Me apropriei da cultura branca num show do Nickelback e gostei
Imagem por Sarah Berman.

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Me apropriei da cultura branca num show do Nickelback e gostei

Fizemos piada em tomar uma dose sempre que alguém visse uma pessoa de camisa xadrez, boné do Blue Jayz ou gritando “all lives matter”.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Dizem por aí que os brancos não têm cultura, mas claro que não é verdade.

Para dizer o óbvio, "branco" é uma descrição que se aplica a pessoas de várias origens. Mas também tem coisas que são distintamente brancas, mesmo se você não pensa muito nisso: Salada. Hóquei. Burning Man. Gore-tex. Como uma garota indiana que cresceu no Canadá, nunca me identifiquei muito com os estereótipos da identidade canadense porque eles pareciam baseados em interesses de brancos. Mas algo mudou recentemente.

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Tudo começou com uma piada. Descobri que vários colegas de trabalho iam a um show do Nickelback, alguns para conseguir conteúdo, outros (aparentemente) por prazer. Primeiro, eu não estava nem um pouco interessada em ir, mas nosso produtor social Sasha foi muito convincente: "É o Nickelback. Na semana do Canadá 150. Horário de verão. Show a céu aberto. O que mais você poderia querer?", ele escreveu numa série de mensagens para o escritório. Foda-se, pensei. Vou só pela ironia.

Nossa galera. Eu sou a mina gritando.

Depois de ouvir Feed the Machine (o novo disco do Back, acho?) no Uber rumo ao Molson Amphitheatre, e tirar algumas fotos na frente de um cartaz gigante dizendo "Nickelback", todo mundo atualizando furiosamente os stories do Instagram, fomos para nossas "cadeiras" no gramado. O gramado geralmente é um festival de merda na melhor das hipóteses, mas naquela noite era um verdadeiro paraíso da plebe. Fizemos piada em tomar uma dose sempre que alguém visse uma pessoa de camisa xadrez, boné do Blue Jayz ou gritando "all lives matter". Nosso grupo de oito pessoas fez o melhor para se encaixar — eu até estava usando um smoking canadense — mas apenas um de nós era branco. Assim como todo mundo em volta.

Quando o palco se iluminou, marcando o início do show, todo mundo começou a gritar. Um dos telões passava animações parecidas com um protetor de tela do Windows do começo dos anos 2000 — aqueles que deviam parecer como olhar dentro do computador. A multidão era gigantesca. Finalmente, Chad e companhia tomaram o palco. Não vou mentir, nem lembro qual foi a primeira música. Talvez "Feed the Machine"? Era definitivamente do Feed the Machine. Mas isto aqui não é a crítica do show mesmo.

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Depois, Kroeger abordou a multidão com algumas brincadeiras bem estranhas.

"Papai precisa do seu remédio", ele disse, com uma voz estranhamente nada rouca. Ele disse ao público que estava curtindo uma ressaca depois de uma noite muito louca no clube de strip-tease Brass Rail. Aí ele tomou uma dose de Jager e disse que era hora de "montar de novo no cavalo". Ele também agradeceu todos os fãs que tiveram que encarar o trânsito, conseguir uma babá e talvez até tirar o dia seguinte de folga só para ver ele tocar — sugerindo que ele sabe que atrai um público suburbano.

Chad. Foto da autora.

Eu até que estava me divertindo, mas ainda me sentia uma outsider — uma voyeur — até que, depois de algumas músicas, a banda tocou "Photograph". Enquanto a multidão berrava "WHAT THE HELL IS ON JOEY'S HEAD?", percebi que ninguém ali estava sendo irônico ou estava envergonhado. E foi muito libertador. Acrescentei minha voz ao coro. Minha ironia se transformou em fervor legítimo.

Outras coisas hilárias aconteceram naquela noite. Uma mulher na nossa frente caiu de cara num barranco. Um cara começou a gritar "Feliz Orgulho Gay" na minha orelha e ainda não entendo por quê. E um bombeiro voluntário subiu no palco para "brincar de karaokê" com o Kroeger e já errou a letra no primeiro verso. Dava para ver que ele queria sair, mas o Kroeger fez ele ficar no palco até o final. Havia pânico nos olhos dele. Senti pena do moço, mas, ao mesmo tempo, quem diabos tenta cantar junto com seu ídolo num show num estádio se não sabe a letra da música? A resposta é: só um cara branco.

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Mas, assim que me senti realmente abraçando o Back e seus fãs, nossa turma entrou numa discussão com um cara branco bêbado chato que ficava empurrando a gente. A coisa continuou por quase meio minuto, antes de se resolver sozinha. Mas naquele momento, fiquei plenamente consciente de que éramos as únicas pessoas não brancas ali, e se alguma coisa acontecesse, claro que acabariam culpando a gente. Meu instinto, por mais engraçado que seja, foi pegar meu celular, pronta para fazer um vídeo como prova. Por sorte, todo mundo se acalmou e a discussão acabou não dando em nada. Mas foi uma mancha no que, até aquele momento, estava sendo uma noite ótima e, francamente, é exatamente por isso que me sinto justificada em tuitar coisas como esta.

Bruh. Foto por Dan Brioux.

A joia na coroa da noite foi quando a banda tocou "How You Remind Me" durante o bis. Quando ouvi essa música pela primeira vez, lá na oitava série, achei Nickelback foda. Obviamente, nos 17 anos seguintes, comecei a "desprezar" a banda por razões que ninguém realmente sabe articular. (Sim, eles são bregas, mas a música é melhor que a do Creed.) Mas naquele momento, fui transportada de volta para uma época mais simples, uma época sem gostos performativos e playlists públicas. Ninguém naquele show era descolado. E estávamos unidos nisso, livres para cantar cada palavra da música que, no fundo, todo mundo sabia.

Como eu disse antes, sempre lutei com a minha identidade "canadense". Nunca realmente curti Tragically Hip e, portanto, não me identificava com nenhum dos artigos de opinião que escreveram na turnê final deles. Sou de Vancouver, onde a gente bebe mais café no Starbucks do que no Tims, então eu nem sabia que tinha prêmios quando você desenrolava a borda dos copinhos deles até me mudar para Ontário. O mesmo para leite em saquinho. Mas Nickelback eu conheço. Cresci com Nickelback, mesmo que só por osmose ao assistir Much Music e ter um CD Big Shiny Tunes. E naquele show, me senti mais canadense que nunca, pelo menos no sentido tradicional.

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De volta ao meu elemento, ouvindo rap. Foto por Dan Brioux.

Quando o show acabou, fiz xixi atrás de uma moita e fomos para um bar em Dundas West. Eles estavam tocando rap dos anos 90. Em particular, lembro de "Gimme The Loot" do Biggie. Ouvir essa música depois do show foi como tomar banho depois de um dia na praia. Porque, por mais que eu tenha curtido o Back, nunca vou ser uma Backer (é assim que os fãs deles chamam?), nem quero ser. Gosto do meu Canadá com uma boa dose de dive bars, hip hop e pessoas de diferentes etnias. Mas tenho que admitir que foi divertido ser uma turista naquela noite.

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Tradução: Marina Schnoor

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