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Ilustração: Cassio Tisseo

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Motherboard

O governo de Bolsonaro tem tudo para ser uma catástrofe para o meio ambiente

A estratégia do candidato de extrema-direita pode ter um grande impacto negativo no ecossistema e na economia do país.

Jair Bolsonaro não se cansa de falar que a bandeira do Brasil nunca será vermelha. Mas se eleito presidente, talvez seja o caso de também repensar o verde. Líder de pesquisas de intenção de voto no segundo turno, o candidato de extrema-direita pelo PSL tem posições duras em relação ao meio ambiente. Para ambientalistas e pesquisadores, a estratégia é temerária inclusive do ponto de vista econômico.

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O candidato é pouco claro sobre as intenções para a área no seu plano de governo, mas algumas ideias são recorrentes em declarações e entrevistas. O militar da reserva já disse que juntará o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura; que limitará a capacidade de atuação do Ibama e ICMBio; que sairá do Acordo de Paris; e que acabará com “ativismo ambiental xiita”.

Aliados dele seguem no mesmo ritmo. O general Oswaldo Ferreira, cotado para assumir o Ministério do Transporte caso o capitão seja eleito, afirmou que, quando abria estradas com o Exército na década de 70, não tinha Ibama ou Ministério Público para “encher o saco”. Já Luiz Antonio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e provável ministro da Agricultura num governo Bolsonaro, minimizou o aquecimento global, disse que há espaço para desmatamento legal na Amazônia e comparou o Acordo de Paris a papel higiênico.

“Como ele mesmo disse, é uma visão de país de 50 anos atrás, quando floresta era algo a ser conquistada, derrubada e derrotada”, afirma Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que reúne entidades da sociedade civil que trabalham com questões ligadas a mudanças climáticas.

“É ver o meio ambiente como um problema. A biodiversidade do Brasil, a quantidade de florestas, grandes rios, são vantagens em relação ao resto do mundo, assim como o potencial de energia solar e eólica, deviam ser vistos como potenciais competitivos, e não como um problema”, explica Ritti.

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Próximo do Agronegócio, Bolsonaro dá a entender que vê nos atores ligados à defesa do meio ambiente um entrave à expansão econômica do Brasil. A implicância com o Acordo de Paris tem raiz idêntica. Firmado em 2015, o documento tem por objetivo limitar o aumento da temperatura global em 2º C até o fim do século. Para isso, no Brasil foram estabelecidos metas de reduzir emissão de gases do efeito estufa, aumentar a participação de fontes renováveis na matriz energéticas e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 (veja a íntegra das metas brasileiras aqui).

"É uma visão de país de 50 anos atrás, quando floresta era algo a ser conquistada, derrubada e derrotada"

A solução, de acordo com o candidato, seria alinhar as duas áreas — agricultura e meio ambiente — e afrouxar a fiscalização. O problema é que esse é um cachorro que tem tudo para morder a mão do dono.

“Tudo está interligado. A proteção ambiental garante recursos hídricos. O sistema de chuvas no Centro-Oeste e Sudeste depende da Amazônia em pé”, diz Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. “Avançar a fronteira amazônica vai comprometer o próprio agronegócio.”

É um efeito já sentido no Brasil. Dados do IBGE indicam que 48% dos municípios do país atravessaram episódios de seca severa. Poucos anos atrás, o Sudeste sofreu uma crise hídrica por conta da falta de chuva. Enquanto isso, o desmatamento da Amazônia voltou a subir durante o período eleitoral, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 2.414 km2 entre junho e setembro, em contraste com 1.769 km2 no ano passado.

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Ao todo, 6.947 km2 caíram por terra em 2017. “Não há nenhum outro país que conviva com taxas tão alta de desmatamento e que se aproxime da média de renda per capita do Brasil. Não temos justificativa para continuar desmatando nessa faixa. Na Política Nacional de Mudanças Climáticas, não deveria desmatar mais do que 3.900 km2 da Amazônia em 2020”, afirma Carlos.

Além dos danos objetivos, o aumento de desmatamento e uma eventual saída do Acordo de Paris podem gerar diminuição de mercado para o agronegócio brasileiro no exterior. Tratados comerciais bilaterais exigem contrapartidas do tipo. “Nós vendemos comida à beça para o mundo, soja, carne, etc. E países da Europa, por exemplo, tem uma preocupação em não comprar produtos se estiverem relacionados ao desmatamento”, explica Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace no Brasil.

Astrini ressalta que, dentro do agronegócio, não há um bloco unânime em torno do ponto de vista de Bolsonaro. Por um lado, setores que trabalham com uma agricultura moderna, voltada à exportação e que atuam em uma cadeia produtividade refinada, não enxergam vantagens nas propostas. “O outro pessoal, que está no Congresso, faz lei para liberar agrotóxicos, não quer lista suja de trabalho escravo, faz grilagem de terra. São ruralistas, não pensam em emprego, no país, em renda. Pensa no negócio deles, no curral eleitoral deles. Esses tem essa agenda, de botar para cima mesmo”, afirma.

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Apoiado pela bancada ruralista citada por Astrini, Bolsonaro vinha fazendo o jogo deles. Mas parece que o pé começou a procurar o freio. De acordo com uma matéria do Estadão, a equipe técnica do candidato já repensa a fusão dos ministérios. Nada de bom senso ambiental aqui. A ideia é evitar repercussão negativa nos mercados que importam a produção brasileira.

Para completar, há um problema do ponto de vista operacional na proposta de junção dos Ministérios: ignorar toda a atuação da pasta do Meio Ambiente para além do campo, como no licenciamento de obra.

“Acabar licenciamento ambiental, pavimentar rodovia sem controle, vai ser desastre”, afirma Astrini. “Vamos observar um processo que só viu na década 70, de aberturas de estradas sem controle ambiental. Aquelas espinhas de peixe famosas em Rondônia, onde só existe floresta dentro Unidade de Conservação e Terra Indígena, e ainda assim muito pressionadas.”

Nem um centímetro a mais

Em agosto, durante uma visita a Rondônia, Bolsonaro afirmou que o Brasil tinha áreas de proteção ambiental demais. Em outro oportunidade, disse que durante seu governo nem um centímetro a mais de terras Indígenas seria demarcado.

“Quando ele fala em nenhum centímetro a mais de terras para povos indígenas é uma contradição com o próprio discurso de que haverá respeito à constituição”, diz Carlos Ritti, o secretário-executivo do Observatório do Clima. “O direito dos povos indígenas aos territórios originais dos seus antepassados é um direito constitucional. O dono das terras é o país, a união, e eles são beneficiários.”

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No segunda, dia 22, o Ministério Público Federal disse vai entrar com ações contra Bolsonaro caso ele siga com essa proposta.

Se estacionar é ruim, dar a ré é pior. Bolsonaro foi menos explícito nesse sentido, mas há o temor de que ele reduza a área atual de zonas demarcadas. Isso poderia ser feito por revogação de decretos ou mudança de status de proteção para categorias mais permissivas.

Não seria inédito. No ano passado, o presidente Michel Temer enviou ao Congresso um projeto de lei para reduzir em 27% a Floresta Nacional do Jamanxin, no Pará. Frente a repercussão interna e externa, Temer recuou. A caso coincidiu com um corte de cerca de R$ 200 milhões no valor que a Noruega destina para o Fundo da Amazônia por conta do aumento do desmatamento na região.

"Turismo em unidades de conservação é um negócio bilionário no mundo. Em vez de pensar em usar as áreas como atrativos de negócios e fomentar o desenvolvimento de turismo, esse ataque vai afugentar mais e mais turistas”

Para piorar o cenário, o candidato de extrema-direita é claro na sua intenção de reduzir o capacidade de atuação do Ibama e ICMBio, órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental no Brasil. A bem da verdade, essa é uma rixa pessoal. Em 2013, Bolsonaro foi multado em R$ 10 mil após uma equipe do Ibama o flagrar pescando uma área de preservação ambiental em Angra dos Reis.

Como retaliação, o capitão que defende como principal plataforma de segurança armar a população propôs um projeto de lei para… desarmar agentes do Ibama e ICMBio. “O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo. É o país mais megabiodiverso do planeta. E ele tem a ideia de diminuir o raio de atuação dos órgãos de fiscalização, que ele chama de indústria da multa. Eles fiscalizam crimes. Multam quem está cometendo algo ilegal. Então na verdade é uma ideia de diminuir o combate ao crime, contra a bandeira dele”, afirma Astrini, do Greenpeace.

Astrini ressalta que o discurso do candidato ressoa em grupos que são fiscalizados por órgãos, a exemplo de grileiros e madeireiras ilegais, e abre as portas para que atuem com mais liberdade. No final de semana, equipes do Ibama e ICMBio foram atacadas na Amazônia. Três viaturas foram incendiadas.

“O problema é a visão de mundo das pessoas que vão ser colocadas na direção desses órgãos, da Funai, do Incra. É uma infraestrutura ambiental construídas ao longo de dezenas de anos que vai ser comandada por uma visão de mundo, pegando uma palavra dele, de 40 anos atrás”, diz Mario Monzoni, da FGV. “Agora o mais importante é o seguinte: se isso muda em Brasília, na ponta, na realidade, nas lutas e batalhas, essa agenda não sofre. O que pode acontecer, e é provável que aconteça, é um acirramento de tensão, talvez violência. Porque quem construiu tudo isso não vai entregar fácil.”

“É um olhar muito míope sobre o que significam unidades de conservação”, afirma Carlos Ritti. “Parques nacionais no mundo inteiro são fonte de renda, emprego. Turismo em unidades de conservação é um negócio bilionário no mundo. Em vez de pensar em usar as áreas como atrativos de negócios, melhorar condição de acesso e visitação, fomentar desenvolvimento de turismo, esse ataque vai afugentar mais e mais turistas. Porque aquele país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza vai infelizmente perder suas belezas.”

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