa entre dois taxistas. “Pr'ó caralho com estes brasileiros. Andam aqui agora a mandar em tudo, eles que vão para a terra deles!” E ainda: “Acham que Portugal lhes pertence!” Como conheço bem o humor dos portugueses, achei que era fixe ripostar. Aproximei-me deles, saquei do meu caderno e atirei: “Olá, sou o Wandson Lisboa, correspondente em Portugal para a TV Globo. Posso fazer-vos algumas perguntas?” Incredulidade. “Sobre o Brasil? Vi qualquer coisa hoje enquanto comia. O que se está a passar, o contexto, nem me pergunte! Sei que os 40 estados estão todos voltados para os protestos.” Claro que são só 26 estados e um distrito federal, mas a comunicação social, já sabem, manipula tudo, não é? Continuei. "O que acham das manifestações em apoio aos brasileiros aqui em Portugal e em outros países?” Preparem-se, esta é a melhor parte. “Sinceramente? Estamos admirados! O povo brasileiro une-se muito, pá. E viu-se agora. Era o que nós, portugueses, precisávamos aqui: união!” Por esta altura, eu estava a tentar conter o riso. Borrifei nos taxistas e fui falar com os dois únicos polícias que estavam a controlar tudo, ao longe. "Se vocês estão cá a residir e se querem mostrar o vosso desagrado perante o que está a acontecer neste momento no Brasil, esta manif é muito boa. É uma grande chapada de luva branca nos portugueses, que também estão a passar por uma situação difícil, mas não se vê ninguém a protestar. Aliás, nós passámos por isto no Euro 2004: gastou-se dinheiro em estádios que nem sequer estão a ser utilizados, ninguém diz nada. Tudo calado, ninguém se manifestou. Tudo alegria, a levar a selecção ao colo! A manifestação foi incrível e acho que vocês estão a fazer um bom trabalho." Gostei deles, achei aquela opinião sincera e bonita e decidi ir falar com o futuro do Brasil. Denise Pinheiro, estudante: "A questão aqui é mais apoiar as manifestações que estão a acontecer lá no Brasil. Os estudantes brasileiros de vários países estão a reunir-se para prestar um apoio extra. Nós estamos aqui, mas queremos a mesmas coisas quando voltarmos para casa." Ana Amorim, estudante: "Acho que é simples. Não importa onde estejas, qualquer apoio dá motivação ao pessoal que está na rua. Mesmo ao longe, tenho certeza de que a nossa voz vai ser ouvida." A esta só pedi o número de telefone, mesmo. Achei-a super gira. Ah, e também não nos podemos esquecer daquelas pessoas que fazem tudo para aparecer. Vale tudo! Aliás, havia malta que estava mais interessada em tirar fotos para o Facebook. Mal a brincadeira acabou, os cartazes foram deitados ao lixo. Fotografia por Liana Trovão

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