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Drogas

Por que tantos jovens britânicos estão fumando crack

O ano passado marcou um aumento de 30% de pessoas abaixo dos 25 anos procurando tratamento para o vício na droga.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Foto: Alec Macdonald / Alamy Stock Photo.

Matéria originalmente publicada pela VICE UK.

“Sinto gosto de amônia”, diz Suzie, quando consegue recuperar o fôlego o suficiente para formar frases entre ataques de tosse. “Não sei te dizer qual é o gosto disso, mas sei que é a amônia de onde o crack foi lavado. É como se isso estivesse deixando meu corpo agora.”

A mulher de 24 anos usou crack intermitentemente nos últimos dez, mas parou alguns dias atrás. Ela decidiu tentar ficar limpa de novo, dessa vez para sempre. Uma internação recente a fez perceber os efeitos devastadores e provavelmente irreversíveis da droga na sua saúde – física e mental.

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Agora ela encara um diagnóstico de uma doença pulmonar obstrusiva crônica – ou “pulmão de crackeiro”, como é chamada coloquialmente. E se ela não parar de fumar a droga, seu nível de saturação do oxigênio no sangue – que já cai frequentemente para níveis perigosos de 88% – vai continuar a despencar. Eventualmente ela vai depender de um tanque de oxigênio para viver.

E fumar crack – o que Suzie fazia com um cachimbo improvisado feito com uma bombinha de asma vazia furada com uma agulha – também não dá mais o “barato” que ela sentia antes, mas isso não torna mais fácil largar o vício. “Agora fico paranoica”, ela diz. “É o vício, a rotina. Isso é o mais difícil. O crack domina sua vida.”

Suzie é parte de um grupo crescente de usuários na Inglaterra que esperam se recuperar do crack, que é três vezes mais viciante que cocaína em pó. O número de pessoas procurando ajuda para sair da droga pulou 23% num ano, de 2.980 para 3.657, segundo números do Sistema de Monitoramento de Tratamento para Drogas Nacional. É um crescimento considerável, o o aumento tinha sido de apenas 3% no ano retrasado.

O aumento de pessoas se apresentando para serviços com problemas com o crack especificamente é mais chocante ainda considerando a imagem maior; isso veio depois de uma queda de 3% no número geral de indivíduos recebendo tratamento para álcool e outras drogas – a maior queda nos últimos seis anos.

O aumento de pessoas procurando ajuda para vício em crack nos últimos 12 meses foi visto em grupos de quase todas as idades, mas talvez a coisa mais alarmante seja o pico de 30% entre pessoas com menos de 25 anos entrando no tratamento, a primeira elevação nessa faixa etária em uma década. Igualmente, o número geral de jovens adultos procurando ajuda para vício em outros tipos de drogas e álcool caiu 45% desde 2005/06.

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Esses números, sem surpresa, correm lado a lado com dados mostrando que mais pessoas estão usando crack hoje do que nos últimos anos. A última estimativa coloca o número de usuários na Inglaterra em 182.828, que se traduz como um aumento de 10% entre 2011/12 e 2014/15. E mais pessoas estão injetando a droga – um aumento de 18% durante uma década. As apreensões de crack pela polícia também estão no nível mais alto desde 2008, depois de um aumento de 16% num ano, de 4.718 apreensões para 5.484.

A volta do crack está sendo alimentada por vários fatores, mas o mais crucial é que a droga está ficando mais pura e mais barata. A DrugWise diz que os níveis de pureza do crack são “sem precedentes”, com uma média de 74% – mas informantes sugerem que pode chegar a 90% às vezes. Esse grau de pureza também contribui para um aumento de 16% em mortes relacionadas a cocaína (pó e pedra não são diferenciados nos dados do Gabinetes Nacional de Estatísticas) na Inglaterra e País de Gales em um ano.

Enquanto isso, o preço do crack também caiu 13% desde 2007; com um papelote de 0,2 gramas saindo de £15 [R$67] até £20 [R$89] em algumas áreas.

Dolly, 42 anos, que fumou seu primeiro cachimbo – “numa lata de Coca-Cola” – depois de um show do Oasis na G-Mex em Manchester em 1997, e acabou usando a droga direto por 11 anos, agora trabalha no setor de tratamento de vício. Ela gastava até £700 [cerca de R$3.100] por dia na droga e notou como o preço da pedra não mudou em décadas.

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“Considerando a inflação, crack é a única droga que continuou com o mesmo preço desde os anos 90”, ela diz. “O preço das outras drogas flutua, mas o crack nunca flutuou. É sempre o mesmo preço, independente da qualidade.”

Os traficantes hoje também estão dando descontos para quem compra crack e cocaína em maior quantidade. “Você consegue três pedras por £25 [R$112], seis por £50 [R$224], 12 por £100 [R$448]”, diz Suzie. “Quanto mais você quer, mais ganha desconto. Você pode escolher e misturar heroína e crack. Eu costumava comprar duas pedras de crack e um papelote de heroína, ou quatro e dois se eu tinha £50.”

Mudanças geográficas nas redes de distribuição de drogas também estão abastecendo o crescimento da popularidade do crack. O fenômeno das “carreiras dos condados”, em particular, abriu novas rotas de fornecimento, com gangues urbanas se ramificando e operando através de membros nas ruas – geralmente garotos de 15 a 17 anos – entregando crack e heroína em áreas costeiras e rurais.

A constituição física do crack torna a droga perfeita para as redes dos condados transportarem facilmente por grandes distâncias. “É um produto muito estável”, diz Ian Hamilton, pesquisador de uso de substâncias e saúde mental da Universidade de York. “E as apreensões indicam que quantidades menores estão sendo encontradas. Suspeito que os traficantes estão quebrando a droga em partes menores e depois mandando para o interior.”

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Suzanne Sharkey, membro da comissão LEAP UK (Law Enforcement Against Prohibition) e ex-policial disfarçada, teme que o padrão de tráfico vai continuar abastecendo a ascensão do crack. “Crianças estão trazendo crack de alta qualidade para cidades pequenas, e a competição está começando a esquentar”, ela diz. “Não vai demorar muito para um grupo dizer 'Você ganha uma pedra grátis se me trouxer outro cliente'. Os mercados sempre encontram um jeito de se incentivarem. Não sabemos inteiramente que influências as carreiras dos condados terão no mercado, mas não parece nada bom, e precisamos pensar em opções e empregar evidências melhores. Há uma expectativa cada vez maior de que o uso de crack vai continuar subindo nos condados.”

Enquanto as redes de tráfico avançam suas operações, o setor de tratamento está fazendo o mesmo para ajudar o número cada vez maior de pessoas tentando se recuperar do vício e dos efeitos colaterais complexos do uso de crack? Pesquisas em tratamento estão sendo realizadas, e um estudo descobriu que a cannabis – algo que Suzie achou útil para diminuir a vontade de usar crack – pode oferecer um potencial de reduzir o uso; mas Hamilton diz que maconha ainda é uma solução “complicada”.

Ainda não há um tratamento médico e psicológico específico, com benzodiazepina sendo a principal opção dos médicos. Mas benzos têm seus próprios riscos, especialmente considerando os cortes nos serviços de saúde.

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“Psiquiatras de vício foram dizimados – eles são caros demais para os serviços de tratamento empregarem agora”, explica Hamilton. “Então o que você tem é enfermeiros prescrevendo tratamento. E simplificando, eles muitas vezes não estão no mesmo nível que os médicos. Enfermeiros tendem a seguir o BNF – o guia britânico de prescrição – nos limites. Mas isso não ajuda muito no caso de usuários de crack e cocaína.”

Pedras de crack. Foto: DEA.

Hamilton também se preocupa com o número de usuários de crack que se encontram numa situação de “ardil 22”, entre diferentes serviços e sem uma solução apropriada para seus problemas. Crack e cocaína podem causar vários problemas psiquiátricos, com paranoia ocorrendo em 84% dos usuários de cocaína, e crack associado com sintomas mais frequentes e intensos. Dolly e Suzie descreveram experimentar psicose, ansiedade e sintomas de transtorno de stress pós-traumático induzidos por drogas.

O problema disso é que os usuários, segundo Hamilton, acabam entre tratamentos com drogas e serviços de saúde mental. “Isso tem parcialmente a ver com diferenças de conhecimento, mas é uma trava particularmente perversa”, ele explica. “Os serviços não recebem financiamento suficiente e faltam recursos, e para resolver isso era preciso trabalhar em unidade. Se você tem alguém encaminhado para você numa unidade de saúde mental que toma remédios, você encaminha a pessoa de volta para a equipe de tratamento com drogas. Eles voltam para a equipe de tratamento e ela sente que eles têm problemas de saúde mental e mandam de volta para a equipe de saúde mental. Precisamos de um serviço integrado.”

Mas Dolly, que ainda convive com os impactos físicos e psicológicos de “despedaçar seu sistema aos poucos por tanto tempo”, diz que há esperança e que as pessoas podem se recuperar do vício em crack.

“Me sinto abençoada por ter sobrevivido, porque não deveria”, ela diz. “Fui crackeira por 11 anos, e se eu consigo fazer isso, qualquer um consegue. Somos mais fortes que um pedaço de químico.”

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