Raps Compostos por Algoritmos Podem Ser Coisa Séria
Wu-Tang Clan em apresentação no BET Harlem Block Party, nos Estados Unidos. Crédito: AP/ Stephen Chernin

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Tecnologia

Raps Compostos por Algoritmos Podem Ser Coisa Séria

Ao integrar o universo quadradão do big data ao rap, estudiosos descobriram os temas e os palavrões necessários para criar hits de sucesso.

Anthony Abraham e Nikhita são dois fãs de hip-hop que acabam de criar, para a conclusão do programa de mestrado em Ciências da Informação e Dados da UC Berkeley, nos Estados Unidos, um projeto que une o universo quadradão do big data ao rap.

Chamado de Rap Analysis Project (detalhe: soletra-se R.A.P. como se fosse obra de Killer Mike), a tecnologia aplica "técnicas de aprendizagem de máquinas e princípios de ciência de dados a um banco de dados de letras de rap de 1980 a 2015". Dentre outras coisas, o modelo pode prever, com base nas letras, se uma faixa de rap será um sucesso ou não. Muita treta.

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Enquanto seus colegas trabalhavam em coisas como prever lançamentos de beisebol e análises de onde carros elétricos tem maior probabilidade de serem comprados, a equipe por trás do R.A.P. alimentava um banco de dados com milhares de letras de rap. Eles buscavam descobrir o que faz de uma faixa de tal ano ser celebrada como sonzera e outra ficar esquecida num CD-R qualquer.

Os resultados estão neste site em que você pode inserir letras e datas para descobrir se aquilo está destinado ao sucesso. Há também tabelas que explicam por que certas temáticas têm surtos de popularidade e outras que mostram quantos e quais palavrões usar.

"Quando tentávamos criar um modelo para nosso sistema a fim de descobrir que variáveis eram relevantes e quais não eram, analisamos coisas como o que constava nas letras em si, do vocabulário aos tipos de palavras e definições – uma abordagem algorítmica aos tópicos das canções", disse Abraham ao telefone. "Com tudo em mãos, pudemos analisar quais variáveis tinham maior impacto na previsão de sucessos."

"O que descobrimos é que a temática era uma grande influenciadora, bem como palavrões, o que é interessante porque mostra como palavras diferentes, de baixo calão, e a quantidade delas tem determinado impacto no modelo", disse. "Os tópicos e palavrões eram as variáveis mais impactantes."

Ou seja: o que conta é o tema e palavrões.

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Brinquei com o modelo um pouco e, levando em conta que (ainda) não sou MC, usei as músicas dos outros. Tive problemas em encontrar algo que não fosse um sucesso: claro, De la Soul é bom em qualquer época, mas, mesmo com a música mais odiosa que pude lembrar, no caso a ode às fraternidades universitárias de Asher Roth em "I Love College", o R.A.P. previu que seria um sucesso em 2001; o mesmo ocorreu com "All Night" de Silkk the Shocker, "Make It Classy" de Talib Kweli e "Elvis Killed Kennedy", de Vanilla Ice.

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A música de Roth também bombaria em 1991 porque é semelhante a "Weed #2 – Phife Dawg" do De la Soul, "Ain't a Damn Thing Changed" do Ice-T e "Memories" do Cypress Hill. Lá se vai uma era de ouro. Até o verso fraco de Jay-Z em "Monster" seria um hit.

Com ajuda da tabela de "Palavrões", porém, fui surpreendido ao descobrir que a implacável "Shame on a Nigga" do Wu-Tang Clan não teria chego às paradas de 1987, o que seria voltar à "era disco" do rap, quando o hip-hop mais apresentava gente do que ameaçava.

"Pode-se ver as tendências em palavrões e é interessante que, nos anos 90 e começo dos anos 2000, algumas das palavras caem antes de voltarem com força em 2010", disse Abraham.

"É uma tendência em uma geração do rap de contar com uma quantidade específica de palavrões."

Se isso soa como fórmula para hits previsíveis e repetidos, vale ressaltar que só trata da linguagem no hip-hop, isto é, não compreende todos os outros fatores tais como produção e a habilidade de rimar.

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"Achamos que os dados seriam mais úteis para produtores de rap, porque eles querem saber o que gruda na cabeça das pessoas e que temáticas funcionam, então poderiam produzir músicas nessa linha", disse Koul ao telefone. "Certamente é um uso."

Parece preciso o bastante!

Mas, claro, há outros usos. Koul disse que os dados poderiam "auxiliar um serviço como o Pandora (que cria algoritmos para traçar perfis musicais)". "Se as pessoas quisessem ouvir canções sobre religião, músicas só com essa temática poderiam ser escolhidas", completou.

Abraham comentou também como poderia ser útil para "compreender gerações do hip-hop: quando o estilo mudou ou quando a história do rap e hip-hop mudou".

Mas a ideia mais arrepiante veio de Koul. "Outra coisa que tentávamos solucionar era a geração automática de letras", disse. "Escolha um artista, conheça as músicas dele e gere uma música a partir de um tema. Por exemplo, daria pra ter o Eminem rimando sobre aquecimento global e daí talvez mais gente levasse o assunto a sério."

Suspeito que as pessoas com poder nas mãos que duvidam do aquecimento global não serão convencidas pelo Eminem, mas é incrível pensar que o Tupac holográfico poderia sair em turnê e lançar um disco novo, sem que o Tupac original tivesse que mover uma palha de seu esconderijo em Cuba.

Tradução: Thiago "Índio" Silva