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A Ucrânia é a chave para o Putin criar um super-bloco Euro-asiático

E o gás natural continua a ser a fazer parte da chantagem russa.

Um manifestante enfrenta a polícia em Kiev (Foto por Konstantin Chernichkin) Duas semanas depois de terem ocupado as ruas de Kiev, os manifestantes voltaram a subir a fasquia. Os que se juntam na Praça da Independência organizaram-se por detrás de uma barricada. Alguns seguram cartazes e entoam gritos de protesto: “Fora com o gangue!”, “A Ucrânia é a Europa!”. Outros ocuparam a Câmara Municipal. E “nós sabemos”, diz o primeiro-ministro ucraniano Mykola Azarov, “que está a ser preparado um plano para ocupar o Parlamento. São tudo sinais de um golpe de Estado”. Os líderes da Ucrânia estão, evidentemente, a preparar as hostes para represálias brutais. Os polícias, armados com bastões, já cumprem o seu papel — foguetes, gás pimenta e granadas são utilizados contra os manifestantes. Mas esta é uma história muito maior do que a própria Ucrânia. As manifestações começaram em Kiev na passada semana depois de um ladrão de rua — que se tornou Presidente da Ucrânia – Viktor Yanukovych ter recusado um acordo de livre comércio com a União Europeia. O gesto foi inesperado (e, do ponto de vista dos manifestantes ucranianos, mal recebido), surgindo apenas dias antes da assinatura do acordo. De facto, parecia estar tudo correr bem para os lados da Ucrânia até ao início de Novembro — quando Yanukovych embarcou num avião e voou para uma base militar perto de Moscovo para uma reunião secreta com o presidente russo Vladimir Putin. Ninguém sabe ao certo o que foi dito durante a reunião, mas o governo ucraniano alterou rapidamente a sua rota e explicou que se tratava de “reestabelecer relações com a Rússia”.

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Os observadores falam agora numa nova Cortina de Ferro a cerrar o continente. Durante uma audição no parlamento alemão no mês passado, a chanceler Angela Merkel indignou-se com a ideia, avisando que “a Guerra Fria devia ter acabado para toda a gente”. Sendo justa ou não uma comparação com a Guerra Fria, há um facto que parece claro: o Leste da Europa e o Sul do Cáucaso estão à disposição — e tanto Moscovo como Bruxelas sabem disto. Enquanto a Europa trabalha para alargar a sua influência ao Leste, a Rússia luta para manter a sua influência nas antigas repúblicas soviéticas. Tudo isto chegou a um ponto crítico do plano mais ambicioso de Putin até agora: um rival para a União Europeia — uma “União Euro-Asiática”, a concretizar em 2015.

Numa famosa entrevista em 2005, Vladimir Putin

referiu-se ao colapso da União Soviética como “a maior catástrofe geopolítica do século”. Mas nem tudo está perdido, assegurou Putin a quem o ouvia. Um “destino histórico” ainda liga a Rússia aos seus vizinhos. Oito anos depois, Putin ainda mantém o seu objectivo. Em Setembro anunciou que “uma integração próxima com os nossos vizinhos é uma prioridade absoluta”. Mas ao mesmo tempo, a UE também tem namorado os mesmos países. O projecto de “Parceria com o Leste” foi lançado em 2009, focado na construção de laços políticos e económicos com os seis antigos estados soviéticos: Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia. Entre 2010 e 2013, a União Europeia gastou por volta de 2.6 mil milhões de euros nesta “Parceria”. A Rússia não achou muita piada. Por isso, em 2010, Moscovo deu troco formalizando a “União de Mercados” com a Bielorrússia e o Cazaquistão. Dois anos depois, o bloco formou um vasto “espaço económico”. Agora, o Quirguistão e a Arménia dizem estar prontos para se juntarem a esta união. E parece que Moscovo tem tentado atrair outros países: alguns, como a Turquia, a Índia e a Síria, que não faziam parte da antiga esfera soviética. O presidente russo parece falar verdade quando diz que “não queremos reformar a URSS” — de facto, o plano de Putin é muito mais abrangente. Putin vê estes blocos comerciais como um primeiro passo para uma verdadeira União Euro-Asiática: baseada no modelo da União Europeia, com componentes económicas, jurídicas e possivelmente militares. Segundo se sabe, a sua vontade aponta para que tudo isto se concretize já em 2015.

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Ao longo deste tempo, a Ucrânia — o segundo maior país europeu — tem sido visto como o factor decisivo num emergente jogo de poder entre o Ocidente e o Leste. A sua capital, Kiev — que em 2012 exportou em igual quantidade para a UE e para a Rússia — tem apreciado a atenção, piscando o olho a ambos os lados de forma descarada. De qualquer forma, até à reunião com Putin, o coração do presidente Yanukovuch parecia bater para os lados de Bruxelas. O que agora parece claro é que Putin antecipou as prendas de Natal a Yanukovych. A Ucrânia tem enormes dívidas à Rússia e está perigosamente dependente de Moscovo no que toca ao gás natural. Provavelmente, Putin terá oferecido à Ucrânia uma troca mais estável e um acordo quanto aos pagamentos da dívida do país. Mas os riscos são altos. Porque quando se trata de aumentar a influência económica da Rússia na região, Putin não se contém. As suas armas preferidas são as sanções económicas contra qualquer país que pareça próximo de Bruxelas. Em Julho, a Rússia baniu as importações de chocolate, bolos e doces da Ucrânia, alegando preocupações sanitárias. Os chocolates empilharam-se na fronteira e o The New York Times escreveu que “um muro de chocolate” se tinha abatido sobre o continente. Da mesma forma, a Rússia baniu também o carbonato de potássio vindo da Bielorrússia e o vinho da Moldávia. E o leite da Lituânia, falando-se de uma “cortina de leite” continental.

Em Setembro, enquanto a Moldávia se aproximava de um “acordo de associação” com a UE, o vice primeiro-ministro russo, Dmitri Rogozin, afirmava que poderia desligar o fornecimento de gás aos moldavos durante o Inverno: “esperamos que não congelem”, afirmou.

No centro dos tumultos recentes está, no entanto, uma questão importante que não tem sido escrutinada: quão viável seria uma União Euro-Asiática? “Não penso que haja aí muito potencial, de todo”, disse-me Judy Shelton, economista do Movimento Norte-Americano pela Democracia (US National Endowment for Democracy). “Putin vem daquele velho modelo soviético. Rendeu-se às ideias ocidentais sobre finanças, mas a economia da Rússia está muito dependente do preço da energia. Não me parece que seja uma promessa com futuro”. E quanto à Ucrânia? Shelton pensa que Kiev vai acabar por se ver abandonada pelo Kremlin: “o acesso a capitais estrangeiros poderia ser a salvação da Ucrânia”. De qualquer forma, a União Europeia não parece ceder. Numa declaração recente, Bruxelas mostrou que “desaprova fortemente” as tácticas de pressão da Rússia. Peter Stano, o porta-voz de Stefan Füle, o Comissário Europeu para o Alargamento e para a Política Europeia de Vizinhança, disse-me que as “medidas russas” são “injustificadas, ilegais e não têm sustentação possível”. A questão é se a Rússia, confiante graças a várias vitórias políticas (conseguir o acordo das armas químicas na Síria, dar asilo a Edward Snowden), ficará sequer condicionada.

Entretanto, os protestos continuam em Kiev. As coisas tornaram-se violentas no Domingo quando os manifestantes e a polícia se enfrentaram perante a estátua de Lenine, que os manifestantes estavam a tentar derrubar. Dezenas foram espancados e presos. Apesar das tentativas dos manifestantes, a estátua de Lenine ainda se mantém em pé.