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Uma entrevista podre ao Podre

Se ainda não conhecem o Podre é porque têm andado a visitar os URLs errados.

Se ainda não conhecem o Podre é porque têm andado a visitar os URLs errados. A melhor definição que vos posso dar é: uma espécie de Bartoon versão punk que troca opiniões políticas por cerveja. Como ando completamente vidrada nos episódios deste boneco rabugento, quis descobrir mais sobre o seu criador, o Paulo, um punk madeirense de quem se pode dizer que vai ficar na História por ser o primeiro humano a cravar cervejas pela internet. VICE: Olá Paulo. Explica lá como é que surgiu o Podre.
Paulo Abreu: Desde puto que faço cartunes, adoro cartunes. Quando comprei uma mesa digital para experimentar a cena, saiu o Podre. Comecei a publicá-lo no meu álbum de fotos da net e os meus amigos curtiram e começaram a partilhar. Depois começaram a chover pedidos na minha página e eu já tenho amigos suficientes, escolhidos a dedo durante 35 anos, não preciso de amigos da internet, isso para mim não existe — por isso fiz uma página só para o Podre, que surgiu da raiva que sinto ao ver a apatia e estupidez social e política que me rodeia. Cresci num bairro social em Lisboa, entre punks, skaters, rappers, rockabillys, skins, heavys. Crescer assim ensina-te a ver a vida com olhos de ver. O Podre é o meu alter-ego, diz o que eu digo, sem papas na língua, careta ou mais bezano. Só que às vezes ganha vida própria e é pior do que eu. Tem piada porque a malta curte mais se for ele a dizer. Quando sou eu dizem que sou maluco, quando ele diz é genial. É verdade que o desenhas com o rato? Tipo, no Paint? É que isso parece meio chunga…
É, sempre desenhei à mão. Há uns anos comecei a trabalhar como designer gráfico num jornal e andava a mendigar por uma mesa digital no trabalho, mas nunca me ligaram nenhuma. A patroada só me liga quando desato aos berros com eles. Se calhar devia andar sempre… Como sei que não vale a pena ficar à espera de ninguém, aprendi a desenhar com o rato. É como desenhar com uma caneta, só que tens uma batata na mão. Quando comprei a mesa digital acabei por não me dar com ela. Está ali a ganhar pó, queres comprar? Faço tudo no Illustrator, à mão livre, com o rato e o traço tosco é propositado — às vezes até tenho de repetir porque ficou demasiado direito. E a preto e branco para dar um visual de fanzine antiga (o que eu adorava as fanzines em papel de fotocópia!). Uma afirmação de subcultura, quer-se chunga. Como nos fizeram, é o que nós somos. Com orgulho! Há um episódio em que explicas o porquê da alcunha Podre. É por isso que agora preferes cravar jolas pela internet?
Naaa, aquilo foi só porque me apeteceu. Podre é Podre porque contra-ataca a podridão que nos rodeia, sem papas na língua. Cheire bem ou cheire mal. O cravar jolas pela internet é táctica. A malta já não sai de casa, há mais gente à frente do monitor do que na rua. Mas é mais fácil cravar trocos na rua. Pela net nunca ganhei népia. E com a crise o pessoal continua a contribuir para os teus copos, ou nem por isso?
Achas? Só nas tascas. Aí é à grande, que é tudo amigo. E quando querem tirar fotos comigo na rua levam logo a cravadela, já é da praxe. Tenho uma dorsal a dizer “free beer for the punks”. Às vezes resulta. Farto-me de cravar através do Podre — já agora, mandem-me 1€: o meu paypal é maildoputo@gmail.com, obrigadinho!) —, mas até hoje só houve um gajo que me mandou um euro e nem contou porque é meu amigo há mais de 20 anos. E é desempregado! O resto dos leitores do Podre deviam ter vergonha na cara, tudo podre! Podiam era publicar-me a cena. Sempre dava para uns barris. Mas olha,se o punk morreu e tu és punk, isso faz de ti uma espécie de zombie.
Morreu? Não vi obituário nenhum! Agora com a internet há por aí uns punks-de-fórum que pensam em conjunto. Um diz uma parvoíce qualquer e vai tudo atrás. Dão mau nome à cena. A última vez que tive em Lisboa houve dois neo-punks, putos de 15 anos, que me disseram que eu não era punk porque não estava todo porco e não cheirava mal. Que para se ser punk se tem de andar todo chunga e eu perguntei se aquilo era uma regra. Disseram-me que sim. Fartei-me de rir, detesto regras! Esses é que quase destroem a cena punk, mas a sorte é que lhes passa rápido. Dura para aí até aos 20 anos e depois atinam e entram no sistema, deixam a cena em paz, mas ainda há muitos de nós a pensar pela própria cabeça, a viver a cena verdadeira. Se ultrapassas os 25 a pensar da mesma maneira é que já não há remédio, és punk para toda a vida. Vives o “eu tenho razão” a todo o gás. E temos! E o resto que vá com os porcos. O punk nunca irá morrer enquanto houver injustiça social. Ponto final. E há muitos punks na Madeira?
Não. Esta ilha tem mais cena metal. Bons músicos por todo o lado, que preferem a música à cena político-social. Gostam é do “olha o que eu sei fazer”. E temos betos aos pontapés, todos com sobrenomes de peso. Temos políticos corruptos que traficam influências ao mais alto nível, temos retaliações sérias e verdadeiras se vamos contra o governo regional. Não percebo, esta merda devia ser um paraíso punk. A malta anda a dormir. E, tendo isso em conta, quão difícil é para um punk arranjar trabalho aí?
Não é difícil se souberes fazer bem o teu trabalho. Para mim tornou-se fácil porque enquanto estive no jornal o meu trabalho foi premiado várias vezes a nível europeu. O que me dá jeito, faço o que gosto e ainda me dão guito para as jolas. Tenho é que ir camuflado, de boné, a tapar o moicano às cores. Parece que espanta clientes. É cagativo. Desde que me paguem… Fala-me de outros projectos para além do Podre. Sei que também tens uma banda.
Os Raiva! Streetpunk puro e duro. Com orgulho! No fundo é como o Podre, é outro dos meus bebés. Sempre contestatários, sempre sem papas na língua, sempre chateados. O nosso lema é “se ficas fodido durante a semana, descarrega no ensaio — escreve, cria, toca, grita!”. Enquanto as pessoas viverem como autómatos, cá estaremos para lhes azucrinar a cabeça. De uma maneira ou de outra. Uma prancha especial de corrida que o Paulo desenhou para nós. Parece-me que ainda vão cá ficar durante bastante tempo, então.
Se o povo não fosse tão tapado e se lutasse pelo que é mesmo importante nas nossas vidas, não havia Podre. E também nunca teria nascido o punk. Só por isso: três vivas à estupidez e apatia! Mil obrigados. O Podre foi criado por vocês, agora aguentem-se!