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Cavalos mortos, sal e urina em uma exposição mórbida e tocante

Em "No Life Lost”, Berlinde De Bruyckere apresenta profundas reflexões e uma performance de dança em um poço de sal.

Vista de instalação, Berlinde De Bruyckere. No Life Lost, Hauser & Wirth New York, 18th Street, 2016 © Berlinde De Bruyckere. No Life Lost II, 2015. Foto: Mirjam Devriendt

Uma vitrine de vidro com três cavalos mortos empilhados. Esta é a primeira visão que se tem de No Life Lost, a exposição de Berlinde De Bruyckere que, a partir de uma perspectiva de temática equestre, propõe uma reflexão sobre a matança, o renascimento e a dualidade da condição humana.

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Atualmente em cartaz na galeria Hauser & Wirth de Manhattan, as obras sombrias e belas de De Bruyckere combinam mitologia, história e encontros pessoais em peças de cera, peles e metal. De uma série de pinturas (Met tere huid, ou Of Tender Skin) a um olmo de quase 20 metros de altura que ocupa uma sala inteira (Kreupelhout Cripplewood), cada obra proporciona ao espectador imagens de tortuosidade, beleza, matança e vulnerabilidade.

Antes de se depararem com Kreupelhout, os visitantes da exposição passam por recriações de animais mortos, em sua maioria cavalos, em cinco obras relacionadas. Os três cavalos de cavalaria de No Life Lost II refletem o tema da morte na guerra, uma reflexão que a artista belga explora em sua obra desde 1999. Os corpos são reconstruídos com peles de cavalo, madeira, couro, tecido e ferro.

Vista de instalação, Berlinde De Bruyckere. No Life Lost, Hauser & Wirth New York, 18th Street, 2016 © Berlinde De Bruyckere. Kreupelhout - Cripplewood, 2012-2013. Foto: Mirjam Devriendt

O mesmo sentimento melancólico e mórbido permeia suas outras obras em exposição. Em To Zurbaran, um pequeno potro jaz de olhos vendados e patas atadas sobre uma mesa de madeira, representando uma imagem com raízes no simbolismo cristão de cordeiros de sacrifício e a crise dos refugiados sírios que chocou o mundo com imagens de pequenos corpos mortos nas costas do Mediterrâneo. As pinturas em Met tere huid combinam matizes fortes e suaves para refletir simultaneamente a imagem áspera e a maciez da carne animal. Em Penthesilea II, De Bruyckere se utiliza de cera para representar pele esfolada, uma imagem conceitual tirada de uma ópera baseada no mito grego de Pentesileia, Rainha das Amazonas, e do guerreiro Aquiles.

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Vista de instalação, Berlinde De Bruyckere. No Life Lost, Hauser & Wirth New York, 2016 © Berlinde De Bruyckere. To Zurbarán, 2015. Foto: Mirjam Devriendt

Mas talvez a instalação mais impactante seja No Life Lost I, que a princípio se mostra como três fileiras de figuras sombrias penduradas. Os “dementadores” de Harry Potter vêm à mente – mas com uma inspecção mais cuidadosa, pode-se encontrar traços de cabelo, cascos de animais, um focinho: imagens perfeitamente reproduzidas em cera, metal e epóxi. De Bruyckere construiu as três fileiras de figuras de cera penduradas como referência ao ateliê de um curtidor de peles. Sua reação a essa visita é detalhada no comunicado à imprensa divulgado pela Hauser & Wirth: “O cheiro de animais recém-abatidos, o sal no chão se misturando com o sangue e virando uma gosma… ainda não sei, mas vi imagens impactantes. Não consegui desviar meu olhar… Sabia que tinha testemunhado algo que precisava ser relatado. Eu nunca havia passado pela experiência da vida e da morte tão intensamente quanto ali.” Posteriormente, a artista convidou o dançarino contemporâneo português Romeu Runa para compartilhar do mesmo encontro.

Acompanhando a exposição No Life Lost, Runa desenvolveu uma resposta profundamente vulnerável e visceral à experiência. Sua segunda colaboração com Bruyckere, Sibylle, foi encenada apenas cinco vezes, de janeiro a abril de 2016.

Vista da instalação, Berlinde De Bruyckere. No Life Lost, Hauser & Wirth New York, 2016 © Berlinde De Bruyckere. No Life Lost I, 2014 – 2015. Foto: Mirjam Devriendt

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Para transmitir a natureza da ruína, e incorporando o ingrediente usado para preservar os materiais do curtidor, Runa começa com sal — começa sua performance deitado, nu, no centro um grande monte de sal. Com o desenvolver de seus movimentos silenciosos e viscerais, Runa transita entre a elevação e o afundamento. Em um dos poucos momentos em que se põe de pé, urina no sal. Em outro momento, atira sal sobre suas próprias costas arqueadas. Sibylle não está suscetível a descrições tangíveis e traz uma dimensão inesperada à obra de De Bruyckere.

Ao final de sua performance, Runa segue lentamente por um caminho para fora da sala. Após o enorme esforço de sua apresentação, respondeu educadamente ao ser abordado: “Desculpe, preciso sair para tomar um pouco de ar”. A equipe da Hauser & Wirth, por sua vez, descreveu pertinentemente a performance como “claramente emotiva e extremamente tocante em todos os momentos”.

Romeu Runa na performance Sibylle, © Berlinde De Bruyckere e Romeu Runa. Publicado com a autorização dos artistas e de Hauser & Wirth. Foto: Mirjam Devriendt

Clique aqui para saber mais sobre o trabalho de Berlinde de Bruyckere.

Tradução: Flavio Taam