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Música

Mike Patton e Dave Lombardo se reencontram no Dead Cross

Ouça na íntegra o álbum da nova banda do prolífico duo, que revive a parceria do Fantômas com a ajuda de membros do Retox e Locust.
Foto: SAW

Entrevista originalmente publicada no Noisey US.

Cinco semanas antes de embarcaram em uma turnê norte-americana de dois meses para divulgar seu álbum de estréia homônimo, os quatro membros do Dead Cross ainda não ensaiaram na mesma sala. Não é culpa deles, é só que todos os envolvidos estão muito ocupados fazendo malabarismos temporais para administrar a existência de uma miríade de outros projetos. O baterista Dave Lombardo, em particular, nem sequer pode pensar sobre uma próxima turnê até terminar seu um mês na Europa com os ícones do crossover 80's Suicidal Tendencies.

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"Trombar o Dave é tipo — eu quero dizer tipo o Trump, mas na real não é isso, porque você pode trombar o Trump no Twitter!", diz rindo o vocalista Mike Patton. "Nós temos que literamente planejar cada dia, todos os dias. 'Ok, que dia você volta da Europa e quando começamos a ensaiar?' Então, dentre todo mundo, ele é o mais ocupado. Mas foi pra isso que topamos a empreitada, então vamos fazer funcionar."

E não é como se o Patton estivesse numa boa vendo Sessão da Tarde. O frontman do Faith No More e Mr. Bungle está fazendo a trilha sonora da adaptação do Netflix para um romance de Stephen King, 1922, e trabalhando em um álbum de "easy listening" com o compositor francês Jean-Claude Vannier. Fantômas, seu projeto paralelo de alt-metal no qual Lombardo tocou anteriormente, fez o seu primeiro show em sete anos no final de junho, abrindo para o Tool. Coloque na equação variáveis com os horários de Michael Crain, guitarrista do Retox, e do baixista Justin Pearson (Retox/Locust), e você tem quatro caras que precisam de uma planilha para organizar sua próxima refeição, então imagina só qual que é de se produzir uma turnê nacional.

Mas se os membros de Dead Cross estão cronicamente sobrecarregados, seu álbum de estreia não tem nada com isso. O LP de dez músicas desencadeia um blitzkrieg visceral de blast beats, riffs de guitarra angulares e vocais maníacos destruidores de laringe. O lançamento oficial do auto-entitulado disco é nesta sexta (4), via Ipecac Recordings, e também conta com a produção do especiaista em nu-metal Ross Robinson, capturando a fúria desenfreada da cena hardcore de onde a pega enorme inspiração.

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Mesmo com tamanha vitalidade, disco e banda quase não rolaram. Lombardo havia marcado hora no estúdio com Robinson no final de 2015 para trabalhar com outra banda, o Philm. Os planos foram por água abaixo no último minuto e Robinson convidou Lombardo para trabalhar em outra demo com Crain e Pearson. O baterista do Locust, Gabe Serbian, chegou junto para assumir os vocais, mas teve que pular fora no meio das gravações.

O assistente de Lombardo sugeriu chamar Patton para cantar então. "De cara eu disse 'Não, é um cara ocupado!'", comenta. "Ele está fazendo trilha para séries da Netflix e acabou de terminar as coisas com o Faith No More. Vai saber se eles vão fazer turnê, ele está ocupado, fazendo as coisas dele, além do que, é uma banda de hardcore e não sei se Patton gostaria de fazer isso."

Mas Patton já havia ouvido falar do Dead Cross e mandou uma mensagem para Lombardo sobre lançar o disco da banda pela sua gravadora, Ipecac. Não muito depois, recebeu uma resposta do baterista, convidando-o para cantar no disco. "Levei um segundo para pensar naquilo, tipo, uau será mesmo que quero fazer isso?", disse Patton. "Dois segundos depois, topei e disse 'Sim, tô dentro' e aí me mandaram o que tinham gravado e fiz o melhor que pude."

Patton surpreendeu seus colegas de bandas com os vocais caóticos quase ininteligíveis que gravou no seu porão. Eles não sabiam o que esperar do vocalista, mas lhe deram carta branca para reinterpretar as faixas de Serbian. "Me lembrou de quando entrei no Faith No More, sendo bem honesto", comentou Patton. "Aqui eu já estava entrando em algo mais estabelecido e tive que fazer o meu lance, com um tipo de foco independente."

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Se tratando de clichês roqueiros, "metaleiros velhos retomando o som e fúria da juventude" não quer dizer lá muita coisa, mas rapaz, o Dead Cross consegue chegar lá. Com exceção de uma versão vascularizada e cadenciada de "Bela Lugosi's Dead" do Bauhaus, cada faixa do disco vai direto na jugular. Lombardo, Crain e Pearson gravaram o instrumental ao vivo e sem metrônomo, e dá pra sentir o suor escorrendo do rosto de cada um enquanto se matavam para acompanhar um ao outro.

"Este é o disco mais pesado que já gravei", diz Lombardo. "Me dá um pico de adrenalina. Tem quem sinta isso com drogas ou sei lá, eu piro mesmo é em tocar ao vivo e tocar esse tipo de som. É só alegria, é como correr o mais rápido possível."

"Sprinting" descreve bem Dead Cross, que acaba em apenas 28 minutos. Um minuto a menos que o clássico seminal do thrash metal do Slayer, Reign in Blood — 12 minutos a menos do que a banda é obrigada por contrato a tocar num show como headliner. "Quando fazemos uma turnê, eles precisam que toquemos 40 minutos", explicou Patton. "Estamos correndo pra saber que diabos mais vamos tocar! Estamos compondo sons novos pra poder cumprir contrato, é engraçado". Patton afirma ainda que seus sets serão minimalistas: "Não vai ter nenhuma luz maluca ou produção. Vão ser quatro caras no palco arrancando cabeças."

A absurdez de meter um disco de hardcore sem firula aos 49 anos de idade não passa batida para o vocalista. "Acho engraçado fazer um disco desses quase aos 50 anos, mas meio que faz sentido", comenta. "Essa parada — essa energia, esse fluxo — faz parte de mim há tempos. Creio que essa seja a forma mais direta com a qual tenha expressado isso."

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Lombardo encontrou alguma de paz na intensidade quase cegante do disco, visto que as gravações rolaram pouco após os ataques terroristas no Bataclan em Paris. "Não nos freamos em nenhum momento", diz. "'Não consigo, está um pouco rápido'. Era tipo 'Foda-se, toca aí!', você sente a dor e tudo, mas quando se toca pesado e rápido assim, quando se passa dos limites, isso aparece na música, dá pra ouvir."

Patton, por sua vez, se viu diante de outro evento que dividiria o mundo em relação às letras: a ascensão de Donald Trump, na época candidato à presidência norte-americana. "O clima todo em torno das eleições era certamente inspirador", comenta. "A histeria e o clima de pânico e medo, acho que aquilo afetou muito como escrevi esse disco."

Leve em conta o single "Grave Slave", que tem alguns dos versos menos ambíguos do disco: "The electoral eats the puppet states / chew the vote, win the race". "Geralmente não sou tão específico", admite Patton. "E sinceramente, essa música fala mais sobre como traficantes cavam covas. Entrei um pouco nessa de política, mas sei lá, o que que dá pra fazer né?".

Outras letras exigem maior interpretação, caso da ameaçadora e inflamada "Idiopathic": "We are all terrorists and fags / and niggers and spics and fuckin' dirt-bags / sketchy-cracker white trash / and we're coming / we comin' to get your ass."

"Sabe como é, é racismo igualitário", diz Patton, impressionado que jornalistas conseguiram as letras do disco. "Você sabe. Entre amigos há um vernáculo usado o tempo todo — e não falo de amigos brancos. Falo de todo mundo mesmo. Geral ri e está tudo bem. Mas de repente eu uso isso num som hardcore e é um problema? Não é não. É assim que as pessoas falam e é importante perceber isso."

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Foto por SAWA.

"Não estou mirando em negros ou mexicanos ou seja lá o que for", continua. "Somos todos nós. E sabe, todos temos nossas gírias e derrapadas e como mais você queira chamar, e as formas como somos discriminados. Porra, acho que todos já sentimos isso de alguma forma. Achei que seria bom colocar isso ali. Quem sabe? Talvez eu tome umas porradas por isso, mas quem sabe mesmo?".

Se tem alguma certeza que Patton pode ter é que o Dead Cross escapa de qualquer fraquejada que todo supergrupo sofre — termo que ele mesmo rejeita. "Isso não é um supergrupo. É só um lance que estamos fazendo e acontece que alguns de nós tocaram em outras bandas", insiste. Lombardo ecoa este sentimento: "Nós somos o Dead Cross e acontece que os caras envolvidos tem uma história na música e eu acho que isso só soma à magia da banda."

O Dead Cross não tem planos além da turnê vindoura, e levando em conta os cronogramas, todos os quatro integrantes tem que ir decidindo tudo aos pouquinhos. Mesmo assim, eles tratam este projeto como coisa séria. "Já passei por isso de banda nova várias vezes e em alguns momentos a coisa só vai morrendo. Espero que não dessa vez", disse Patton. "Gostamos mesmo disso aqui e se não gostássemos seria só um projeto de estúdio e não tocaríamos ao vivo. Agora parece que somos até uma banda de verdade."

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